Por Pe. Jonas Eduardo G. C. Silva Em Artigos Atualizada em 08 NOV 2019 - 09H57

Maria, Medianeira da Graça e de todas as Graças

Basílica NS Medianeira
Basílica NS Medianeira

“És o Depósito da água viva, donde decorrem, para todo o mundo, os canais da divina fonte... Mergulha-me, eu te rogo, nessas águas vitais...” (Santo Padre José de Anchieta, Poema De Beata Virgine Mater Dei Maria, vv. 391-5)

Em muitos lugares do mundo, celebra-se, no sábado antes do 2º domingo de novembro, a Festa de Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças . Ela é a Padroeira do Rio Grande do Sul (desde 1942), assim como de inúmeras igrejas, cidades etc. Meditemos brevemente sobre este mistério.

Jesus Cristo é o único Mediador (mesítes, mediátor) entre Deus e os homens (1Tm 2,5), ou seja, é o caminho pelo qual temos acesso à comunhão plena e eterna de amor com o Pai em virtude da sua Páscoa Redentora (Jo 14,6; Hb 10,20). Contudo, na história da salvação, Deus sempre associou à Si homens e mulheres, tornando-os seus instrumentos em favor de muitos. Através de patriarcas, profetas, apóstolos, Deus comunica ao povo, de modo peculiar, contínuo e generoso, a sua mensagem, o seu favor e a sua bênção.

Maria é invocada como Medianeira (Mediátrix) porque Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua imensa misericórdia, deseja que a sua Mãe participe, de um modo extraordinário, na sua missão de ser canal da graça divina sobre a humanidade inteira – tanto na aquisição quanto na impetração e distribuição de todas as graças, explica o ilustre mariólogo Salvatore Meo.

Desde o seu “sim” dialogado na Anunciação (Lc 1,34.38) e a sua presença nas Bodas de Caná (Jo 2,3-5), Maria demonstra o seu papel ativo para obter a misericórdia Divina em favor do povo (cf. João Paulo II, Redemptoris Mater, 21-24). Ninguém como Maria está mais profundamente unida ao mistério divino (em si mesmo) e ao mistério da redenção (em particular) em virtude de sua Maternidade Divina e Assunção Gloriosa. Se nós, pecadores, podemos nos tornar instrumentos da benevolência divina para os outros, o que dirá a “Mulher vestida de sol” junto ao Cordeiro na Jerusalém Celeste? (cf. Ap 12)

Leia MaisSua presença como mulher que crê e ora no Cenáculo (At 1,14) certamente atrai para toda a Igreja e a humanidade a efusão do Espírito. Por isso, desde o século III d.C. os cristãos recorrem a Maria através da oração mariana (tropário): "A vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus".

Em um dos seus hinos marianos, S. Efrém, o Sírio (+373) assim recorre a Maria: “Tu que és a Medianeira entre Deus e os pecadores”. Num dos Hinos à Mãe de Deus presentes na Liturgia de São João Crisóstomo (+407) Maria é chamada de “nossa medianeira do Criador”. No Concílio de Éfeso (431) os cristãos reconheceram que, através de Maria, inúmeras graças nos chegam (cf. S. Cirilo de Alexandria, Hom. in Deiparam). Após o Concílio de Calcedônia (451), surgiu um dos mais belos hinos marianos do Oriente, o Akáthistos, em que se exclama: “Ave, ó rocha que jorra as águas da Vida”; “Ave, das graças de Deus despenseira” (nn. 11, 19).

Santo Agostinho a chama de Christi ministrátrix (De Assumpt. B. M. V.). Desde o século VI d.C. o título de “mediadora” é aplicado a Maria com frequência pelos Santos Padres. S. André de Creta a chama de “Medianeira da lei e da graça”. O grande S. João Damasceno afirmará explicitamente que Maria desempenha o “ofício de Medianeira” (Hom. I in Dorm.). Na oração Ave do Mar Estrela (séc. IX) se reza: “Afastai de nós os males, implorai [para nós] todos os bens”. O título será utilizado ainda com mais força a partir dos séculos XII e XVII d.C.

Santo Afonso Ligório, insigne Doutor da Igreja, apoiando-se no testemunho de muitos cristãos, afirma que acertadamente Maria é chamada como tesoureira e dispensadora das divinas mercês.

Nos últimos séculos, o Magistério oficial da Igreja também a tem reconhecido explicitamente como Medianeira. Com efeito, o Papa Bento XIV chama Maria de “rio celeste com o qual todos os dons da graça vem trazidos no coração dos pobres mortais” (Bula Gloriosae Dominae, 27/9/1748). Pio VII a chamou de “dispensadora de todas as graças” na Constituição Quod Divino Afflata Spiritu, de 1806. Na Bula Deus Inefável o Beato Pio IX a chama de poderosa Mediátrix et Conciliátrix (1854). Na Encíclica Octobri mense, o Papa Leão XIII (1891) reafirmou a fé da Igreja: “unicamente através de Maria se nos reparte daquele imenso tesouro que trouxe o Senhor...”. Várias vezes é chamada pelo Papa de “ministra” (administra – cf. Adiutricem populi). Em seguida, o Papa S. Pio X, na Encíclica Ad diem illum (1904) a designa como “reparadora” e “dispensadora de todas as graças” (universórum múnerum dispensátrix).

No século XX, amadureceu a certeza de que Maria pode e deve ser invocada como Medianeira, fruto da ação do Espírito que acompanha a Igreja (cf. Jo 14,26). Assim, aos 12/01/1921, o Papa Bento XV concedeu a todas as dioceses da Bélgica e outras que solicitassem, que se honrasse Maria na liturgia oficial como “Medianeira”. Em 1935 o Papa Pio XI usou o título de Maria “Corredentora” na oração de encerramento do ano da Redenção (cf. Leão XIII, Supremi apostolatus officio, 1883). Numa mensagem de rádio a Portugal no dia 13/05/1946, o Papa Pio XII – falando em português – reconheceu Maria como “Mãe de misericórdia, Medianeira de suas graças, Dispensadora dos seus tesouros”. Em 1961 o Papa João XXIII aprovou um santuário dedicado a Maria “Medianeira de Todas as Graças” em Lodonga, Uganda. Na Encíclica Mense maio (1965), o Papa Paulo VI reconhece que os dons da divina Misericórdia provém do “trono de Maria em grande abundância” (cf. Signum Magnum, 1967, n. 4; Marialis cultus, 1974, n. 15 e 57). Em seu pontificado, o Papa João Paulo II usou o título “Medianeira” desde 1978 e “Corredentora” desde 1980.

Um dos marcos da história da Igreja, em 1965 o Concílio Vaticano II reconheceu que Maria, “com sua multíplice intercessão, continua a granjear-nos os dons da salvação” e, por isso, “é invocada na Igreja sob os títulos de advogada, auxiliadora, protetora, medianeira” (LG 62; cf. Catecismo, 969). Em 1971 a Sagrada Congregação para o Culto Divino aprovou a Missa da “Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe e Medianeira da Graça”. Na Coletânea de Missas de Nossa Senhora (1986), livro litúrgico aprovado pelo Papa S. João Paulo II, se encontra um formulário específico também em sua honra, no qual é chamada de “companheira [do Autor da graça] no mistério da redenção humana” (Coleta).

Maria é invocada pelos cristãos como Medianeira da Graça Divina (ou Mãe da Divina Graça), considerando o fruto de sua Maternidade Divina, Jesus Cristo (de quem provém graça sobre graça – Jo 1,16) ou como Medianeira de Todas as Graças (pois, intimamente unida a Cristo Jesus, obtém favores divinos com a sua intercessão no Céu).

Cristão: não hesite em recorrer sempre a Maria!


Nossa Senhora, Medianeira de Toda as Graças: rogai por nós!

P. Jonas Eduardo G. C. Silva
Associado da Academia Marial

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Notas:

Cf. CNBB, Diretório da Liturgia. De 1921 em diante era celebrada no dia 31 de maio; depois passou a ser 8 de maio.

Dicionário de Mariologia, S. Paulo, Paulus, 1995, p. 865. Outros teólogos (García Paredes, Mariologia, 2001) têm refletido sobre a relação entre Maria e a mediação do Espírito e da Igreja.

Glórias de Maria (de 1750), Parte II, Trat. I, V, 1º, n. 3. Apóia-se, dentre outros, nos Santos Doutores Alberto Magno e Bernardo de Claraval (que a chama de Mediadora junto ao Mediador no Sermão In Dominica infra octavam Assumpt., 2 – texto que foi repetido por inúmeros autores ao longo do séculos, como p. ex. o Pe. Antônio Vieira no seu Sermão da Natividade de Maria). S. Luis-Maria G. Montfort a chama de medianeira de intercessão (Tratado da Verdadeira Devoção a Maria (de 1712-15), n. 68. Cf. Weizenmann, Jacob Ireno, Nossa Senhora Medianeira de todas as graças, Porto Alegre, Proletra Ed., 2005, pp. 31s.; Aa.VV., Il ruolo di Maria nell’oggi della chiesa e del mondo, Roma, Marianum, 1979, pp. 14-21. O Papa Sixto IV, na Constituição Cum praexcelsa (27/2/1477), afirma que pelos “méritis et intercessione” da Virgem, os fiéis estão mais dispostos (aptiores) a receber a graça divina (cf. Collantes, Justo, La fe de la Iglesia Catolica, Madrid, B.A.C., 1995, p. 293).

Mary at the Foot of the Cross VII. Coredemptrix, thefore Mediatrix of All Graces. Acts of the Seventh International Symposium on Maria Coredemption. Sanctuary of Our Lady of Fatima – Fatima, Portugal, July 9-11, 2006. New Redford MA, Academy of the Immaculate, 2008.

 Cf. https://www.ewtn.com/faith/teachings/marya4a.htm Em 1896, R. M. La Broise escreveu o artigo: Sobre esta proposição: todas as graças nos vêm pela Santa Virgem, que é a primeira publicação oficial em que se propõe a definição dogmática da Mediação universal de Maria (cf. Dodd, Gloria Falcão, The Virgen Mary, Mediatrix of All Grace, Franciscans of Immaculate, New Bedford, 2009, p. 19). Petições têm sido feitas desde o pontificado do Papa Leão XIII; a última se deu com Bento XVI (em 2008/9), que envolveu mais de 500 bispos. Em 1948 o Pe. Carlos Zanatta escreveu o livro Nossa Senhora Medianeira de Tôdas as Graças, em que afirma ser esta doutrina “certa e comumente admitida” (R. Janeiro, Ed. Santa Maria, p. 95). Mark I. Miravalle escreveu três densos estudos a respeito (Queenship Publish. Co., 1993-1996).


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