Igreja

A renúncia de um Papa: um trauma, um fato histórico ou um gesto de humildade?

Cristiano Luiz da Costa e Silva (Reprodução/ Arquivo pessoal)

Escrito por Cristiano Luiz da Costa & Silva

27 OUT 2015 - 09H15 (Atualizada em 28 FEV 2023 - 11H00)

giulio napolitano/ Shutterstock

Certamente, a renúncia do Papa Bento XVI, no início de 2013, abriu precedentes de que o “trono de Pedro” é sinônimo de um peso de grande responsabilidade. Conduzir a Igreja é tarefa árdua, que pode colocar à prova a mente, a fé e o espírito daquele que, por força do destino - ou do Espírito Santo - é conduzido a esta missão.

Mas um Papa pedir “demissão” causou um desconforto, principalmente naqueles que creem veementemente que se trata de uma função perpétua e vitalícia. De fato, os Cardeais reunidos em Conclave (às portas trancadas) na inspiradora Capela Sistina da Basílica Vaticana em geral não creditam seus votos a algum candidato que não vá conduzir a “Barca de Pedro” até o fim de sua vida.

O Código de Direito Canônico determina limites de idade para o trabalho dos bispos em suas atividades administrativas e pastorais no limite de 75 anos de idade, e dos cardeais, que prestam serviço à Cúria Romana, aos 80 anos, bem como sua participação nos conclaves, onde, após intensa dedicação ao trabalho que lhes fora confiado em tempo oportuno, os mesmos deveriam entregar ao Papa, ao atingir tais limites, o direito de nomear as necessárias sucessões dos cargos.

Reprodução/ Vatican News
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Os cardeais podem participar ativamente de um conclave até completarem 80 anos de idade


E ao Papa, quando lhe é conferido este direito?

Trata-se de uma missão diferenciada, que vai além do título de Bispo de Roma, tendo como peso de ser o “Vigário de Cristo”. O Sumo Pontífice não deve e nem precisa entregar a renúncia a ninguém, basta apenas que seja apresentada publicamente para tornar-se válida.

Curiosamente, o "fantasma da renúncia" ronda o Vaticano com muita frequência. Porém, é o contexto que determina os rumos finais, que podem levar a termo o pontificado de um papa vivo. Mas a História da Igreja e dos papas apresenta situações peculiares, tais como vimos no fim do breve pontificado do Papa Ratzinger, bem como de outros papas que apresentaram sua renúncia ou foram forçados a tal gesto.

Por exemplo, se nos ativermos ao século XIII, no Período Medieval, temos o relato histórico do pontificado do Papa Celestino V, precisamente no ano de 1294. Eremita e simpatizante do estilo de vida franciscano, eleito aos 85 anos, já na velhice, com a expectativa de ser um diferencial transformador, tornou-se ingenuamente “pau mandado” do Rei de Nápoles, grande investidor de sua eleição.

Leia MaisBiógrafo divulga um dos principais motivos da renúncia de Bento XVIEntenda a carta de renúncia assinada pelo Papa Francisco Exclusivo: “Não vou renunciar”, diz PapaCelestino V era totalmente avesso a todos os protocolos e a toda a riqueza que rondava o papado. Por esse motivo, era considerado santo e desligado das coisas mundanas. Porém, pressionado por todas as exigências que rodeavam esta sua tarefa, e por medo de um cisma ou de alguma crise, entregou sua renúncia com seis meses de pontificado, vindo a morrer dois anos depois, em 1296.

Roberto Rusconi, autor da obra “A Grande Renúncia: por que um Papa se Demite?” – apresenta-nos um cenário de pressões internas e externas que, por vezes, sugeria ao pontífice reinante sua saída do pontificado ainda em vida.

O autor discorre por diversos contextos desde o século XIX, quando da Unificação Italiana, o Papa Pio IX e seu sucessor Leão XIII, enfrentariam situações desafiadoras em seus pontificados, que poderiam leva-los a uma possível renúncia.

Pressionado pela revolução que ocuparia a Cidade de Roma, Pio IX, em novembro de 1848, teria fugido para Gaeta, região de Nápoles, disfarçado de padre a fim de garantir sua vida, refugiando-se por quase um ano e meio. Este episódio evidenciou o fim do poder político do Papa. Seu sucessor, o Papa Leão XIII, enfrentaria no final da sua vida uma grave enfermidade somada à idade avançada, o que comprometia sua efetiva presença à frente do governo eclesial.

Outro contexto apresentado por Rusconi que motivaria uma possível renúncia nos remete ao Pontificado do Papa Pio XII. Eugênio Pacelli fora eleito graças ao seu prestígio e experiência diplomática. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a queda do Regime Fascista, a Cidade de Roma e o território Italiano foram ocupados pelos nazistas. Tendo sabido de um suposto plano que previa um rapto, o Papa teria deixado preparado um Documento de Renúncia onde deixava claro que, ao ser preso, prenderiam o cardeal Pacelli, e não o Papa.

Seguidos os anos, o Papa João XXIII teria sido eleito para viver um pontificado de transição, onde sua missão seria curta e sua morte o revelaria santo. Mas, contrariando todas as expectativas, o curto pontificado do “Papa Bom” seria revolucionário no plano pastoral e administrativo. A idade avançada e a doença não surtiram efeitos diante da responsabilidade de conduzir o Concílio Vaticano II.

Paulo VI, seu sucessor, após quinze anos de pontificado, já com sua saúde fragilizada, teria dito: “A renúncia de um Papa seria um trauma para a Igreja. Por isso, não tenho coragem de fazê-lo.”

João Paulo II, dono de um grande pontificado, protagonizou diversas situações tais como o atentado a bala em 1981 e a doença do Mal de Parkinson, que o levou a afastar-se do governo da Igreja principalmente no fim de seu pontificado. Tais elementos surtiriam efetivos motivos para uma possível renúncia, mas confiou-se a Deus com a motivação de “Não descer da Cruz”, levando, mesmo que de forma não presencial, a barca de Pedro até a morte.

Se outros entendiam que sua missão e sua filosofia de vida os motivariam a levar até o túmulo a sua missão, Bento XVI surpreende o mundo quando, em reunião com os cardeais, no início de fevereiro de 2013, marca a data do fim de seu pontificado.

Reprodução/ Vatican News
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Bento XVI anunciou sua renúncia ao pontificado em fevereiro de 2013


A renúncia de Bento XVI

Dotado de vasto conhecimento teológico, homem de ferro do pontificado do Papa Wojtyla, seria ele eleito para um pontificado de transição. Mesmo apresentando uma boa saúde, reconheceu-se incapaz de dar continuidade ao pontificado.

Em 2009, visitando o sepulcro onde estão as relíquias do Papa Celestino V, Bento XVI depositou seu pálio pastoral (estola branca feita de lã, ornada com cruzes negras, que simbolizam o poder episcopal de uma arquidiocese ou a legitimação do governo eclesial) sobre a urna de vidro que guarda os restos mortais do papa Santo, que em outras épocas teria renunciado. Um sinal? Uma coincidência? Não sabemos. O último papa reinante a entregar sua renúncia, homenageado pelo papa da modernidade, que seguiria tal exemplo.

Foram expressivos os momentos turbulentos do pontificado do papa alemão. Os seguidos escândalos sexuais e de corrupção no seio da Igreja; o vazamento de documentos secretos do Vaticano; entre outros, certamente levaram o Idoso Papa a compreender o momento de entregar sua renúncia e viver uma velhice mais tranquila, protagonizando uma iniciativa de abrir caminho para uma sucessão pontifícia onde, curiosamente, a história se encarregaria de dar não somente um Papa mais jovem, mas de natureza e filosofia mais pastoral.

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Cristiano Luiz da Costa e Silva (Reprodução/ Arquivo pessoal)
Cristiano Luiz da Costa & Silva

Historiador e professor de história na rede municipal de ensino na região do Vale do Paraíba (SP).

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