Vivemos num momento histórico marcado “pela incerteza” e consequentemente nos deparamos com crescentes fundamentalismos e relativismos nas várias áreas do conhecimento humano. A reflexão bioética não ocorre alheia a este contexto maior que a condiciona. Uma das causas que faz com que o fundamentalismo cresça na área bioética é o não trabalhar e consequentemente negligenciar a questão antropológica, fundamental: “quem é o ser humano”. Esta é a pedra fundamental sobre a qual se fundamenta todo e qualquer paradigma bioético, no seu conteúdo e teoria, bem como nas suas opções concretas.
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Temos como desafio tentar colocar juntas as ciências que lidam com o ser humano, elaborando um mapa das antropologias relevantes para a bioética. De modo geral, podemos distinguir as antropologias em teocêntricas e antropocêntricas. As antropologias teocêntricas ou transcendentais (o ser humano como um ser espiritual) incluem as principais religiões da humanidade, sejam do ocidente ou do oriente. No cristianismo, todos sabemos, a “eminente dignidade do ser humano” é consequência de sua filiação divina, como criatura “imagem e semelhança de Deus”.
Hoje nos ambientes acadêmicos científicos, predominam as chamadas antropologias secularistas. Podemos falar de cinco categorias maiores de respostas à questão antropológica:
1) a visão positivista-empírica, cuja imagem e ideia do ser humano é o que é observável e testável pelos métodos das ciências naturais (homem máquina);
2) a visão psicológica-behaviorista, enfatiza a subjetividade humana, isto é, uma combinação de sentimentos, intuições e experiência emocional (homem como um ser de sentimentos e emoções);
3) a visão filosófica (homem como ser pensante) privilegia a razão humana para captar a realidade da vida moral e deduzir o bem para o ser humano.
4) visão utilitarista pragmática, homo faber, o homem enquanto ser cria coisas novas e é capaz de transformar o meio em que vive;
5) a visão economicista, homo economicus, o homem enquanto um ser capaz de produzir e acumular riquezas.
O diálogo e o respeito pelas diferenças entre estas diferentes antropologias é a condição sine qua non para não cairmos em fundamentalismos, seja de ordem teológica, filosófica ou científica. Num contexto marcado pelo pluralismo, é necessário cultivar uma sadia visão secular, que evite secularismo ( fechamento no mundo imanente). Toda antropologia no fundo, assume algum aspecto essencial da existência humana. A diferença em cada visão é sua contribuição para o melhor entendimento do todo.
Embora, possamos ser céticos em conseguirmos um conceito englobante do que constitui a essência de nossa condição humana, enquanto humanidade precisamos chegar pelo menos a algum acordo sobre o que é fundamental e essencial em nossa humanidade e quais valores éticos deveríamos salvaguardar e proteger em nossas normas jurídicas e políticas públicas.
Perante a hegemonia do fator econômico em todas as dimensões da vida humana, que não esqueçamos que as coisas tem preço, mas as pessoas possuem dignidade, que precisa sempre ser reconhecida e respeitada. Que Deus nos livre do cinismo, muito a gosto de certos gestores insensíveis que “sabem o preço de tudo o valor de nada” (Oscar Wilde).
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