Por Pe. César Moreira, C.Ss.R. Em Igreja

Entrevista: ‘A independência do Brasil hoje’

Parece fácil notar que, na era da globalização, as noções de independência e de liberdade ganham outras conotações. Mas quais são elas, precisamente?

Neste mês de setembro, em que somos forçosamente levados a pensar ‘bem’ da Pátria, vale ouvir alguém competente e crítico que provoque reflexões interessantes.

É o que Roberto Gonçalves, historiador e cientista político, faz nas respostas abaixo. Bom proveito.

Bandeira do Brasil

Padre César: Independência e Liberdade ‘encurtaram’ nos tempos atuais? Que conotações esses conceitos ganharam?

Roberto Gonçalves - Independência, hoje no Brasil, é nome de avenida, clube de futebol, lojas comerciais, etc. Também é citada, na linguagem popular, como independência financeira, assim como as donzelas, no passado não muito distante, casavam para obter a independência de seus pais. No sentido sociológico ou político, principalmente quando se discute civismo, independência lembra o 7 de Setembro, data que o Brasil se libertou de Portugal, mas virou ‘colônia’ inglesa em razão de sua dependência econômica da Inglaterra que vivia o esplendor de sua Revolução Industrial.

Liberdade, no plano individual, houve avanços, principalmente após a redemocratização de 1985, após o ciclo cruel da ditadura militar. Mas como nação, nossa  liberdade comercial, econômica, diplomática e política, encontra barreiras quase intransponíveis, porque não temos poder diplomático, político e bélico para nos impormos como nação.

Padre César: Que dependências são as de atualmente? Qual a mais nociva?

Roberto Gonçalves - Somos dependentes anacrônicos dos Estados Unidos, maior potencia militar do planeta e atualmente a polícia do mundo. Tem uma briga na esquina de uma pequena vila de um país árabe?  Dentro de poucos minutos os Estados Unidos bombardearão o povoado inteiro, matando velhos e crianças inocentes.

É uma triste realidade a hegemonia americana no mundo, afetando profundamente a vida brasileira, porque praticam políticas protecionistas que contrariam nossos interesses. E nossos governos não contribuem para o fortalecimento de nossas instituições, deixando a corrupção interna se alastrar em velocidade galopante, desmoralizando nosso poder de negociação, econômica, política e moral, no concerto das nações.

A mais nociva das dependências é ficarmos restritos à exportações de produtos primários e praticamente impedidos de exportarmos produtos industrializados, fonte agregadora de maior receita em nosso balanço de pagamentos. Os orientais só compram nosso minério de ferro "in natura". Se pudéssemos industrializá-lo internamente, dobraríamos nossa receita e triplicaríamos a geração de empregos no Brasil.

Padre César: Os dominadores de hoje são piores do que os de antes? Em que sentido seriam?

Roberto Gonçalves - Os dominadores de hoje usam métodos mais sofisticados de dominação, mas sem a crueldade do passado, quando possuíam colônias e empregavam mão de obra escrava. As grandes potências utilizam a intimidação, mesmo velada, de seu poderio militar, nas mesas de negociação.

Com a globalização, internet, televisão a cabo e outros avanços tecnológicos, os dominadores submetem os dominados utilizando todos recursos citados. Através de Hollywood os Estados Unidos exportaram sua ideologia para todo planeta. Ideias, costumes, sistemas e produtos americanos foram vendidos através do cinema. Endeusaram o modo americano de viver e demonizaram todos seus adversários.

Nos filmes americanos, japoneses e alemães são vilões na guerra e os americanos salvadores da humanidade. E no plano interno, os dominadores no brasil continuam os mesmos: detentores do capital que utilizam políticos corruptos para explorar os recursos públicos, em todos governos, principalmente no atual, fonte permanente de corrupção.

Padre César: Há como repetir o Grito do Ipiranga novamente? Quem seriam os libertadores?

Roberto Gonçalves - É muito difícil repetir o Grito do Ipiranga novamente, porque estamos órfãos de grandes homens públicos e temos um povo completamente alienado da política, em espírito cívico e desconectado do eixo central da civilização. Amor à Pátria, arrepio diante do ‘Hino Nacional," ou ficar a Pátria Livre ou morrer pelo Brasil  são letras mortas nos grandes hinos cívicos que exaltaram nossas lutas no passado. A sociedade de consumo, a falência da educação e a desintegração da família, são, sem dúvidas, os dois principais fatores que esfacelaram o espírito cívico da nação.

Como repetir um grito cívico num país que famílias não se sentam mais à mesa na hora das refeições ? Que a ida da mulher para o trabalho  desestruturou a base familiar, com as crianças cuidadas pela vizinha, por creches, por tudo que se pode imaginar, menos com a mãe, cujo olhar é a melhor vacina para impedir a infecção da violência no futuro adulto.

Talvez um partido político sério, com lideranças fortes e idealistas, possa implementar um gigantesco plano de educação, capaz de queimar etapas e construir novos cidadãos, politizados, dotados de civismo e amor à Pátria, crescidos em famílias sólidas, geradas por este sonhado plano nacional de educação em massa, com elevada qualidade, capaz de transformar uma nação.

Os libertadores seriam esses homens públicos que já existem, mas nunca conseguem a vitória nas urnas, porque nosso povo, amplamente analfabeto político, sempre vota nos piores, atraídos pelo discurso populista, de cunho teatral e emocional.

Os libertadores seriam aqueles capazes de vencer a ignorância popular e vencer as eleições, qualificando-se para uma grande revolução educacional, mãe de todas as mudanças.

Padre César: As eleições do mês que vem podem trazer alguma libertação? De quem contra quem?

Roberto Gonçalves - As eleições poderiam trazer várias formas de libertação. Poderiam, mas dificilmente vão trazer, porque o povo brasileiro, mais uma vez, está indo na conversa do populismo messiânico, por um lado, e da continuidade do ‘lulopetismo’, pregada na campanha eleitoral através de um absurdo tempo no horário eleitoral gratuito, conquistado com a compra corrupta de partidos, através de mensalões, Petrobrás, e outros expedientes, sempre escusos. É tradição na política brasileira o povo votar através de três posturas, bem definidas: razão, emoção e fome. Como a parcela da população brasileira que vota com a razão é minoritária, na faixa máxima de vinte por cento, dificilmente consegue eleger um presidente da republica. Os eleitores famélicos e emocionais representam quase oitenta por cento dos eleitores brasileiros.

As candidatas Dilma, fortemente apoiada pelo voto famélico, caminha para o segundo turno com Marina Silva, apoiada unicamente pelo alienado voto emocional. E Aécio Neves, candidato apoiado pelos eleitores que votam com a razão, está estacionado no terceiro lugar. Num país que 76% da população deseja mudanças, conforme ficou provado em Junho de 2013, 70% dos eleitores estão divididos entre as duas senhoras do ‘lulopetismo’, impedindo que a verdadeira oposição chegue ao poder . É o cúmulo da ignorância: dois terços do eleitorado deseja mudanças, mas não vota em quem pode fazê-las, votando exatamente nas duas representantes do ‘lulopetismo’.

As eleições de 2014 não trarão libertação e aumentarão os grilhões da nação aprisionada pela ignorância do voto popular. Como não dá para remover os 70% de eleitores famélicos e emocionais para fora do Brasil e promover um grande fluxo de imigração escandinava, germânica, saxônica, eslava, japonesa, chinesa, só nos resta o milagre da educação.

Padre César: A democracia brasileira, na fase atual, tem fortalecido as liberdades? Quais delas?

Roberto Gonçalves - A democracia tem favorecido, e muito, as liberdades públicas e individuais. Sempre se diz que a  democracia tem muitos defeitos, mas é o melhor de todos os regimes. A democracia praticada pelo nosso poder judiciário, por exemplo, é um atraso imenso na aplicação de justiça. Tudo é lento, há recursos em cima de recursos, penalizando sempre os mais pobres.

 

'A democracia tem favorecido, e muito, as liberdades públicas e individuais'.

Ao mesmo tempo que a democracia tem fortalecido as liberdades, não tem conseguido impedir a violência  policial, a reintegração dos presos à sociedade, ao crescimento da consciência popular em relação a importância da cidadania na construção de uma nação civilizada. Aliás, em matéria de cidadania, pouco, ou quase nada, avançou nos últimos anos. Os direitos do cidadão em relação a serviços públicos, são cada vez mais subtraídos, principalmente na área da saúde e transportes, onde são tratados sem um mínimo de dignidade.

O maior de todos os exercícios de liberdade é o grande culpado do voto não ser exercido corretamente, tem nome e endereço: povo brasileiro!

Colunista - Padre César Moreira

 

Escrito por
Padre Antônio César Moreira Miguel (Arquivo redentorista)
Pe. César Moreira, C.Ss.R.

Sacerdote, jornalista, radialista e escritor com muitos anos de atividade nos meios de comunicação social. Foi diretor geral da Rede Aparecida de Comunicação e fundou a Rede Católica de Rádio, hoje atua na área de assistência social da Província de São Paulo.

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