Por Pe. César Moreira, C.Ss.R. Em Igreja

Entrevista: Dia Mundial da Religião

Pra gente religiosa, como nós, não precisava ter um "Dia Mundial da Religião" porque TODOS OS DIAS são dias de relacionamento com Deus.

Mas a data vale como oportunidade de reflexão mais profunda sobre o tema. É o que fazemos a seguir, entrevistando o professor Mário José Dias, coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Salesiana de Lorena- SP.

Foto de: Thiago Leon

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Padre César Moreira: Religião é algo natural na vida das pessoas? Ou precisa ser provocada para existir? Aliás, em que consiste a religião?

Sobre a Religião, acredito também que não haja necessidade de ter um dia específico para falar e pensar sobre ela, por outro lado é uma oportunidade para repensar a nossa própria vida e avaliar se estamos distantes ou próximos de Deus, da nossa comunidade de fé, do testemunho cristão e da ressignificação da nossa vida de fé.

A religião, se pensada do ponto de vista do significado da palavra, nos remete ao princípio básico da vida humana, “religar”, ou seja, é uma experiência que a pessoa faz em busca de um sentido pleno da vida.

Ao fazer esta experiência de fé ela descobre que necessita de uma comunidade que a acolha e a faça fortalecer a sua própria existência e com isso convida  a testemunhar em sua vida com os outros o grande mistério da vida. A religião, enquanto princípio carregado de sentido, só se dá em comunhão com os outros, por isso ela também pode ser provocada por uma série de situações para as quais não temos respostas e que só encontram significado nos valores que defendemos e nos quais acreditamos: a fé demonstrada e vivenciada por uma comunidade de crentes.

O professor  Lino, em seu livro “Antropologia: religiões e valores cristãos”, descreve estes caminhos da experiência religiosa e da sua complexidade, do ponto de vista pessoal, e afirma que “a religião nasce do coração do homem, que procura descobrir o sentido último de sua origem e de seu destino”. Para concluir eu gostaria de trazer uma parte da música de uma amiga, Cecília Vaz, que traduz, em minha opinião, esta nossa busca incessante de fé e que precisa constantemente ser alimentada, pois “Deus criou o infinito para a vida ser sempre mais”.

É este o sentido da religião vivenciada e defendida pelos valores em que acreditamos e nos fazem sempre buscar o sentido da vida. Lembro-me da minha falecida mãe que inúmeras vezes eu via cantando quando havia uma preocupação em nossa família: “Eu confio em Nosso Senhor, com Fé, Esperança e Amor”. Esse é o testemunho de valores que nascem do seio de uma família, comunidade...

Padre César Moreira: Frase comum é: "Toda religião é boa". Então, basta uma delas e pronto?

Costumo dizer para os meus alunos que a grande tristeza do mundo é não assumirmos o respeito ao diálogo com outros. Toda e qualquer forma de fanatismo significa o rompimento deste diálogo. A experiência da fé que se manifesta no indivíduo precisa ser respeitada por todos nós, porque vivemos em uma sociedade plural e acreditamos que “o Espírito Santo sopra onde quer”, não detemos toda a verdade e, no campo da fé, é preciso ser alimentada pelo respeito aos outros.

 

A religião não deve servir de justificativa para atos arbitrários e políticos.

A questão talvez não seja aqui pensar que “toda religião é boa”, mas o que ela representa para o indivíduo. Não podemos aceitar a tese de que a religião por si só justifica as guerras, os atentados a vida e aos direitos inalienáveis do homem em sua vida em sociedade. A religião não deveria servir de justificativa para atos arbitrários e políticos.

A religião não é, tão pouco, um “produto” ou um “medicamento” que tomamos quando não estamos bem. Não acredito na opção feita pela pessoa que adere a uma “religião da oportunidade”, ela momentaneamente pode responder a uma necessidade material e uma vez respondida eu “volto para o meu mundo”.

Neste sentido a religião não é boa, pois a adesão não foi feita baseada no sentido e no significado da vida. A religião é sempre exigente e deve, pelos valores e testemunho que professamos ser compartilhada com os outros.

Padre César Moreira: Se existem tantas religiões, é porque as formas de relação com o Divino são percebidas e correspondidas de modo diferente pelas pessoas? Que determina a multiplicidade de religiões?

Vivemos como falei antes, em uma sociedade plural e, portanto, carregada de sentidos e de uma percepção de vida que pode não ser a minha e nem a sua, mas que precisamos compreender e respeitar.

O Papa Francisco tem demonstrado isso quando propõe o diálogo com outras religiões, por encontrar um “elo” que pode ser comum a todos nós. Acredito que o diálogo entre as ideias é um campo fértil para buscar uma forma de consenso que una estas múltiplas religiões. Cada indivíduo precisa encontrar este sentido para sua vida.

Não podemos, no entanto, confundir “religião” como promessas imediatas de uma solução definitiva para os nossos problemas materiais. Do ponto de vista humano, acredito que a forma como analisamos e vivenciamos nossa experiência de fé está diretamente ligada às percepções, pontos de vista, que temos em relação ao mundo.

 

Precisamos entender que a multiplicidade de manifestações religiosas existentes hoje passa por uma matriz de valores adquiridos no convívio familiar, no grupo de amigos e pelo testemunho de vida de alguém que marcou decisivamente a sua existência.

Precisamos entender que a multiplicidade de manifestações religiosas existentes hoje passa por uma matriz de valores adquiridos no convívio familiar, no grupo de amigos e pelo testemunho de vida de alguém que marcou decisivamente a sua existência.

Um pedagogo já falecido, Antônio Carlos Gomes da Costa, ao tentar entender Dom Bosco, resumiu em uma frase bem significativa o que estamos tentando hoje falar: “se isso é bom para vida do educador eu também quero para minha vida”.

Acredito que temos muito a aprender com os outros irmãos de fé, mesmo que a religião dele não seja a minha. Concluo trazendo novamente a leitura do professor Lino: “na atual sociedade pluralista, as instituições não mais conseguem ter o controle de suas doutrinas, símbolos, ritos e práticas, ou mesmo de seus adeptos, que, por vezes, só em parte aceitam o discurso oficial, vivem uma dupla pertença religiosa”.

Padre César Moreira: Que motivos levam alguém a não ter uma religião se parece natural reverenciar e temer um Ser Superior? Aliás, há quem chame o ateu de "atoa": a brincadeira de mau gosto tem alguma base?

Esta questão requer um debate muito mais amplo, pois teríamos que aprofundar a temática para tentar entender os motivos que levam alguém a não aderir a existência de um “ser superior”.

Para nós cristãos a experiência da fé é o que dá sentido a nossa vida: buscar a Deus em tudo que vivemos e testemunhamos. Eu acredito que algumas pessoas passam um período em sua vida querendo não acreditar em Deus, principalmente porque ‘Ele’ não atendeu a um pedido que parecia importante e necessário para aquele momento de sua vida.

Esses não conseguem fazer a experiência de Abraão que sacrificaria o próprio filho para demonstrar a sua fé incondicional a Deus. No entanto, passado certo período, retornam a sua comunidade de fé, esses podem ser classificados de “ateus de ocasião”.

Por outro lado há os que de fato não conseguem entender a existência nem imanente e nem transcendente de Deus. Esse grupo, motivado talvez pelo cientificismo ou pela sociedade do consumo, não encontra sentido na salvação para além da vida.

O sentido da vida é vivê-la intensamente sem nada esperar e que a morte é a certeza única e plena do fim da sua existência. Há também um “apelo” a indiferença, que muitas vezes se confunde com o ateísmo.

 

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"O sentido da vida é vivê-la intensamente sem nada
esperar e que a morte é a certeza única e plena do fim
da sua existência".

As pessoas nem se declaram ateus ou crentes, simplesmente não querem ser incomodadas em sua vida: este me parece ser um sinal desta sociedade do “ter e não ser”, na qual acreditar ou não em Deus é apenas parte da vida enquanto um compromisso social. Por outro lado, existe um grupo de ateus convictos da decisão que tomaram.

O filósofo francês, Onfray, escreveu um livro onde ele pontua a sua decisão pelo ateísmo: “Tratado da ateologia”, reafirmando a sua não crença em um ser superior, sua não adesão a qualquer forma de teísmo. Alguns filósofos do século XIX também fizeram esta opção, declarando a “morte de Deus” em suas vidas ou colocando a religião como um adestramento dos homens para se comportarem segundo as normas morais da sociedade.

Penso que a sociedade contemporânea tem propensão ao ateísmo, principalmente, quando encontra grupos lutando pela afirmação e intolerância baseados em princípios religiosos.

Padre César Moreira: Qual o objetivo da data: Dia Mundial da Religião?

Acredito que o objetivo seja um convite a reflexão sobre o sentido e o significado da nossa religião e o quanto estamos aptos a ouvir e dialogar com as outras religiões.

Precisamos a todo instante reafirmar a nossa fé com nosso testemunho de vida, porém abertos ao mundo e acreditando que “não somos dignos de estar na presença de Deus” e que “basta uma só palavra que seremos salvos”.

Esta não é uma retórica escrita no Novo Testamento, mas uma profunda e exigente tarefa que temos pela frente, acreditar incondicionalmente no Deus da vida e, com Ele, sermos capazes de testemunhar aos outros sem medo o porquê nossa Fé nos sustenta e dá sentido a vida.

Uma vida vivida com e para os outros, me parece ser o principal motivo que temos para celebrar neste dia: refletir o nosso ser no mundo, abrir-se ao diálogo com as diferentes manifestações religiosas e, por fim, entender a profundidade da confiança depositada em nós, por Jesus Cristo, que se fez “homem no meio de nós”. Só assim, acredito,  entenderemos porque Ele “é o caminho, a verdade e a vida”.

Colunista - Padre César Moreira

Escrito por
Padre Antônio César Moreira Miguel (Arquivo redentorista)
Pe. César Moreira, C.Ss.R.

Sacerdote, jornalista, radialista e escritor com muitos anos de atividade nos meios de comunicação social. Foi diretor geral da Rede Aparecida de Comunicação e fundou a Rede Católica de Rádio, hoje atua na área de assistência social da Província de São Paulo.

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