Por Pe. Leo Pessini (in memoriam) Em Igreja

O drama e o testemunho de jovens camilianos arriscando e salvando vidas na África!

Em tempos novos e inovadores na Igreja com o Papa Francisco, em busca de revitalização da nossa fé, somos convidados a fazermos um “êxodo pessoal” e irmos ao encontro daqueles que estão nas “periferias geográficas e existências do coração humano.”

Neste ano de 2015, o ano dedicado à Vida Consagrada no mundo católico, apresentamos flagrantes do trabalho evangelizador de dois jovens religiosos camilianos, desenvolvido durante a guerra civil que estourou recentemente na República Centro Africana (RCA), 2013-2014, onde os camilianos têm uma comunidade religiosa.

Trata-se dos religiosos, Pe. Bernard Kinvi e Pe. Brice Patrick Nainangue. Estamos diante de uma realidade terrível e dramática! Estes jovens religiosos salvaram a vida de milhares de muçulmanos, ariscando a própria vida! Em tempos de fundamentalismos religiosos crescentes, quando sentimos tanto a necessidade de diálogo inter-religioso, temos aqui um magnífico exemplo.

Na RCA, duas facções rivais (milícias islâmicas e anti-balakas de inspiração animista) se engajaram numa sangrenta luta que resultou em milhares de mortes e outras centenas de milhares de pessoas que foram obrigadas a abandonar seus lugares nativos e casas, e fugir para lugares mais seguros no país e viraram refugiados em países vizinhos (mais de 600 mil pessoas), principalmente na República de Camarões. O que aconteceu foi “um brutal conflito de limpeza étnica.”

O Pe Bernad Kinvi é o Diretor do Hospital João Paulo II de Bossemptele. Esta ação missionária camiliana salvou mais de 1500 muçulmanos e foi agraciada pelo reconhecimento internacional pela Organização Human Rights Watch (HRW), no final de 2014, com o prêmio “Alison Forges Award”.

Neste contexto sangrento de guerra e morte, relata o Pe. Kinvi: “Eu fui ao encontro das crianças, das pessoas que estavam escondidas, dos inválidos, feridos e os trouxe todos para o hospital. Eles queriam matar um jovem de 13 anos que encontrei. Este jovem estava aterrorizado de medo, se agarrou em meu habito religioso.

O entendimento deles é que este jovem cresceria, se tornaria um adulto e um dia tentaria se vingar deles. Então para não se correr este risco, deveria ser morto já! Eu intervi energicamente e disse: não isto é impensável, ele é um ser humano. Se vocês quiserem mesmo matá-lo, atirem antes em mim”! No final, eles desistiram do que estavam decididos a fazer e permitiram que a criança ficasse comigo”.

O Jornal Independent assim descreve a ação do Pe. Kinvi: “Por mais de um mês, cuidou dos lutadores anti-balaká (grupo de cristãos e animistas), coletando corpos nas ruas e arredores do vilarejo. Vestido num hábito preto com uma Cruz Vermelha de sua Ordem, ele negociou diariamente com os homens da milícia para poupar o maior número de vidas, incluindo a sua própria”.

É de arrepiar a frieza com que agiam assassinos segundo o Pe. Kinvi. Ele recebia inúmeros telefonemas destes matadores informando-o que mais um muçulmano tinha sido morto e pediam para ele buscar e enterrar o corpo. Eles me diziam: “Nós fazemos o nosso trabalho, padre, e Senhor faz o seu: nós matamos e o Senhor os enterra”. Continua Kinvi, relatando que “num determinado momento, enterramos 28 corpos numa vala comum. Os corpos eram deixados apodrecendo e se decompondo na rua... com aquele calor.... o cheiro era insuportável”. O jornalista do jornal the Indepent reporta que: “Por vezes estando presente em ambos os lados dos grupos em conflito, seja de motocicleta ou de carro, num momento procurava resgatar um muçulmano que, ele temia fosse cair numa armadilha dos anti-balakás, num outro momento dirigia seu carro em direção ao matagal para cuidar dos anti-balakás perdidos e feridos. Outras vezes, tudo o que ela podia fazer, era simplesmente garantir alguma dignidade para os mortos”.

Diz o Pe. Kinvi, “passei por momentos de muito pavor. Mas eu fiz o voto de cuidar dos doentes e de cuidar mesmo com o risco da própria vida. O voto não foi nada de light e quando o momento chegou eu não tive outra escolha, a não ser de permanecer e ajudar.

Quando eu me tornei padre, assumi a responsabilidade de servir os doentes, mesmo com risco de minha própria vida. Assumi este compromisso de vida, sem muito saber o que isto significava. Mas quando a guerra estourou, compreendi o que significa colocar a vida em risco. Ser padre é muito mais do que simplesmente distribuir bênçãos, é estar junto daqueles que perderam tudo”.

Cena dramática: os brutos também têm sentimentos de compaixão!

Em março de 2014, o corpo de paz africano começou a evacuar os Muçulmanos de Bossemptele e hoje, somente poucos permanecem na missão. Entre eles está Harouna, uma criança de 10 anos de idade, com pólio e que foi abandonada pela sua mãe quando os anti-balaká chegaram no local onde viviam. Harouna, não pode andar e provavelmente teria morrido, se seu irmão de 14 anos não a tivesse salvo, carregando-a nas costas e fugindo para dentro da floresta.

Ele a levou o mais longe que pode, num lugar seguro e foi procurar ajuda, mas infelizmente ele nunca mais voltou... quando atiradores anti-balaká a encontram poucos dias mais tarde, se arrastando entre as arvores, eles jocosamente brincaram que tinham encontrado um animal! ... Ao se aproximarem dela, ela simplesmente fechou os olhos e perguntou como iria morrer: seria com um tiro ou uma manchete?”

Perante inesperada atitude, e talvez sentindo “pena” de Harouna, a Milícia desiste de matá-la e começam a cuidar dela, dando-lhe banho, alimentando-a e levam para um centro paroquial, onde hoje estuda e espera a chegada de uma cadeira de rodas... Atos de compaixão como este, são uma evidencia de que o amor contagia”, diz Kinvi (The Guardian, Sam Jones,13/11/2014).  

O jornalista Sam Jones do Jornal The Guardian, resume a história do Pe. Kinvi, assim: “Num determinado momento (do conflito), mais de mil de quinhentos muçulmanos estavam vivendo sob a proteção de um homem cuja única força, eram sua fé e um hábito preto com uma grande cruz vermelha no peito, que ele usa como membro da Ordem Camiliana” (The Guardian, Sam Jones, 3/11, 2014).

Num momento crítico do conflito armado, em que corria risco de vida, ao contatar sua família, seu irmão mais velho confidencia que “se por acaso viesse a morrer, ele deveria contar para a minha mãe que eu teria morrido feliz”.

O que mais dizer a não ser agradecer pelo extraordinário testemunho e profundamente sensibilizados, simplesmente dizer: Amém!

Assinatura Pe Leo Pessini

Escrito por
Pe. Léo Pessini Currículo - Aquivo Pessoal (Arquivo Pessoal)
Pe. Leo Pessini (in memoriam)

Professor, Pós doutorado em Bioética no Instituto de Bioética James Drane, da Universidade de Edinboro, Pensilvânia, USA, 2013-2014. Conferencista internacional com inúmeras obras publicadas no Brasil e no exterior. É religioso camiliano e atual Superior Geral dos Camilianos.

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