Igreja

A Quaresma e suas lendas

Pe. José Luis Queimado, C.Ss.R. (Arquivo Santuário Nacional)

Escrito por Padre José Luis Queimado, C.Ss.R.

17 FEV 2023 - 15H00 (Atualizada em 20 FEV 2024 - 08H54)

Coompia77/Shutterstock (Criação: A12)

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A palavra Quaresma vem do latim Quadragesima (dies), significando quarenta dias.

É um número simbólico, pois nos lembra os quarenta anos que o povo hebreu passou no deserto, do Egito à Terra Prometida e também nos recorda os quarenta dias que Jesus vivenciou no deserto, antes de iniciar a sua vida pública.

A Igreja, com o tempo, fixou seis semanas de Quaresma, tendo como objetivo preparar os fiéis para bem celebrar a Páscoa do Senhor. É um tempo oportuno para a mudança de vida, afinal, Jesus não quer holocaustos e sacrifícios, mas corações puros e misericordiosos! Aí está o maior objetivo desse Tempo Litúrgico: transformar os corações de pedra em corações de carne!

No entanto, com o passar dos anos, no decorrer da História, o objetivo principal, relembrado acima, foi se perdendo em meio a inúmeras lendas e crendices populares, que empobreceram o sentido maior desses quarenta dias.

É certo que fazer jejum e penitência pode ajudar-nos a entender melhor o sentido do desapego aos bens terrenos e da importância da humildade em nossa vida, mas pode atrapalhar a nossa caminhada cristã se voltarmos a adotar o método farisaico: sobrepor as leis à vida! “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado!” (Mc 2, 27).

Quando divinizamos as regras, tornamo-nos cegos para o verdadeiro sentido dos nossos atos. Se digo que não comerei carne nas quartas e sextas-feiras da Quaresma, faço um gesto bonito de penitência e abstinência, para que eu mesmo possa dar passos em minha caminhada cristã. Mas se deixo de comer carne nesses dias porque tenho medo das consequências, dos castigos, começo a divinizar essa lei.

Tentemos resgatar o verdadeiro sentido da penitência, do jejum e da abstinência. Eles são instrumentos para lapidar o nosso interior; para nos auxiliar a sermos pessoas mais dignas do amor de Deus.

Shutterstock/ Ausra Barysiene
Shutterstock/ Ausra Barysiene


Quaresma não é tempo de bruxas e lobisomens; assombrações e almas penadas. Tudo isso é deformação desse tempo maravilhoso de reflexão. Quando eu era pequeno, no interior, morria de medo da Quaresma, pois foi me ensinado que “o diabo era solto por Deus para fazer o que quisesse, tentando as pobres almas penitentes”. E pior ainda, que o Saci estava solto! O Saci era pior do que o demônio (parte do sudoeste paulista e do nordeste do Paraná tem horror a esse personagem folclórico!).

Dizia-se, também, que uma procissão de almas penadas passava na rua do bairrinho rural em todas as noites quaresmais. E aí os cães começavam a latir: essa era a prova de que realmente elas estavam lá fora. Haja coragem para uma criança aguentar isso!

Seguindo a cultura judaica sobre o dia do sábado, o catolicismo popular também apresenta regras rígidas para os dias de Quaresma e Semana Santa. Na Sexta-feira da Paixão, quase tudo é proibido. Não se pode varrer a casa, lavar roupa, pescar, jogar futebol, ou fazer qualquer gesto que se reporte à diversão ou ao trabalho. Que bom se não se pudesse fofocar, brigar e guardar mágoas dos vizinhos!

Outro costume muito estranho acontecia no Sábado de Aleluia, na Vigília Pascal. Nos dias da Quaresma, as mães não podiam surrar os filhos, devido às proibições próprias do Tempo; mas, no Sábado Santo, tudo poderia ser descontado. A mãe dizia aos filhos que naquele dia era permitido dar-lhes uma surra, “para lhes tirar a 'aleluia' do corpo!” Santo Deus!

E era nesse dia, também, que se encerravam oficialmente as penitências que se iniciaram na Quarta-feira de Cinzas. Ou seja, ficava-se sem fumar ou sem beber durante quarenta dias, mas se descontava tudo no dia mais especial para a nossa Igreja, o sábado de profundo respeito e silêncio interior! Haja contradição!

Existe uma diferença entre respeito e exagero no que concerne às leis e às regras. É preciso ter coerência e disciplina na fé, mas sem adotar a religião dos fariseus extremistas da época de Jesus. Enfim, viver uma boa Quaresma é ter consciência do porquê de ela existir!

Se chegarmos à Páscoa do Senhor com mais amor no coração, superando toda mágoa e rancor acumulados com o tempo e sendo pessoas mais agradáveis e caridosas, terá sido a melhor Quaresma de toda a nossa vida! Pensemos nisso!

Escrito por
Pe. José Luis Queimado, C.Ss.R. (Arquivo Santuário Nacional)
Padre José Luis Queimado, C.Ss.R.

Missionário Redentorista com experiência nas missões populares, no atendimento pastoral no Santuário Nacional de Aparecida, passou pela direção do A12, fez missão na Filadélfia nos Estados Unidos. Atualmente é diretor editorial adjunto na Editora Santuário.

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