Igreja

Universidades Católicas: a presença marcante da Igreja na atividade educacional (parte I)

Padre Antônio César Moreira Miguel (Arquivo redentorista)

Escrito por Pe. César Moreira, C.Ss.R.

08 JUN 2015 - 08H38 (Atualizada em 26 OUT 2023 - 16H20)

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Conforme o diário católico italiano Avenire, em 2011 as centenas de universidades católicas espalhadas pelo mundo tinham de 3 a 4 milhões de estudantes matriculados.

A informação me faz pensar no Brasil com suas instituições similares. E, para satisfazer a minha curiosidade e a dos internautas, escolhi entrevistar sobre o assunto um intelectual italiano que, na apresentação do seu mais novo livro "Antropologia, religiões e valores cristãos", conta a história das universidades católicas brasileiras.

Agradeço ao amigo professor Lino Rampazzo o presente dos seus dois últimos livros, o acima citado e "Princípios Jurídicos e éticos em Santo Tomás de Aquino" e a entrevista que você lê a seguir divididas em duas partes.

estudantes

Padre César Moreira: A Igreja Católica, chamada por João XXIII, de "Mater et Magistra (Mãe e Mestra), tem parte ativa no desenvolvimento do conhecimento no mundo. Certamente as Universidades Católicas fazem parte desse contexto, não Professor?

Professor Lino Rampazzo: Certamente a Igreja é "Mãe e Mestra", mas não podemos esquecer que a Igreja nasceu do Cristo que é "O Mestre", por excelência.  Agora quem é "Mestre", ou "Mestra", ensina. E quem ensina tem parte ativa no conhecimento.

Prova disso é o fato que, desde as origens, a Igreja foi promotora do saber, das ciências, das artes, da cultura. Já no século II d. C., apareceram sob o seu impulso centros de cultura cristã, os chamados didascalia, entre os quais sobressaíram os de Alexandria, no Egito, de Esmirna e de Edessa, na Ásia Menor (hoje Turquia), e de Roma.

Um momento importante na história da cultura universal — sem falar da contribuição dada pelas abadias beneditinas, na Idade Média que abriram escolas para o povo — foi a fundação, a partir do século XII, das Universidades de Bolonha, Pádua, Paris, Oxford, Salamanca etc., promovida pela Igreja.

Repito: as universidades no mundo nasceram por iniciativa da Igreja. A esse respeito lembro que, em 2012, tive a oportunidade de visitar Lisboa, a capital de Portugal. E dentro da Catedral de Lisboa havia um mural no qual se apresentava sinteticamente a chegada e o desenvolvimento do cristianismo em Portugal.

A um certo ponto reparei-me com o seguinte dado. No século XIII, exatamente no ano de 1290, o Papa Nicolau V deu a autorização para que fosse aberto em Lisboa o ESTUDO GERAL. "Estudo Geral"  (studium generale) foi o primeiro nome dado às Universidades: não no sentido que incluíssem todos os ramos do saber, mas porque, à diferença dos “estudos locais”, eram dirigidas para todos os estudantes, sem distinção de raça e nacionalidade.

Com o tempo, o nome de studium generale foi indicado para designar o conjunto das ciências, o estudo geral, ou universal do saber. Só mais tarde, pelo fim do século XIV, o nome de studium generale foi substituído por "universidade" (universitas).

Com a presença marcante da Igreja na atividade educacional nos séculos XII‑XIV, é normal que as universidades tenham procurado uma integração, no saber, entre a ciência e a fé. Por isso, nesse período, a universidade plenamente integrada compreendia quatro faculdades: teologia, direito, medicina e artes.

A época da Renascença e do Iluminismo marca a crise deste modelo: o famoso Istituto Católico (Institut Catholique)  de Paris lembra, pelo termo, o fato que, por muito tempo na França uma instituição católica não podia receber o título de “Universidade”. Que ironia! O Estado não reconhecia o título da "Universidade" às instituições da Igreja quando foi a Igreja que fundou as Universidades!

Assim, quando os Estados tomaram como sua a missão de fundar universidades, a Igreja continuou promovendo a ciência e a cultura em centros acadêmicos próprios.

Historicamente, a primeira Universidade Católica foi fundada em Lovaina, na Bélgica, em 1834. Tratou-se de uma bela iniciativa, cheia de fé e audácia: um modelo para fundações posteriores. A partir de então, sucederam-se outras fundações que, no século XX, tornaram-se cada vez mais numerosas.

Atualmente, existem no mundo centenas de instituições universitárias católicas: 998 universidades e 211 institutos semelhantes, ou seja, escolas de perfil mais técnico, mas que concedem títulos universitários. Estima-se um total entre 3 e 4 milhões de estudantes matriculados. Eis a distribuição quantitativa destas instituições, por continentes: a) América Setentrional: 287; b) América Central: 21; c) América meridional: 155, das quais 47 no Brasil; d) Europa: 172; e) África: 25; f) Ásia: 533; g) Oceania: 16.

Padre César Moreira: Como nasceram no Brasil as universidades católicas?

Professor Lino Rampazzo: Antes de falar das universidades Católicas, precisa fazer referência às "Universidades", simplesmente. Asssim, diferentemente do que aconteceu na América Espanhola, no Brasil o Governo Português, em todo o período colonial, não fundou nenhuma universidade. Havia apenas cursos superiores para a formação dos futuros padres.

Os que quisessem tornar-se médicos ou advogados, ou engenheiros, precisavam atravessar o Atlântico e estudar em Universidades europeias, geralmente em Coimbra, ou em Paris.

Esta diferença se percebe simplesmente ao considerar que a Universidade de São Marcos, no Peru, já tinha sido criada no século XVI, em 1551.

No Brasil, foi em São Paulo que foi pensada, planejada e instituída uma Universidade que não fosse uma simples agregação de faculdades.  Neste sentido, em 1920, através de um decreto,   a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito, todas do Rio de Janeiro, foram reunidas na “Universidade do Rio de Janeiro”. Na prática, esta Instituição rotulou com o nome de Universidade um agregado de escolas, chamadas de Faculdades.

Na prática, pois, a primeira Universidade, devidamente planejada, foi aquela de São Paulo (USP), no ano de 1934.

Só depois desta data, começam a aparecer as Universidades especificamente católicas.

Neste sentido, destacam-se as seguintes:

a) Universidade Católica do Rio de Janeiro: em 1940 como Universidade Católica, e com o título de "Pontifícia" em 1947.

b) Universidade Católica de São Paulo: em 1908 como Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento; e em 1946 como Universidade Católica, e com o título de "Pontifícia" em 1947.

c) A Universidade Católica de Campinas: em 1941 como Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras;  em 1955 como Universidade Católica, e com o título de "Pontifícia" em 1972.

E, a título de exemplo, eis o nome de algumas universidades Católicas hoje presentes no Brasil. A Universidade Católica de Pernambuco (Recife-PE), de Salvador (BA), de Pelotas (RS), a Universidade Dom Bosco (Campo Grande-MS), a Unisantos (Santos-SP), a Unisinos (São Leopoldo-RS), a Universidade São Francisco (Bragança Paulista-SP), a Universidade Católica de Brasília (DF), a Universidade Sagrado Coração (Bauru-SP). Há também Centros Universitários Católicos e Faculdades Católicas. Sempre a título de exemplo, há o Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), o Centro Universitário São Camilo (São Paulo), o Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (Coronel Fabriciano-MG), as Faculdades Integradas Teresa D'Ávila (FATEA de Lorena-SP), a Faculdade Canção Nova (Cachoeira Paulista -SP), a Faculdade Católica do Ceará (Fortaleza-CE), a Faculdade Católica de Rondônia (Porto Velho-RO), a Faculdade Salesiana Dom Bosco (Manaus-AM).

Padre César Moreira: O "católico" acrescentado nas escolas superiores da Igreja tem que sentido? Em que se diferenciam das outras?

Professor Lino Rampazzo: Em 15 de agosto de 1990, as universidades católicas conseguiram uma espécie de Magna Charta — a Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae — aprovada pelo Papa João Paulo II, para cuja redação contribuíram todas as universidades católicas do mundo, por meio de uma consulta que começou em 1986. Como todos os documentos oficiais da Igreja, este também tem por título as primeiras palavras do texto latino: Ex corde ecclesiae, quer dizer, (nascida) do coração da Igreja.

A análise do primeiro número deste documento pode nos ajudar a responder, Padre César, às suas perguntas. Eis o texto:

A universidade católica tem uma tarefa privilegiada: a procura de uma integração entre ciência e fé.

Nascida do coração da Igreja, a universidade católica insere-se no sulco da tradição que remonta à própria origem da universidade como instituição, e revelou-se sempre um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saber para o bem da humanidade.

Por sua vocação, a universidade se consagra à investigação, ao ensino e à formação dos estudantes livremente unidos com seus mestres no mesmo amor do saber. Ela compartilha, com todas as outras universidades, aquela ‘alegria a respeito da verdade’, tão a gosto de Santo Agostinho, isto é, a alegria de procurar a verdade, de descobri-la e de comunicá-la, em todos os campos do conhecimento. Sua tarefa privilegiada é unificar existencialmente, no trabalho intelectual, duas ordens de realidade que, não raro, tendem a se opor, como se fossem antitéticas: a investigação da verdade e a certeza de conhecer, já, a fonte da verdade.

Como se vê, o texto deste documento lembra, antes de tudo, a origem e a característica da universidade e, logo depois, indica a característica específica da universidade católica.

Existe, pois, um objetivo comum a todas as universidades, e um outro específico da universidade católica. Todas as universidades, católicas ou não, têm o objetivo de servir à verdade, em todos os campos do conhecimento. Como já foi comentado, o termo “universidade” indica uma “totalidade”: a procura e a comunicação da verdade em todos os campos do conhecimento.

Mas a universidade católica tem uma tarefa privilegiada, a saber: a procura de uma integração entre ciência e fé.

Escrito por
Padre Antônio César Moreira Miguel (Arquivo redentorista)
Pe. César Moreira, C.Ss.R.

Sacerdote, jornalista, radialista e escritor com muitos anos de atividade nos meios de comunicação social. Foi diretor geral da Rede Aparecida de Comunicação e fundou a Rede Católica de Rádio, hoje atua na área de assistência social da Província de São Paulo.

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Por Polyana Gonzaga, em Igreja

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