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Uma discussão oportuna: mídia, violência e direitos humanos

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Escrito por Robson Sávio Reis Souza

12 AGO 2021 - 10H50 (Atualizada em 12 AGO 2021 - 14H31)

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O episódio, transmitido ao vivo por emissoras de TV, no qual um policial troca tiros com assaltantes em fuga e, depois de render os infratores, ainda atira neles, recoloca o debate sobre os excessos cometidos em ações policiais e os limites éticos da cobertura do jornalismo acerca da violência.

No estado democrático de direito, todos, principalmente os encarregados da aplicação da lei, devem agir dentro dos limites legais. No caso de ação policial, há regras claras de atuação nesse tipo de ocorrência.

Além de princípios legais, outros critérios como a proporcionalidade, necessidade e conveniência de determinadas ações, por uso de armas de fogo, por exemplo, devem balizar a conduta do operador da segurança pública. Um policial que atira a esmo pode matar inocentes (que, eventualmente, estejam transitando numa rua). Isso pode ocorrer com meu pai, minha mãe, meu filho. Seria bom se pensássemos assim, dado que falar da dignidade do outro parece algo irrelevante nessa nossa cultura da vingança e do ódio.

Leia MaisViolência e religião: nexo necessário?Nem sempre as coisas ruins ou a ação desproporcional de agentes públicos acontecem somente com "os outros". Portanto, a sociedade deve estar atenta, porque todos nós podemos ser vítimas de uma polícia que, eventualmente, age ao arrepio da lei.

Se nos últimos anos incorporamos em boa medida os pressupostos basilares de um estado democrático e de direito, ainda resta um grande caminho a ser percorrido pela efetividade da cidadania em nosso país. Aqui, o preconceito, a luta pela igualdade racial, as discriminações religiosas e sexuais e tantos outros dilemas sociais ainda não fazem parte da pauta da grande mídia.

Por outro lado, a superexposição de vários tipos de crimes associados a preconceitos, sentimentos de vingança e desinformação acerca dos fenômenos da violência provoca a banalização dos valores humanos.

O aumento da criminalidade violenta, nos últimos anos, trouxe para a agenda social as deficiências das políticas de segurança pública. Segurança pública que deveria ser entendida como direito do cidadão e dever do Estado. Outrora assunto restrito a poucos atores, agora a temática da (in)segurança alcança o centro das discussões, numa sociedade aflita e com medo. A mídia, percebendo a importância do tema (e principalmente o poder de vocalização dessa demanda pela classe média – sua maior consumidora) tem aprofundado as discussões sobre a questão, pautando de forma cada vez mais constante a cobertura acerca da violência.

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Acontece que a mídia deveria ser o espelho fiel das contradições e conflitos existentes na sociedade. Evidente, portanto, que na sua pauta apareça a questão da segurança pública e da violência como algumas das principais demandas de discussão da sociedade brasileira na atualidade.

Compreende-se que a cobertura do cotidiano violento das grandes cidades não é tarefa fácil. Por trás de eventos violentos, outras questões estão ocultas e dificilmente podem ser contempladas em cada matéria ou reportagem que envolve a abordagem do tema pela mídia.

É evidente a complexidade que envolve o fenômeno da violência. E, por consequência, a dificuldade, ou a quase impossibilidade do profissional da comunicação, cobrindo o factual, abordar todas essas questões na apresentação de cada notícia sobre o tema. Isso sem contar, obviamente, com outras dificuldades de abordagem, como o reduzido espaço ou tempo para apresentar uma notícia.

Em relação à abordagem de determinados temas, há que se exigir responsabilidade e conhecimento. Afinal, a forma e o conteúdo de exposição dos vários tipos de violência pela mídia devem ser questionados pelos cidadãos. Obviamente, não estamos tratando aqui de qualquer tipo de censura; ao contrário, defendemos uma interlocução cada vez mais consistente entre os profissionais da comunicação, pesquisadores do tema, operadores da segurança pública e a sociedade.

É desejável que a divulgação e a apuração das informações acerca de estatísticas criminais, por exemplo, sejam rigorosamente avaliadas: quem produz a notícia deve levar em conta a subnotificação de vários tipos de ocorrências; os interesses políticos que envolvem a divulgação das notícias; os vieses – nem sempre evidentes, mas sempre presentes –, em análises feitas por operadores e especialistas.

Leia MaisA desconstrução da imagem da “violência” e “desigualdade social” como parte da sociedadeO papel da imprensa na discussão sobre os dilemas da violência é de fundamental importância para o aprimoramento das políticas públicas nessa área. Apesar das eventuais limitações, observamos que muitos profissionais da mídia têm se esforçado numa cobertura responsável da temática, o que contribui, inclusive, para a difusão de programas, metodologias e projetos de prevenção à violência, implementação da cultura da paz, soluções mediadas de conflitos, criação de redes comunitárias solidárias, etc.

Ou seja, a cobertura do fenômeno da violência pode oferecer aos cidadãos soluções que suplantam o medo, o ódio, a sensação de impotência e de descrédito das instituições, quando o problema é tratado com responsabilidade e sem sensacionalismo.

A mídia pode apresentar práticas viáveis de superação do medo e da impotência diante do fenômeno da violência difusa, criando condições de mobilização social e comunitária que, efetivamente, são fundamentais para o incremento da coesão social, a superação do medo e da apatia social diante do fenômeno da violência, principalmente da criminalidade urbana.

Além dos crimes que recheiam os noticiários na mídia, outras tantas formas de violência que afrontam cotidianamente os direitos humanos são naturalizadas em nossa sociedade. Aqui também a mídia tem um papel relevante, podendo fomentar uma discussão sobre essas violências historicamente escamoteadas em nossa sociedade: violências contra crianças, mulheres, negros, homossexuais, minorias étnicas, entre tantas outras.

Escrito por
robson_savio
Robson Sávio Reis Souza

Filósofo e cientista social

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