Por Elisangela Cavalheiro Em Espiritualidade

Entrevista: A favor da liberdade e contra o tráfico de pessoas

Com a Campanha da Fraternidade de 2014 a Igreja Católica presente no Brasil quer lançar um olhar sobre a desumana realidade do tráfico de pessoas. Terceira maior fonte de renda ilegal do mundo, o tráfico humano perde apenas para o contrabando de armas e drogas. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o lucro mundial desse crime chega a 32 bilhões de dólares por ano e faz aproximadamente 20,9 milhões de vítimas.

Do outro lado dessa realidade, lutando contra a chaga social que representa o tráfico de pessoas, a jornalista Priscila Siqueira registra ao longo de sua trajetória histórias de luta contra o crime que tira a liberdade das pessoas e as transforma em mercadoria. Para Siqueira, o grande desafio que é posto diante da realidade do tráfico humano é o de “enfrentar o crime que é considerado o pior desrespeito aos direitos inalienáveis de uma pessoa” e que “contraria toda a mensagem de libertação deixada por Cristo”.

Recentemente, a jornalista lançou o livro ‘Tráfico de Pessoas – Quanto vale o ser humano na balança comercial do lucro?’ pela Editora Ideias & Letras organizado em conjunto com Maria Quinteiro. O livro teve a colaboração de especialistas nas diversas modalidades do crime. Oferecendo um conteúdo de fácil compreensão, as autoras pretendem conscientizar um número maior de pessoas sobre o assunto. 

Confira a entrevista que Priscila Siqueira, pioneira no país no combate ao tráfico de pessoas, concedeu exclusivamente ao A12. 

A12 – Sobre a pesquisa que desenvolveu para o livro ‘Tráfico de Pessoas – Quanto vale o ser humano na balança comercial do lucro?’, como foi trabalhar com um tema tão complexo como o tráfico humano?  
Priscila Siqueira – Eu venho de uma ONG, a ‘Serviço à Mulher Marginalizada’, que desde a década de 90, trabalhava contra a exploração sexual-comercial de meninas, adolescentes e jovens mulheres. Havia, portanto, um viés de gênero em nosso trabalho. Quando em 1996, fui convidada a representar a CNBB no 1º Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, realizado em Estocolmo por uma iniciativa do governo da Suécia e da UNICEF, tomei conhecimento do tráfico humano.

A partir daí, nossa ONG focou de forma especial na questão do tráfico de mulheres e meninas. Inclusive o nome da ONG passou a ser ‘Serviço de Prevenção ao Tráfico de Mulheres e Meninas’. 

A12 – Qual a proposta do livro?
Priscila Siqueira – O livro tema a participação de diversos “experts” nas diversas modalidades do crime e das medidas que estão sendo tomadas para enfrentá-lo. Sua linguagem, apesar de ser profunda, é de fácil entendimento para que seja eficiente na conscientização da sociedade sobre o que acontece atualmente no Brasil e no mundo. 

A12 – Qual a sua relação com o tema abordado?
Priscila Siqueira – Minha relação com esse tema é visceral. Desde que tomamos conhecimento que esse crime existia não só em nosso país, mas em todo planeta com a perversidade que apresenta, decidimos - nós todos que trabalhávamos na ONG - apostar todas nossas fichas para alertar nossa população sobre o que vem ocorrendo em nossa sociedade globalizada.

 

Priscila começou a discutir a questão do tráfico de pessoas em 1996 na ONG que atuava. No Brasil, a política governamental sobre o tema surgiu apenas em 2006. 

Veja bem, a Política Nacional de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas é de 2006. A ONG desde 1996, isto é, de anos antes, já vinha abordando o tema através de seu trabalho de sensibilização da sociedade brasileira.

Você pode imaginar o quanto estamos felizes com a Campanha da Fraternidade deste ano que, finalmente, aborda esse crime tão perverso. 


A12 – Além do tráfico de pessoas para a prostituição, que outras atividades de exploração (crimes) estão relacionadas? Qual delas faz mais vítimas?

Priscila Siqueira – O Brasil tem um perfil bastante complexo no que tange ao Tráfico de Pessoas. Nós somos considerados, juntamente com a Colômbia, o país que mais envia mulheres, adolescentes e crianças para a indústria do sexo no Primeiro Mundo. 

Além de mandarmos (a linguagem é econômica...) mão de obra escrava de nossos irmãos bolivianos, paraguaios e peruanos para as confecções de roupas do Brás, Bom Retiro e outros lugares, até mesmo em cidades do interior paulista. Essas confecções são geralmente exploradas por outros latino-americanos que vendem o produto do trabalho escravo para coreanos. O produto final vai cair no comércio nacional das grandes lojas de nosso País.

 

"Vergonha das vergonhas, temos o tráfico interno que recai de forma brutal sobre crianças. Isso acontece nas grandes obras governamentais, como nos anos 90 acontecia em Serra Pelada e agora na construção da represa de Belo Monte que reúne cerca de 10 mil homens". 

Somos um país de transição para as pessoas vindas de outros países latino-americanos que desejam ir para o Primeiro Mundo. Essas pessoas ficam aqui, geralmente em Guarulhos, esperando seus documentos ficarem prontos para poderem ir a outros países.

E, finalmente, vergonha das vergonhas, temos o tráfico interno que recai de forma brutal sobre crianças. Isso acontece nas grandes obras governamentais, como nos anos 90 acontecia em Serra Pelada e agora na construção da represa de Belo Monte que reúne cerca de 10 mil homens. 

Além do tráfico de pessoas para a exploração sexual comercial, há o tráfico para o trabalho escravo, para a retirada de órgãos e tecidos e a adoção ilegal. 

A12 – Como a mulher se enquadra na rota do tráfico de pessoas em nosso país?
Priscila Siqueira – O gênero feminino é traficado muito especialmente para a indústria do sexo. Porém, também para outras modalidades de tráfico humano. É bom lembrar que 83% das pessoas traficadas é constituído por mulheres. 

A12 – Como a legislação brasileira contempla o tema e quais as principais lacunas?
Priscila Siqueira – O tráfico de pessoas é um crime que pegou de “calças curtas” a Legislação não só do Brasil como a de todo o mundo. Quem iria imaginar que gente venderia gente em pleno século XXI?

No ano de 2000 , foi escrito o Protocolo de Palermo da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata do assunto e do qual nosso país é signatário. Em 2004, o Brasil o ratifica. Em 2005, o tráfico interno de adultos foi considerado crime, que até então não o era. Em 2006 foi escrita a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; em 2008, o Primeiro Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e agora, estamos com o Segundo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

A construção de uma Legislação anti-tráfico é um desafio internacional, pois esse crime não tem fronteiras. A ONU afirma que no mundo não há nação inocente: ou ela compra ou vende pessoas, como se fossem mercadorias. 

A12 – Quais os desafios que se impõem no combate ao tráfico de pessoas em nosso país?
Priscila Siqueira – O grande desafio que temos pela frente – não só do Estado, mas de toda sociedade brasileira- é o de enfrentar o crime que é considerado o pior desrespeito aos Direitos inalienáveis de uma pessoa. 

 

"A importância de uma Campanha da Fraternidade como a deste ano, em que toda a Igreja do Brasil convida a sociedade brasileira a tomar consciência deste crime tão perverso que contraria toda a mensagem de Libertação que nos foi deixada por Cristo Jesus e que, por vezes, está ao lado de nossas casas".

Esse enfrentamento se dá com um tripé constituído de: 1-prevenção; 2-repressão e responsabilização e 3-atendimento à vítima. A repressão e responsabilização é função do Estado, através de seu aparato policial e jurídico. Não somos nós que vamos prender traficante de gente. O atendimento à vítima é função do Estado que pode ser ajudado pela sociedade civil.

No que nós, sociedade civil, “nadamos de braçada” é na prevenção. Por isso a importância de uma Campanha da Fraternidade como a deste ano, em que toda a Igreja do Brasil convida a sociedade brasileira a tomar consciência deste crime tão perverso que contraria toda a mensagem de Libertação que nos foi deixada por Cristo Jesus e que, por vezes, está ao lado de nossas casas.


Acompanhe a cobertura do A12 sobre a Campanha da Fraternidade 2014 e o Tempo da Quaresma em www.a12.com/semanasanta

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