Por Redação A12 Em Opinião

Jogando por justiça e paz

A Copa do Mundo de Futebol tem suscitado diferentes reações manifestadas não apenas individualmente, mas de modo coletivo, de forma espontânea ou planejada, nas  ruas, nas redes sociais e nos diversos ambientes da sociedade. É inegável o seu  significado para o povo brasileiro e o seu impacto na vida social, em nosso país. As  posturas opostas de defesa da Copa e de crítica severa à sua realização sinalizam a sua  ambivalência e a necessidade de discernimento atento de seus valores e problemas, de  suas potencialidades e efeitos perversos. É preciso distinguir serenamente o valor do esporte e particularmente do futebol, o evento Copa do mundo nos padrões da FIFA e,  por fim, a sua realização no Brasil de hoje. Refletir sobre o significado destes diferentes  níveis é tarefa muito exigente. A Copa tem mexido com o Brasil de modo inusitado,  suscitando a crítica acirrada que vem das ruas e de movimentos sociais. O país do  futebol revelou ao mundo que é preciso repensar as regras do jogo, não mais  circunscritas às partidas e dependentes dos juízes em campo. As regras que regem as arenas políticas. As regras adotadas pela FIFA para programar a Copa. É preciso “jogar” diferente fora do campo de futebol, recusando jogadas violentas ou desonestas,  para marcar os gols tão esperados: a justiça, a paz, a dignidade humana, os direitos à  saúde, à educação, ao transporte, etc. Tal “jogo” necessita não apenas de espectadores,  mas principalmente de jogadores e torcedores pela vida, pela justiça e paz. Esta é  condição para que a alegria dos estádios possa ecoar pelas ruas.  

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"É preciso 'jogar' diferente fora do campo de futebol, recusando jogadas violentas ou desonestas,  para marcar os gols tão esperados: a justiça, a paz, a dignidade humana, os direitos à  saúde, à educação, ao transporte, etc". 

O grito das torcidas nos estádios tem sido precedido pelo grito de setores da  população nas ruas. A escuta, a reflexão e o diálogo atento às urgências do povo  brasileiro devem continuar e se intensificar após a Copa. Seria ingenuidade pensar que a  Copa resolveria os velhos e graves problemas do Brasil; porém, seria grave erro ignorar  as justas reivindicações e perder a ocasião para levar a sério os problemas sociais  colocados em pauta. Conforme afirma o Papa Francisco “as reivindicações sociais, que  tem a ver com a distribuição da riqueza, com a inclusão social dos pobres e com os  direitos humanos, não podem ser sufocadas a pretexto de construir um consenso de  gabinete ou uma paz efêmera para uma minoria feliz”. (Exortação Evangelii Gaudium,  218).   

Entretanto, as contradições da Copa ou a negação de direitos sociais fundamentais não justificam o recurso à violência, dentro ou fora dos estádios. A  Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília tem levado às autoridades, em  particular àquelas incumbidas das ações de segurança pública, as suas preocupações  sobre essa questão, abrindo espaços de diálogo e de reflexão em suas conversas sobre  justiça e paz. A “rua” é espaço legítimo para a reivindicação social, mas sem o recurso à  violência. O exercício da segurança pública deve circunscrever-se aos padrões  democráticos.   

A contribuição da sociedade civil organizada é fundamental para a construção da  justiça e da paz, neste período da Copa e depois dela. A Igreja, através da CNBB, tem  oferecido a sua colaboração através de diretrizes pastorais que podem ser assim  resumidas: “1) acompanhar torcedores e jogadores nas suas demandas por momentos de  espiritualidade e encontro com Deus, bem como ser presença orante durante toda a  Copa; 2) acompanhar as populações vulneráveis, especialmente aquelas em situação de  rua, para que não sejam retiradas dos logradouros públicos durante a Copa e depois devolvidos às ruas, como objetos que atrapalham a realização do evento; 3) participar  dos esforços por conscientização dos que nos visitam, para que não pratiquem o turismo  sexual mas sejam presença que valorize a dignidade humana e a confraternização  universal”.   

 

"As contradições da Copa ou a negação de direitos sociais fundamentais não justificam o recurso à violência, dentro ou fora dos estádios". 

Em sua mensagem sobre a Copa, a CNBB assim se manifestou: “O sucesso da  Copa do Mundo não se medirá pelos valores que injetará na economia local ou pelos  lucros que proporcionará aos seus patrocinadores. Seu êxito estará na garantia de  segurança para todos sem o uso da violência, no respeito ao direito às pacíficas  manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o  tráfico humano e a exploração sexual, sobretudo, de pessoas socialmente vulneráveis e  combatam eficazmente o racismo e a violência”. Este é o legado da Copa que tanto  esperamos!   

É justo alegrar-se com a maioria dos brasileiros, em torno da grande expectativa  que a Copa do Mundo de Futebol desperta. É muito bom acolher fraternalmente e  alegremente aos que nos visitam. Ao mesmo tempo e com especial atenção, é necessário  continuar a construir a justiça social para se obter uma paz verdadeira e duradoura.  Nesta tarefa imensa que ultrapassa o tempo regulamentar dos jogos e da Copa, a fé  cristã e a ética podem desempenhar papel fundamental. Jogar pela paz, jogar pela vida,  é imperativo ético que a todos interpela. As manifestações de religiosidade dos  jogadores durante as partidas, apesar de suas limitações ou ambivalências, nos recordam  que a fé em Deus é fundamental, nos campos de futebol ou nos gramados da vida.     

 

Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília

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