Foto de: reprodução
O trabalho escravo é considerado internacionalmente uma violação grave aos direitos humanos, privando o indivíduo do direito de exercer sua liberdade e obrigando-o a viver em condições sub-humanas.
Há hoje no planeta 29,8 milhões de pessoas escravizadas, de acordo com levantamento publicado em outubro de 2013 pela Walk Free – o Global Slavery Index. Apenas 10 países concentram 76% deste número, a maior parte está na China e na Índia. Mas até onde os dados parecem menos preocupantes, a situação é crítica. O Brasil ocupa a 94ª posição pior entre 162 países, com um número alarmante de 170 mil a 217 mil escravos. O maior número de trabalhadores escravizados são resgatados nas zonas de expansão da fronteira agrícola do país, atingindo, em maior parte, trechos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Nos últimos anos, o Brasil tem avançado em termos de políticas públicas de enfrentamento, buscando implementar e aprimorar ações dentro do 2º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, além de implantação da CPI do Trabalho Escravo e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC do Trabalho Escravo). Todas as medidas têm obtido êxitos pontuais, mas não têm sido capazes de erradicar o problema.
O mais recente escândalo envolvendo a escravidão moderna foi registrado em janeiro de 2014 no estado de São Paulo, o mais rico do país. Uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal flagrou 34 trabalhadores em condições análogas às de escravos em quatro carvoarias na cidade de Piracaia (SP). Os trabalhadores não eram registrados, nem recebiam alimentação ou água potável, e tinham que trabalhar em um ambiente totalmente inseguro. Dois menores estavam entre os resgatados, um de 11 anos e outro de 16 anos.
A CF pede que identifiquemos as práticas de tráfico humano em suas várias formas e que as denunciemos como violação da dignidade e da liberdade humanas (Dom Tarcísio Scaramussa)
O trabalho escravo é um dos quatro eixos que regem o crime de tráfico humano; este é o tema da Campanha da Fraternidade 2014. Após publicar material sobre a exploração sexual, a adoção ilegal de crianças e o tráfico de órgãos humanos, o A12.com entrevistou Dom Tarcísio Scaramussa, bispo auxiliar de São Paulo e secretário-geral regional da Campanha da Fraternidade. Dom Tarcísio participou do lançamento da CF na Assembleia Legislativa do Estado, ocasião em que foi anunciada a criação de uma Delegacia Especializada no Combate ao Tráfico de Pessoas e a instauração de uma CPI que vai investigar trabalhos análogos à escravidão.
A12 - O que tem sido feito para combater o trabalho escravo?
Dom Tarcísio - Podemos afirmar que a CF 2014 está contribuindo para sensibilizar as pessoas a respeito deste grande problema. E isso não é pouco, pois se constata que a maioria não tinha conhecimento e consciência do mesmo. De um modo geral, segundo avaliação recente dos coordenadores da Campanha em nível Regional, a CF está servindo para efetivar todas as propostas do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, nas suas 5 linhas operativas: aperfeiçoamento do marco regulatório para fortalecer o enfrentamento ao tráfico de pessoas; integração e fortalecimento das políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços necessários ao enfrentamento do tráfico de pessoas; capacitação para o enfrentamento ao tráfico de pessoas; produção, gestão e disseminação de informação e conhecimento sobre tráfico de pessoas; campanhas e mobilização.
Foi firmado este ano um termo entre seis entidades do poder público para ampliar os esforços de erradicação do trabalho em condições análogas às de escravos no Estado e de enfrentamento do tráfico de pessoas. O ano de 2014 foi declarado o “ano estadual de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas para fins de exploração laboral”. As entidades que assinaram o protocolo de cooperação foram a Secretaria Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (braço do Ministério do Trabalho e Emprego no Estado), a Advocacia Geral da União da 3ª Região (que atua nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul) e os Ministérios Públicos do Trabalho e Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª e da 2ª regiões (que abrangem todo o Estado).
Cabe ressaltar, além disso, que a CF é uma Campanha extraordinária, e tem todo o seu valor como conscientização e mobilização. Mas a Igreja, tanto no Brasil, como em outras partes, já tem várias iniciativas permanentes contra o tráfico de pessoas, e se preocupa constantemente com o problema, e atua com ações de prevenção, de denúncia e de apoio a pessoas em situação de tráfico ou com traumas devido ao tráfico sofrido. Entre as iniciativas permanentes se destacam: a Cáritas Internacional, com projetos no mundo inteiro, e o trabalho de várias pastorais, como: CPT – Comissão de Pastoral da Terra; Setor Mobilidade Humana; PBE: Pastoral dos Brasileiros no Exterior; SPM: Serviço Pastoral dos Migrantes; PMM: Pastoral da Mulher Marginalizada; A Pastoral do Menor; rede Internacional de vida Consagrada contra o tráfico de pessoas, chamada Thalita Kum; rede Um Grito pela Vida, que no Brasil agrega cerca de 30 núcleos. Todas essas expressões estão presentes neste Regional Sul 1 da CNBB.
A12 - Qual é o perfil mais frequente de ocorrências relacionadas?
Arte de: amazonia.org.br/ reprodução
Mapa do número de trabalhadores escravizados
resgatados no Brasil de 1995 a 2006.
Dom Tarcísio - Pelas notícias positivas de libertação de trabalhadores escravizados podemos perceber um pouco a grandeza do problema: no ano de 2013, São Paulo foi o estado campeão em resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravo, com 538 de um total de 2.192. Os resgates urbanos ultrapassaram os rurais, contando cerca de 53% do total. A construção civil foi a maior responsável, seguido pelo setor de confecções. Foram encontrados no início deste ano, no interior de São Paulo, 34 trabalhadores em situação de trabalho escravo em carvoarias, e até crianças, nos municípios paulistas de Piracaia, Joanópolis e Pedra Bela.
A12 - Casos recentes descobertos e divulgados pela mídia são reflexos desta atuação?
Dom Tarcísio - Um dos casos mais recentes foi o resgate de trabalhadores em situação de semi-escravidão em um navio de luxo no porto de Santos. Isso mostra que o problema está mais generalizado do que poderíamos imaginar!
A12 - Como está sendo a ação da delegacia e da CPI instaladas na Assembleia Legislativa? O senhor tem acompanhado?
Dom Tarcísio - A ALESP tem acolhido sessões de audiência pública da CPI do tráfico de pessoas da Câmara dos Deputados (Federal), que se iniciou em 2011 e que ainda não concluiu seus trabalhos.
No dia 13 de março, durante evento de apresentação da CF 2014 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, foi anunciada a criação de uma Delegacia Especializada no Combate ao Tráfico de Pessoas, e foi informada a criação de uma CPI estadual para investigar trabalhos análogos à escravidão, que aconteceu no dia 08 de março, devendo ter a duração de 120 dias. Até o momento, porém, não temos notícias de trabalhos da Comissão.
A12 - Qual deve ser o compromisso de cada pessoa no combate ao tráfico humano?
Dom Tarcísio - Ninguém pode ficar indiferente. Em sua mensagem para a CF 2014, o papa Francisco disse que não “é possível ficar impassível, sabendo que existem seres humanos tratados como mercadoria! Há necessidade de um profundo exame de consciência: de fato, quantas vezes toleramos que um ser humano seja considerado como um objeto, exposto para vender um produto ou para satisfazer desejos imorais? A pessoa humana não se deveria vender e comprar como uma mercadoria. Quem a usa e explora, mesmo indiretamente, torna-se cúmplice desta prepotência”.
A CF pede que identifiquemos as práticas de tráfico humano em suas várias formas e que as denunciemos como violação da dignidade e da liberdade humana; que nos unamos e apoiemos as pastorais e organizações que trabalham para a erradicação deste mal.
Leia as outras publicações da série 'Modalidades do Tráfico Humano':
- Modalidades do tráfico humano: Comércio de órgãos e tecidos
- Modalidades do tráfico humano: Exploração sexual de mulheres e crianças
- Modalidades do tráfico humano: Adoção ilegal de crianças desaparecidas
Fontes:
:. Agência Brasil
:. Arquidiocese de São Paulo
:. Ministério do Trabalho e Emprego
:. Brasil Escola
:. Carta Capital
Boleto
Carregando ...
Reportar erro!
Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:
Carregando ...
Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.