Opinião

Quem é a Igreja de Cristo? Povo, Corpo, Esposa?

Escrito por Pe. Rodolfo Gasparini Morbiolo

12 MAI 2016 - 08H30 (Atualizada em 21 OUT 2021 - 15H30)

A pergunta acima ressoa há muitos séculos no cristianismo, e principalmente depois de São João XXIII e do Concílio Vaticano II, encontrou eco no magistério católico como caminho de um novo tempo à eclesialidade.

O que significa “ser Igreja”?

Apenas sabendo uma resposta a esta pergunta, se é possível propor a vida em comunidade cristã como alternativa às agregações humanas já existentes no mundo atual. Em que este “povo” – que se afirma “Povo de Deus” – difere de outros povos organizados politicamente, inclusive, em favor do bem comum?

Em paralelo aos questionamentos levantados pelo Concílio, desde 1961 a reflexão de Hans Von Balthasar se fazia ouvir a partir de seus “Ensaios Teológicos”. No segundo volume, dedicado à “Igreja, Esposa do Verbo”, ele principia afirmando: “A Igreja é certamente Povo de Deus, e permanentemente se manifesta como tal, contudo nisto não se distingue da Sinagoga”. Para este teólogo, a distinção está no mistério nupcial, mistério de amor entre o Verbo Encarnado e sua Esposa, a Igreja.

E continua Balthasar:

"A diferença entre a Igreja e a Sinagoga começa em Maria, pois nela a Palavra se fez carne; depois se verifica na Eucaristia, que é carne e sangue de Deus, derramadas para tornar a humanidade uma só realidade com Ele, unificados na substância; e ainda, no Espírito Santo que o Filho do Homem ressuscitado infunde nesta imagem de barro, que nos perfaz”.

Contemplando este sentido místico e profundo enunciado por Balthasar, no qual se evidencia a grandeza e a pequenez da comunidade cristã – imerecidamente amada e agraciada – notamos, que o caminho interpretativo escolhido pelo Vaticano II não privilegiou esta Imagem Esponsal, rica de significado desde a Escritura e a Patrística. Escolheu, antes, ancorar seu itinerário teológico nas imagens de Povo de Deus e Corpo de Cristo, excelentes para falar da agregação dos fiéis e da comunhão hierárquica, mas bastante ineficazes para resplandecer o sentido mistagógico da fé, uma das prioridades daquela reunião universal de pastores de fiéis.

Afirma, com relação a isto, a professora Bárbara Pataro Bucker, com doutorado no feminino da Igreja, que o modelo esponsal carrega o potencial de corrigir tanto os limites do modelo de Povo como do modelo de Corpo, pois “diante do aspecto da unidade, que só é perfeito na Escatologia, temos a vantagem de uma unidade construída na história, pois a morte e a ressurreição de Jesus aconteceram no aqui e agora da história, e o Espírito Santo informa a Igreja na plenitude da obra salvífica de Cristo. 

“Diante de uma unidade provocada pela lei, temos uma unidade garantida pelo amor”, pois o Espírito Santo pode fazer de cada fiel sacramento do Amor de Cristo no mundo; “diante da unidade reduzida à uniformidade, podemos encontrar uma unidade na diversidade, que parece ser o grande desafio à misericórdia na vida da Igreja atual.

A imagem esponsal, por sua vez, não é perfeita. Na verdade, justamente porque se apresenta como analogia matrimonial, tem seus limites. É romântica e contemplativa. E está hoje na contramão da modernidade, que mal vê o vínculo matrimonial como uma necessidade para a perfeita integração entre o homem e a mulher, em favor da manutenção da vida humana.

Neste sentido, verifica-se o necessário diálogo de imagens para contemplar, pensar e falar da Igreja de Cristo hoje, sem as quais correríamos o risco de encobrir, ou pior negligenciar, algum aspecto do mistério eclesial, indispensável para o crescimento, amadurecimento e testemunho da fé. Antes de emudecer as outras imagens, ao que consta, eleitas como linhas mestras da interpretação conciliar e pós-conciliar, a esponsalidade pode ser refletida dentro da imagem de Povo de Deus, como dentro da imagem de Corpo de Cristo, sem risco de corrupção de significado, uma vez que nenhuma imagem isoladamente mostra-se suficiente para esgotar o mistério da eclesialidade em relação a Jesus Cristo. Antes, a esponsalidade corrige e completa as imagens citadas acima.

Assim, a Igreja que nasce da comunhão, como Povo de Deus, precisa se concretizar pelo testemunho de comunhão dos fiéis, pois ela sendo esposa – recordando a imagem da mulher original tirada do marido original (cf. Gn 2,18-24) – é corpo do Corpo de Cristo, isto é, é feita do seu Corpo, na multiplicidade dos seus membros. Deste modo, faz-se indispensável, que a solidariedade comum estabeleça, ou ainda concretize, a comunhão fundante e originante.

E aqui parece que temos uma resposta melhor ao questionamento inicial: quem é a Igreja de Cristo?

Na linha do Vaticano II, afirmamos: a Igreja é Mistério auscultado na fé e aprofundado na teologia através de imagens comparativas que fazem refletir o colorido da glória de Deus, à Igreja comunicada pelo Espírito Santo.

Para além das discussões teológicas a respeito da maior pertinência desta ou daquela imagem eclesial, vale recordar que a comunhão só é possível enquanto cada um, na sua pobreza e na grandeza de Cristo, é capaz de fazer da sua própria vida o caminho através do qual o amor divino se expande e se comunica, e disto a esponsalidade parece ter a capacidade de ser modelo e imagem.


Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo*
Padre da Arquidiocese de Sorocaba
Diretor do Instituto de Teologia João Paulo II
rodolfo.morbiolo@gmail.com

*Padre Rodolfo é autor do livro 'A Igreja Esposa na Eclesiologia do Vaticano II',que discute o tema da ‪Esponsalidade da ‪‎Igreja em relação a Cristo, resultado de sua pesquisa de ‪mestrado na PUC-SP, publicado pela editora Prismas de Curitiba. 

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