Por Carolina Alves Em Notícias Atualizada em 16 ABR 2018 - 10H05

Crianças assumem responsabilidades de adultos

Inglês, balé, futebol, natação, dança... Tudo isso conciliado às obrigações do colégio. Essa é a rotina de crianças pertencentes a nova geração. O resultado é uma agenda similar a de um adulto, bem como todos os desdobramentos que implicam essa etapa. Contudo, o limite que separa o benéfico do prejudicial nessa acirrada busca pela prosperidade profissional e pessoal desde cedo é o que divide opiniões profissionais e leigas. Os argumentos vão desde a interferência ou adiantamento de uma fase que embasa a formação do indivíduo até o incentivo à responsabilidade.

Segundo a pedagoga e psicopedagoga Maria Fernanda Batista Coelho da Fonseca, a aquisição de tarefas é um passo fundamental no processo de formação infantil. Entretanto, há ressalvas. “Temos de cuidar se essas responsabilidades são adequadas à maturidade e compreensão das crianças”, alerta.

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A educadora infantil Anabela Marisa de Sousa Monteiro, no artigo A criança e a responsabilidade elenca pequenas atividades cotidianas como forma de preparar a noção de compromisso. Dentre elas estão a retirada de utensílios domésticos da mesa após as refeições, o cuidado com os animais de estimação, a separação de lixo e a reciclagem, bem como as roupas sujas. “Atividades de limpeza e organização também podem tornar-se ‘responsabilidade’ se seu filho aprender a fazê-las de modo que comece a entender que ele também é responsável por ajudar a manter a casa”, explica.

Leia MaisPor que muitas crianças não sabem mais rezar?A Pastoral da Criança, organismo de ação social da CNBB, cita os afazeres domésticos e extracurriculares como auxiliares da estruturação física, emocional e intelectual do pequeno. Isso faz com que as atividades diárias sejam mais produtivas, reduzindo a ansiedade e conferindo independência e autoconfiança. Além disso, a consciência de administrar o tempo, a disciplina e a socialização também são fatores benéficos somados aos aprendizados próprios de cada atividade, como a persistência nos esportes.

Contudo, quanto mais atividades, maior é a responsabilidade. Sendo assim, é preciso cautela para não gerar uma sobrecarga, tendo como único resultado uma criança com problemas de adulto. O estresse, a ansiedade, a depressão e a baixa autoestima são alguns pontos negativos citados pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Ainda, a falta de atenção, o baixo rendimento nos afazeres, a impulsividade, a agressividade, a impaciência e a sensação de descontentamento são mais alguns itens enfatizados pelo neuropediatra, Dr. Saul Cypel.

Descansar é preciso

Crianças ainda precisam ser crianças. Sendo assim, a psicopedagoga Maria Fernanda Fonseca ressalta a importância de uma “tomada de fôlego” para dar continuidade ao ciclo de compromissos. “Lazer, pausa de tarefas diárias são fundamentais para o descanso mental e físico levando a um maior equilíbrio emocional da criança. O dia a dia da criança atualmente é muito tenso e carregado de tarefas programadas, sair da rotina remete a um relaxamento necessário para continuidade das demandas.”

Sucesso garantido?

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A agenda repleta dessa geração também se deve à preocupação dos pais ou responsáveis em proporcionar um futuro próspero à criança. A cobrança, fruto da competitividade exigida pela cultura atual, requer perfeição e imediatismo. Desse modo, os próprios responsáveis se sentem pressionados a criar o filho por meio de um plano de metas e estratégias, explica o jornalista e escritor britânico, Carl Honoré, no livro Sob pressão: criança nenhuma merece superpais (Editora Record). 

Com isso, essa cobrança se reflete com mais intensidade na criança, que recebe uma carga ainda maior sobre os ombros. Para a especialista Maria Fernanda, a quantidade de atividades não dá a certeza de um adulto bem-sucedido. A questão principal é a qualidade na execução das tarefas.

De ontem para hoje

A diferença dessa geração em comparação às anteriores também interfere na organização da rotina. A pedagoga Maria Fernanda analisa o presente modelo de sociedade com funções familiares desestabilizadas e individualistas. “Tínhamos um modelo diferente de hoje no qual os papéis familiares eram mais estruturados, os relacionamentos mais toleráveis e as regras ainda respeitadas por todos. No modelo atual de sociedade, família, escola, amigos, em que prevalece a regra financeira, material e distante do amor ao próximo, vale tudo e salve-se quem puder. Com certeza, crianças e adolescentes que estão em desenvolvimento nesse modelo serão de alguma forma afetados para o bem ou para o mal”, reflete.

Pais, mães e responsáveis: se liguem aí!

Para a organização e o gerenciamento da agenda infantil é necessário considerar a idade, o talento e a disposição da criança. Há responsáveis que, para amenizar as próprias frustrações e concretizar sonhos, impelem o filho a praticar determinados afazeres.

Somado a isso, devem ser observados o retorno que a realização das atividades pode proporcionar ao desenvolvimento e os pormenores, como horários. Caso a criança tenha complicações para acordar cedo, os compromissos devem iniciar a partir do período final da manhã, aconselha a psicóloga Flávia Leão Fernandes, no artigo Criança com agenda de adulto.

Aproveitar a experiência de vida para aconselhar e permitir que a criança expresse a característica de experimentar “tudo um pouco” são outras formas de ajudar na composição da agenda.

De acordo com Maria Fernanda, apesar de a sociedade atual demandar pressa, é essencial manter a leveza. “Os pais precisam administrar a agenda de acordo com as condições da criança, estabelecendo prioridades ao longo das idades, de maneira organizada, sem estresse e prazerosa. Cabe ressaltar que vivemos uma certa ansiedade quanto ao futuro, bebês precisam nadar, crianças precisam fazer inglês, praticar esporte é importante para a saúde, permanecer período integral na escola significa aprender mais. Assim, os pais acreditam que seus filhos estarão mais preparados para ingressar na sociedade do trabalho e esquecem que crianças antes de qualquer coisa precisam brincar para se desenvolver e ser feliz. Não podemos antecipar nada na vida das crianças isso pode gerar problemas emocionais”, salienta.

 

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