Por Wallison Rodrigues Em Música

O Canto Pascal: Anúncio de libertação (Fascículo 02)

Celebrar a Páscoa, proclamar a libertação: um viés sócio-político? [1]

 

Oração do musico

Mas, afinal, e sobre política? Pode-se dizer a mesma coisa? Qual é o sentido da palavra ‘política’? Que realidade ela abrange? O que este tema tem haver com a Sagrada Liturgia? Com certeza, são especulações que inquietam e instigam, pois são muito pertinentes. Nota-se que o cenário político está latejando em todas as esferas sociais. Mas, o que ela está clamando? E o que nós cristãos podemos fazer?

Ao certo, nossa vida é uma liturgia – urgia: ação. O cristão neste seu “tempo de silêncio” não pode ter medo. Pois, está imbuído de um silêncio profético que anuncia e denuncia, que clama por libertação, direito e justiça. Ninguém ainda sabe como responder a todas as inquietações que diariamente estão surgindo nos corações humanos. Mas, se a Páscoa é irreversível ao cristão, tudo já pode ser visto com luzes de esperança que antecipam o sabor da plena liberdade escatológica dos filhos de Deus.

Política diz respeito ao bem-estar social de uma realidade concreta, a polis. É algo de responsabilidade de todos. Isto é, política é um exercício/controle de poder que visa o bem-estar e o progresso. São realidades de poder, serviço e autoridade que possuem ligação estreita com o culto, lembrando o senhorio de Cristo que é cósmico, exercendo sobre cada realidade mundana principado e poder (cf. Power/Schmidt – Concilium 1974/2).

O mundo de Cristo expresso na Sagrada Escritura, vai além da ideia de cosmos para os gregos ou de uma civilização romana – república, império. A grande cidade nem é Jerusalém, mas é o Reino de Deus. Um Reino celeste que desceu para a terra, no qual em Jesus Cristo se juntam pedras vivas para completar a Cidade Eterna no último dia (Herman Schmidt).

Os anos vão se passando e o homem vai edificando grandes cidades na terra, centros urbanos autônomos que proporcionam um tipo de felicidade instantânea à humanidade. Atualmente, estamos no século em que as utopias dos antepassados se tornam realidades concretas. Faz-me lembrar do Super-Homem descrito por Nietzsche (Assim falou Zaratustra), onde se apresenta um homem modelo que destrói criticamente o seu passado a fim de alcançar um tipo de liberdade, de desenvolvimento pessoal.

Por vezes, o homem peca no uso deste poder político, desta capacidade de dirigir e organizar, de legislar, fazendo do sistema político uma realidade em si mesma. Sendo que, na verdade, política deveria ser um padrão humano de comportamento, onde que no homem se encontrassem as normas éticas. Quando tudo foge desta ideia a política se constrói como alheia ao homem, impondo-se como um falso deus ou até um demônio que se apodera de um partido, “é uma ditadura desumana entre homens” (H. Schmidt).

A política deve ser um agir humano e entre humanos, promovendo um espaço concreto de valores e ideias, nada de fantasias, utopias e ideologias futuristas. Ela não é anarquia e nem ditadura, mas um espaço que gera equilíbrio àqueles que clamam por libertação, justiça e paz. Contudo, aos cristãos, o Reino dos Céus, politicamente falando, é uma realidade superior. Pois é entendido como uma única família em torno da Trindade. E assim, a política terrena é parte da política divina, como se reza nas doxologia: “Ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo”.

 

A política deve ser um agir humano e entre humanos, promovendo um espaço concreto de valores e ideias, nada de fantasias, utopias e ideologias futuristas.

Sendo assim, aos cristãos a política é uma realidade escatológica. Pois, segundo Herman Schmidt, o nosso poder se torna um poder dentro da onipotência do Pai; o nosso dominar torna-se um servir sob o domínio do Senhor, servo de Deus; e a nossa luta de classes torna-se amorosa fraternidade no Espírito, que tudo une. Por isso, é somente na liturgia que essas íntimas aspirações humanas se tornam realidades e o homem se entende como mistério no Mistério de Deus.

Como na política não se trata de sistemas, mas do homem, assim acontece em nossas celebrações litúrgicas. Liturgia é ação – urgia, – serviço para o povo e do povo. A nossa missão hoje é entender que onde a cidade é cristã as portas que ligam o céu à terra estão abertas, a liturgia desce de Deus para a cidade/o povo. Mas, onde a cidade não é cristã, a liturgia deve começar por abrir as portas para que Deus possa entrar e fazer morada.

Atualmente, o homem está mergulhado na agitação das cidades, a vida cristã é fortemente violentada, entre outros. Por isso, antes de qualquer coisa, é preciso que nossa ação litúrgica torne o homem aberto à Deus, deixando que Deus faça sua morada entre nós - os homens. Para que constitua no mundo uma Comunidade do Evangelho, erigida de homens que escutam e meditam a Palavra, a fim de praticar atos de salvação; a fim de que existam normas concretas de comportamento a partir da fé; sobretudo, que dê aos homens a coragem de confrontar a vida pessoal e comunitária com a Vida Divina.

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Contudo, essa militância da vida deve ter como ponto central a Cruz de Cristo. Não é dar à cruz um caráter político, essa não é a fé cristã. Mas, é compreender que “a visão escatológica da ressurreição jamais perde de vista a realidade da vida terrena” (H. Schmidt). A cruz está ligada ao fim último do homem e dela não se pode abusar para atingir fins políticos mundanos. O caminho da ressurreição é um caminho da cruz, e ambos os caminhos não pairam por cima da realidade do mundo.

Conforme rezamos na Profissão de Fé, a cruz foi uma sentença de Pilatos, logo é um acontecimento político. Mas, aos cristãos a vida não termina na cruz, ao contrário, neste doce lenho a vida se inicia (cf. Hino Semana Santa/LH). No evento pascal o homem ganha a libertação radical sobre toda e qualquer escravidão. Por isso, é pela cruz que a política, do poder e do domínio, se transforma em uma diaconia política.

O sinal da Cruz une todas as dimensões da fé cristã. Neste sinal se encontra tempo e eternidade, terra e céu, Salvação e bem-estar, cidade de Deus e cidade dos homens. Faz da vida política, ocupada do bem-estar terreno, um caminho marcado pela força da esperança (cf. Rom 8,24-25). “A cruz da fé e a fé na cruz são o sinal duma legítima liturgia política” (H. Schmidt).

A liturgia política convida à conversão – metanóia – não permitindo que as promessas de um “novo céu e nova terra”, onde habita a justiça, perca seu entusiasmo (cf. Apc 21,1-7). Isto é, uma liturgia otimista frente às preocupações políticas. Pois, se a Páscoa é irreversível, a fé, a esperança e a caridade estão voltadas para o Eterno, o Último, a Consumação final.

O canto pascal canta a possibilidade de começar aqui na terra o Reino dos Céus – a Cidade Celeste. Por isso, já canta e louva a libertação como uma ação de graças a Deus que age na história. A liturgia vê o mundo no seu âmago, admira e compreende a bondade de Deus (cf. Gn 2) na alegria de que melhores oportunidades de prosperar e realizar a paz e a justiça brotarão qual riacho que não seca (cf. Am 5,24).

Um Abração cheio de esperanças,

Wallison Rodrigues

 

[1] Tomo a liberdade de usar algumas ideias e citar diretamente o teólogo Herman Schmidt, SJ (Roma/Itália), que já em 1974 apresenta pertinente reflexão sobre algumas normas sociais de comportamento na liturgia. Depois, indiretamente, apresento contribuições de Jürgen Moltmann e Joseph Gelineau, que também em alguns escritos se debruçaram sobre a temática ‘Política e Liturgia’.

 

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