Por Pe. César Moreira, C.Ss.R. Em Igreja Atualizada em 03 ABR 2019 - 09H57

Entrevista: Especialista fala sobre sobre as vantagens e desvantagens da reeleição no Brasil

Tenho minhas dúvidas se o eleitor sabe opinar sobre a Reeleição, norma acrescentada à legislação eleitoral brasileira em 1997 para os cargos executivos, ou seja, presidente da República, governador de Estado e prefeito municipal.

O primeiro presidente a ser reeleito foi FHC que governou de 1995 a 2002. Depois Lula também foi reeleito: governou de 2003 a 2010. Oito anos completos cada um deles. Agora a presidente Dilma que governa de 2011 a 2014, os quatro primeiros anos, também quer ser reeleita.

Vale notar que para os cargos legislativos: senador, deputado federal, deputado estadual e vereador não existe restrição. Alguém pode ser reeleitos por 20, 30 anos ou quanto quiser e conseguir.

Buscando entender o assunto, entrevistamos o professor Mário José Dias, Coordenador do Curso de Filosofia da UNISAL, em Lorena (SP).

Eleições

1. Padre César Moreira: Reeleição é tradição entre as nações ou é rara? Por que motivo é implantada?

Professor Mário José Dias - A reeleição sempre é um tema polêmico entre nós, principalmente dentro de uma matriz democrática. Acreditamos na prática livre do voto e no direito e acesso a todas as formas de participação. A reeleição não é “rara” e nem exclusiva no Brasil, por isso precisamos entendê-la como uma prática e um exercício próprio do poder.

 A questão sobre os interesses que envolvem a dinâmica do poder é mais interessante do que a própria reeleição em si mesmo. Há uma lógica do poder enquanto fluxo constante do jogo entre os que mandam e aqueles que obedecem.

A reeleição interessa para manter esta lógica, quando não se quer mexer ou questionar a regra deste jogo, por isso ela é implantada e mantida. Ao cidadão cabe, por sua vez, quebrar ou manter esta lógica, para isso é preciso uma educação política comprometida com a realidade social.

 2. Padre César Moreira: Quais as vantagens e desvantagens da reeleição para o Brasil?

Professor Mário José Dias - Seguindo pelo caminho do jogo não se trata de vantagens e nem de desvantagens, mas das peças em que estamos mexendo e das regras que queremos pensar em mudar ou não. Explicando melhor: ao pensar as coisas públicas, podemos deduzir sempre que o bem público deve sempre vir em primeiro lugar.

No Brasil temos uma prática muito comum de interromper projetos públicos que estão dando certo simplesmente porque “não pertencem ao meu governo”.

Isso é muito ruim para a população, principalmente para os mais necessitados. A questão que levanto é que o problema é estrutural e cultural. Não temos mais tempo para pensar a pobreza, precisamos efetivamente de planos de ação que cheguem a se concretizar e que a população mais pobre encontre vida digna, Educação de qualidade não é intenção política; é ação efetivada com boa escola, profissionais qualificados, respeitados e remunerados.

 

As vantagens e desvantagens de uma reeleição passam a ser questão secundária se houver uma educação política comprometida.

Saúde não é projeto para daqui a 4 anos, mas para agora, com atendimento de qualidade. As vantagens e desvantagens de uma reeleição passam a ser uma questão secundária se houver uma educação política comprometida com a causa pública e não com o bem privado e corporativo.

 

3. Padre César Moreira: A experiência feita no Brasil nos últimos 16 anos (duas reeleições) é positiva? deve ser mantida?

Professor Mário José Dias - O meu argumento é sempre favorável a um projeto mais amplo por uma educação política capaz de permitir ao cidadão a livre escolha.

Por isso não acredito que os atuais mecanismos de que dispomos favoreçam tais discernimentos de escolhas e por isso, as reeleições, não só em nível nacional quanto local, têm ocorrido de formas ininterruptas. Veja, por exemplo, em nossos municípios há quanto tempo nossos vereadores e prefeitos são os mesmos? Quantos projetos foram executados que de fato trouxeram grandes benefícios à população? Reforço à ideia de que sem uma educação política, um debate e diálogo consistentes sobre política, sem uma participação efetiva nos movimentos sociais do meu bairro, nas associações, conselhos municipais...: continuaremos a pensar sempre que o problema estará na reeleição em nível nacional.

Quanto a questão se a reeleição deve ser mantida, prefiro acreditar nos escritos sobre política da Grécia antiga em que o conselho era para quem se sentisse chamado a servir a tarefa de governar que o fizesse uma única vez e depois de cumprida a sua “missão de serviço” voltasse a vida de cidadão comum.

 

4. Padre César Moreira: Como o eleitor tem considerado a reeleição? Ele consegue analisar vantagens e desvantagens de manter o governante no Poder?

Professor Mário José Dias - Acredito que vivemos no Brasil um problema histórico que vem de longa geração: o pouco interesse pela política. Boa parte do eleitor ainda está carente de necessidades básicas e por isso “troca” o seu voto por acreditar que há esperança de que a “vida vai melhorar”. É bom salientar que não há culpa neste argumento, mas falta de discernimento e de formação política.

Enquanto formos movidos pela necessidade não há liberdade de voto e, por isso, as inúmeras reeleições sempre são argumentos de sustentação de quem está no poder. Mudar é sempre um risco que muitas vezes não queremos correr.

Vejo por outro lado, com otimismo, algumas tendências de mudança acontecendo em alguns ambientes juvenis que tentam vencer a indiferença ao organizarem movimentos voluntários de solidariedade, debates e ajuda humanitária sem fins lucrativos somente preocupados com o ser humano. Este talvez seja o caminho interessante para começar a repensar o jogo do poder. O eleitor estará cada vez mais preparado para pensar e repensar para além da reeleição se for capaz de viver, lutar pela dignidade da vida.

 

5. Padre César Moreira: Participar de campanha eleitoral, estando no comando do país ou do estado ou da cidade, não é uma vantagem considerável? Tem sido possível evitar abusos contra a lei?

Professor Mário José Dias - Um dos grandes problemas do Brasil e de qualquer governo é sem dúvida a burocracia da corrupção. Afirmo burocracia, pois a corrupção ética passa pela legalidade do “governo do papel”. Quando tudo está dentro da lei é como se o correto estivesse na pauta do dia. Não há o que questionar. Esta conformidade é, de fato, o que mais deveria nos incomodar.

A reforma política no Brasil é uma intenção histórica que não saí do papel, pois seria complicado e complexo. Aos políticos históricos (aqueles que não querem deixar o poder) não interessa mexer nesta “ordem natural” do poder, pois significaria reorganizar a estrutura de participação política. Não há nenhum interesse em pensar com seriedade uma profunda reforma na forma e na estrutura do próprio poder.

 

Eleições

Uma campanha eleitoral deveria ter regras mais claras e com condições de disputas em que o eleitor fosse mais esclarecido sobre os interesses voltados às coisas públicas.

O custo de uma campanha eleitoral é muito alto e acaba não revelando o que de fato o candidato pensa para um Brasil mais justo. Muitas vezes se usa o palanque para resolver questões pessoais e/ou partidárias mal resolvidas e o eleitor precisa tentar, como em uma loteria, acertar o número da sorte.

Os que estão com a “máquina administrativa nas mãos” têm como usá-la a seu favor, embora já tenhamos avançado em colocar alguns limites legais. A questão que me parece mais séria é continuar confundindo o público com o privado. Usar do privilégio das coisas públicas e utilizá-lo em benefício próprio e tudo em conformidade com a lei.

Estes abusos acabam não sendo considerados contra a lei, mas amparados por ela. Não podemos, é claro, deixar de acreditar que houve avanços no sentido de cuidar para que não haja abusos no uso exagerado do poder econômico ou das influências privilegiadas pela função política que alguns candidatos exercem, porém ainda é preciso cuidar melhor para que não sejamos pegos pela “burocracia da legalidade”.

6. Padre César: Reeleição ilimitada para os cargos legislativos é boa escolha? Deveria haver limites?

Professor Mário José Dias - Reafirmo minha convicção de que é preciso pensar na democracia como um espaço livre para o debate entre os iguais em condições de igualdade. Para isso é necessário que todos os cidadãos estejam aptos para o debate e educados politicamente para poderem “jogar o mesmo jogo”.

É preciso, para isso, conhecer todas as regras. Acabar com a falsa lógica de que para cada dever cumprido, um direito conquistado. Cidadão completo é aquele que convive com direitos e deveres simultaneamente e não como “recompensa e perda”. No campo da política isso é sério. Cargo eletivo para a política não deve ser entendido como uma profissão política, mas como um serviço prestado em função das “coisas públicas”. Os gregos entendiam que esta é uma tarefa nobre e por isso mesmo de dedicação e seriedade. Um político não pode transformar sua vida em uma carreira pública e esquecer “das coisas públicas”.

É preciso entender que todo trabalhador tem uma profissão e trabalha no mínimo oito horas por dia durante 7 dias na semana por anos em sua vida. Fez uma escolha profissional de vida.

Um político que concorre a um mandato público por 4 anos (8, no caso de senador), trabalha quanto tempo pelas “coisas públicas”? A quem presta conta? Como nós, eleitores nos posicionamos diante disto? Se ele durante anos é reeleito, torna este serviço uma profissão? Será que, de fato, ele é um prestador de serviço preocupado com a eficiência do serviço prestado?

Estas e outras questões talvez motivassem os gregos a pensar que aqueles atraídos a participar da vida pública o fizessem uma única vez e depois voltassem a ser cidadãos comuns, para não perderem de vista a condição da vida entre os iguais.

Colunista - Padre César Moreira

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