Por Redação A12 Em Igreja

Missionário italiano defende comunidades afetadas pela mineração no Brasil

Padre Dário Bossi - foto: Fabíola Ortiz (O Eco)

Padre Dário Bossi - foto: Fabíola Ortiz (O Eco)

“Sou um missionário comboniano, da Itália. Minha terra ensinou-me a amar a montanha e a comunidade. Fez crescer em mim a sede de Deus e do povo. Por isso saí, chegando a beber do poço das periferias de São Paulo por quatro anos, e atualmente em Açailândia/MA, para que tudo tenha vida!” Assim, o padre Dário Bossi, de 42 anos se apresenta em seu blog dariocombo.blogspot.com.br.

Missionário italiano em terras brasileiras, chegou ao Maranhão em 2007 e se engajou na defesa de comunidades afetadas pela extração mineral. Membro da rede Justiça nos Trilhos, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, ele fala, em entrevista ao Jornal Pastoral (Arquidiocese de Mariana), sobre o novo marco regulatório da Mineração e sobre as dificuldades enfrentadas pelas comunidades atingidas por empresas mineradoras. 

PASTORAL: Como está a discussão sobre o novo Marco Regulatório da Mineração e quais os efeitos diretos nas comunidades que convivem com a atividade?

PADRE DÁRIO: O antigo Marco Legal da Mineração no Brasil foi promulgado ainda em 1967, no começo da ditadura militar. A mineração cresceu muito no País, especialmente na última década (em 2000 a participação da mineração no PIB era de 1,6%, em 2011 passou a 4,1%).

O Plano Nacional de Mineração 2030 prevê aumentar ainda mais a extração de minério de nosso subsolo e necessita, portanto, de um conjunto de leis que favoreça esses investimentos.

 Isso significa um aumento desproporcional da agressão ao meio ambiente (visa-se facilitar a mineração, por exemplo, em Unidades de Conservação, em Territórios Indígenas ou Quilombolas, em áreas até agora protegidas por serem mananciais de água para o abastecimento urbano, etc).

O direito das comunidades disporem de seus próprios territórios reduz-se cada vez mais. Reafirma-se com força crescente a noção de “superficiários”: uma comunidade tem direitos com relação ao solo que habita só se não houver interesses de outros para com o subsolo debaixo dela. Aumentam os casos de remoções forçadas (seja por causa das minas, ou da infraestrutura necessária para o escoamento do minério, como ferrovias ou minerodutos).

As mineradoras vêm sendo beneficiadas pela progressiva flexibilização da legislação ambiental e se reduz o poder fiscalizador das instituições e dos órgãos ambientais em nível federal e estadual e cada vez mais, essas tornam-se agências de emissão de licenças de pesquisa e lavra.

Até o Ministério Público parece estar adotando com frequência crescente o papel de mediador de conflitos entre grandes empreendimentos e comunidades, visando mais a composição de interesses que a defesa dos direitos dos atingidos.

Uma rede de numerosas entidades e movimentos sociais criou, há mais de um ano, o Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração. Trata-se de um ator importante, que se afirmou progressivamente na cena política, muitas vezes em aberto conflito com a Comissão Especial do Novo Código de Mineração.

 

As mineradoras vêm sendo beneficiadas pela progressiva flexibilização da legislação ambiental e se reduz o poder fiscalizador das instituições e dos órgãos ambientais em nível federal e estadual (...).

Não se sabe quando o novo código será votado; vários imaginam que uma votação possa ser proposta ainda antes do final do ano. As entidades da sociedade civil organizada estão muito preocupadas com isso, pois o novo código é ainda pior do que o anterior, em termos de descuido com relação aos impactos socioambientais e falta de proteção aos direitos trabalhistas.

A proposta da sociedade civil e das centrais sindicais é criar uma Conferência Nacional da Mineração, que debata amplamente e inclua efetivamente no novo Marco Legal as propostas e reivindicações dos diversos segmentos da sociedade. 

PASTORAL: O senhor atua há anos na área. Podemos falar em evolução nas relações entre empresas e comunidades atingidas?

PADRE DÁRIO: A relação entre empresas e comunidades atingidas andou ‘refinando-se’, poderíamos dizer. Na medida em que cresce a crítica à mineração e as empresas percebem estar precisando do apoio das comunidades e de uma ‘licença social’ delas para operarem através de seus territórios, cresce a chamada “Responsabilidade Social Corporativa”. Trata-se de investimentos realizados nos territórios a fim de mostrar que há um interesse das mineradoras para além da busca dos lucros.

Na avaliação da maior parte das comunidades, porém, esses investimentos são uma ‘maquiagem’ pouco eficaz, porque descontínua, planejada de cima para baixo, aliada sobretudo aos poderes públicos com pouca participação e controle social e desvinculada dos danos e violações que as empresas provocam por suas operações.

Por outro lado, em contradição com esse aparente movimento de aproximação às comunidades, continua e em alguns contextos aumenta a criminalização das lideranças e dos movimentos críticos à mineração. 

PASTORAL: Há diferenças gritantes na relação de uma mesma empresa com diferentes estados da federação? Em Minas Gerais, como o senhor vê o problema?

PADRE DÁRIO: Em vários casos, existem fortes diferenças com relação à atuação de uma mesma empresa em diversos países do mundo.

Não vejo, porém, diferenças de atuação entre os diversos estados. Chama-me atenção a sensibilidade dos movimentos socioambientais mineiros em defesa do direito à água: pela conformação geológica do território de Minas Gerais, a mineração é uma grande ameaça aos grandes reservatórios subterrâneos de água, patrimônio cada vez mais precioso.

Por isso, seria importante mudar o nome do “Quadrilátero Ferrífero” em “Quadrilátero Aquífero”, evitar no estado a abertura de novas minas e a expansão das existentes e começar a pensar em transições econômicas do modelo minerador para um modelo pós-extrativista, que garanta trabalho e bem-estar a todos sem contaminar os últimos bens comuns remanescentes nos territórios. 

PASTORAL: Como as comunidades devem agir e se organizar para reduzirem os danos causados pela atividade mineradora?

PADRE DÁRIO: É impossível responder brevemente a essa pergunta. As lideranças comunitárias e os movimentos sociais aprenderam muitas estratégias no enfrentamento das violações provocadas pelas empresas mineradoras, das quais em vários casos o estado é aliado e protetor.

Um conceito base é a articulação de rede entre as vítimas da injustiça socioambiental (através de intercâmbios, alianças estratégicas, análise dos impactos para além da dimensão local, no esforço de compreender o sistema maior que os provoca). É a tentativa, por exemplo, da rede Justiça nos Trilhos, que busca integrar as comunidades vítimas do ciclo de mineração e siderurgia ao longo dos 900 quilômetros do Corredor de Carajás, nos estados de Pará e Maranhão.

 

(...) calcula-se que todas as jazidas de chumbo conhecidas na face da terra exaurir-se-ão no breve tempo de 17 anos, as de zinco em 20 anos, de cobre em 22 anos e de ferro em 65 anos.

Outra aliança importante, em construção permanente, é entre comunidades locais, pastorais e movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos, sindicatos, grupos de pesquisa acadêmicos. No norte do Brasil isso aconteceu de forma surpreendente na organização do Seminário “Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental”.

Essas alianças fortalecem as comunidades nas diversas possibilidades de enfrentamento dos impactos da mineração: resistência e oposição lá onde ainda os empreendimentos não se instalaram; defesa dos direitos trabalhistas e socioambientais onde já há empreendimentos instalados.

Nesse segundo caso, cabe às comunidades exigir compensações dignas pelos danos sofridos, exigir controle quanto a ritmos e taxas de exploração, afirmar o dever de toda mineradora dispor de um plano de fechamento de mina desde o começo das operações e a necessidade do estado garantir diversificação econômica e um plano de transições pós- extrativistas, já que na mineração, à diferença da agricultura, “não se tem segunda safra”. 

PASTORAL: O senhor crê que seja possível haver “desenvolvimento sustentável” na área de mineração?

PADRE DÁRIO: A mineração, por definição, não é sustentável, já que explora recursos finitos. Espantaram-me as previsões do Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP, 2011): conforme uma taxa de crescimento média anual da exploração de minério, calcula-se que todas as jazidas de chumbo conhecidas na face da terra exaurir-se-ão no breve tempo de 17 anos, as de zinco em 20 anos, de cobre em 22 anos e de ferro em 65 anos.

 As empresas e os estados interessados na mineração não desenvolvem programas de desenvolvimento alternativo; o Plano Nacional de Mineração prioriza a intensificação de ritmos e taxas de exploração, para responder à voracidade do mercado internacional. Repete-se em chave atual a ‘formula mágica’ do extrativismo colonial: aproveitar ao máximo dos recursos e beneficiar-se imediatamente da parcela de lucro que o saque dos bens comuns garante. As gerações seguintes lidarão com as consequências.

Demonstra-se na maior parte dos casos, porém, que até as atuais gerações que vivem em territórios de exploração mineral não se beneficiam desse modelo de desenvolvimento, mas frequentemente são vítimas dele. Por exemplo, Marabá e Parauapebas, cidades paraenses próximas à mina de Carajás, estão no ranking das mais violentas do Brasil. Itabira, em MG, é uma das cidades com o número mais alto de suicídios tentados ou praticados. Uma pesquisa de doutorado (Ronaldo Gomes Alvim – UEMG) relaciona isso à perda de autoestima fomentada pela crise socioambiental local. Esses perigos são comuns nos territórios onde domina uma só forma de geração de renda e trabalho (denominada “economia de enclave”).

Os princípios do pós-extrativismo, que cada vez mais vêm sendo debatidos no cenário latino-americano, pretendem criar mecanismos de transição da atual mineração ‘predadora’ à exploração ‘sensata’ e, finalmente, ‘indispensável’.

Para isso, é necessário modificar a base produtiva, os preços, os impostos e os subsídios públicos, bem como redesenhar com sabedoria uma política econômica regional, independente da influência do grande capital multinacional. 

PASTORAL: E quanto aos trabalhadores da área, houve avanços na legislação?

PADRE DÁRIO: Um dos problemas mais comuns, nos diversos estados do Brasil, é a precariedade das condições de saúde e segurança para o trabalhador na mineração.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria publicou em 2013 um estudo realizado nos 34 municípios do chamado “quadrilátero ferrífero”, com o título “Identificação, mensuração e análises dos acidentes, doenças e mortes no setor mineral”.

Detecta-se que, apesar de enormes investimentos das empresas mineradoras em tecnologias e infraestruturas para a exploração, ainda permanecem padrões comuns de acidentes e doenças (sobretudo provocados pelos meios de transporte no setor). O estudo recomenda uma ação mais consciente na informação e prevenção. Sugere, em particular, a atenção a “eventos sentinela”: ao reconhecer algum tipo de agravo, isso deveria logo desencadear ações de discussão dentro do ambiente da empresa, até uma possível revisão das medidas implantadas.

O grande número de doenças ocupacionais deve-se frequentemente ao ritmo frenético de trabalho e ao assédio moral no ambiente laboral. Infelizmente, a proposta do novo Marco Legal da Mineração não trata desses assuntos.

O Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração recomenda: “É urgente a construção de uma legislação específica de saúde e segurança que mude radicalmente esse cenário, que passa pelo incentivo da construção de organização nos locais de trabalho, adoção da convenção 158 da OIT, desvinculação da política salarial e de benefício das metas de produção e uma fiscalização séria com punição exemplar às empresas que descumprirem as normas de segurança. Por se tratar de uma atividade de alto risco, a questão dos direitos dos trabalhadores da mineração deva ser abordada no novo Código, estabelecendo as bases para a construção de uma legislação trabalhista protetiva para os operários do setor”.

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