Por Pe. Leo Pessini (in memoriam) Em Brasil Atualizada em 07 JUN 2018 - 10H32

Em busca do 'direito à beleza'

"A biopolítica da beleza: a cidadania estética e o Capital afetivo no Brasil" e o título curioso, da mais recente publicação de Alvaro Jarrin. Trata-se do estudioso norte-americano especializado em antropologia medica, que foi lançou recentemente (meados de 2017) em inglês nos EUA, um provocativo estudo histórico etnográfico a respeito da medicina estética no Brasil.

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Alvaro Jarrim, passou anos estudando a realidade da cirurgia plástica brasileira, por que esta pratica estética e tão praticada e desejada em nosso país. Enquanto muitos pacientes são incrivelmente gratos pela oportunidade de se” tornar bonitos”, o "direito à beleza," no entanto, tem um lado mais sombrio em nossa cultura brasileira, revela o estudioso. Quem não lembra o nosso Vinício de Moraes, falando: “que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”. Não são raras também as situações de morte de pessoas famosas, divulgadas pela imprensa, que se submetem a procedimentos estéticos arriscados em clinicas privadas.

A cirurgia plástica é considerada um serviço essencial no Brasil, em grande parte devido aos esforços cirurgião plástico Ivo Pitanguy (1923-2016), que foi conhecido como sendo o "Papa de Leia MaisDados da crise de saúde no BrasilSaúde no Brasil: Algumas questões críticas O suicídio: Mitos e esclarecimentoscirurgia plástica”. No final da década de 1950, Pitanguy –– convenceu o Presidente Juscelino Kubitschek de que o "direito à beleza" era tão básico quanto qualquer outra necessidade de saúde, de que “a feiura” causa muito sofrimento psicológico no povo brasileiro e passou a considerar a cirurgia plástica como sendo uma “questão humanitária”.

O autor constata que no Brasil, os pacientes pensam como tendo o "direito à beleza". Em hospitais públicos, cirurgias plásticas são gratuitas ou de baixo custo, e o Governo (SUS) subsidia quase um milhão e mio de cirurgias todos os anos. Diferentemente dos EUA, se alguém necessitar ou quiser realizar uma cirurgia estética facial ou na barriga, pagará o custo do próprio bolso. O seguro de saúde cobrirá a cirurgia plástica somente quando esta é considerada "medicamente necessária" e não meramente estética.

O Brasil se tornou o 2º maior consumidor de cirurgia plástica do mundo, com 1,2 milhões cirurgias realizadas anualmente. As longas filas para a cirurgia plástica em hospitais públicos, com espera até mesmo anos, confirmam este anseio geral pela beleza. Claro, nas instituições públicas estão as camadas mais pobres da população, e nas clinicas privadas são a classe média e rica que frequenta, sem contar os inúmeros clientes que provem do exterior. Nosso país é considerado um dos paraísos da cirurgia plástica mundial, daí o grande afluxo de pacientes de outros países. Nesta perspectiva “a cura da feiura” via cirurgia plástica, torna-se quase uma obrigação para se conquistar a chamada “cidadania cosmética”.

Em todas as entrevistas que este estudioso realizou no Brasil com pessoas que se submeteram a estes procedimentos estéticos, estas admitiram que cirurgias plásticas eram casos arriscados. Nos hospitais públicos onde estas cirurgias plásticas são “grátis” ou muito mais baratas do que em clínicas privadas, ouviu de muitos pacientes que eles que eram "cobaias" de residentes médicos aprendizes na profissão, como “cirurgiões plásticos”. Estes pacientes, na sua grande maioria mulheres, também me disseram que viver sem beleza no Brasil era assumir um risco ainda maior. A beleza é percebida como sendo tão central para o mercado de trabalho, tão crucial para encontrar um companheiro na vida, tão essencial para de qualquer possibilidade para “subir na vida”, que muitos não podem dizer não a estas cirurgias.

Enfim, não faltam procedimentos de cirurgia plástica, da chamada mais “medicina do desejo do que da medicina da necessidade” e depois não temos o mínimo para as coisas mais banais para o cuidado da saúde do povo. Perguntamos quais são as prioridades de saúde do SUS em relação a saúde da população brasileira? Há pouco passamos por uma epidemia de febre amarela em São Paulo, e não tínhamos vacina disponível. A toda hora vemos os meios de comunicação social mostrando situações terríveis de descasos no atendimento em pronto- socorros, onde falta tudo, recursos, profissionais da saúde atenciosos. O chamado direito a saúde de todo o povo brasileiro existe sim, mas infelizmente, no papel e para muito poucos. Esta situação não pode continuar assim. Como garantir na pratica este direito à saúde, que significa fundamentalmente, o direito de viver com dignidade?                                                     

Escrito por
Pe. Léo Pessini Currículo - Aquivo Pessoal (Arquivo Pessoal)
Pe. Leo Pessini (in memoriam)

Professor, Pós doutorado em Bioética no Instituto de Bioética James Drane, da Universidade de Edinboro, Pensilvânia, USA, 2013-2014. Conferencista internacional com inúmeras obras publicadas no Brasil e no exterior. É religioso camiliano e atual Superior Geral dos Camilianos.

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