Por José Aparecido Cauneto Em Artigos

Espiritualidade mariana no Documento de Aparecida – Parte II

Santuario de Aparecida

Na primeira parte procuramos expor, de forma introdutória, que o Documento de Aparecida contém inúmeros elementos que revelam uma espiritualidade mariana autêntica e fundada na história. E nos propusemos a apresentar, a partir desses traços característicos da espiritualidade mariana presentes no texto conclusivo da V Conferência do Episcopado Latino Americano e do Caribe, os fundamentos que nos conduzem à convicção de que a espiritualidade mariana, por estar na gênese de antigas e novas espiritualidades cristãs, será a grande expressão espiritual e religiosa que conduzirá o Povo de Deus «a Cristo, Senhor da vida, em quem se realiza a mais alta dignidade de nossa vocação humana» (DA 43).

Antes de adentrarmos na reflexão sobre os aspectos mariológicos de nossa relação com Deus, é necessário esclarecer que, ao falarmos de espiritualidade mariana, não estamos nos referindo à devoção mariana, tão presente na vida do povo brasileiro. Esta, a devoção, é uma expressão de nosso amor à Mãe de Deus, enquanto que a espiritualidade é um caminho, um itinerário a ser percorrido no seguimento de Jesus, em que Maria é o modelo, a inspiração.

Nesse sentido, o lugar e o valor de Maria na mística da evangelização libertadora foram acentuados pela espiritualidade mariana desenvolvida no Documento de Puebla (cf. 288, 292, 293).

Por vezes, os cristãos tendem a confundir a espiritualidade com a devoção. Como exemplo podemos mencionar o texto do antigo Manual Devocionário do Congregado Mariano que, no capítulo X, discorre a respeito dos dois traços do perfil da Congregação Mariana: a Devoção Mariana (nºs 207-231) e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio (nºs 232-247). Sobre a devoção mariana o citado texto, embora não deixe de destacar o valor da “consagração a Nossa Senhora”, não aborda a espiritualidade sobre a qual repousa a devoção mariana, mas se limita a enfatizar as práticas devocionais, tais como a reza do Ofício e do Terço do Santo Rosário. Também no número 45 o documento dispõe que, por fidelidade aos «quatro séculos de espiritualidade mariana, veneramos Nossa Senhora com a maior devoção», sugerindo que nas práticas de veneração e devoção esteja contida a espiritualidade mariana.

Não se pode negar que tais práticas piedosas tenham «uma grande eficácia pastoral»e constituam «uma força renovadora dos costumes cristãos», conforme afirmou o Papa Paulo VI na conclusão da «Exortação Apostólica para a reta ordenação e desenvolvimento do culto à Bem-aventurada Virgem Maria», de 2 de fevereiro de 1974. Contudo, não são suficientes para estabelecer uma autêntica espiritualidade mariana, que requer uma conformação ao projeto de Salvação. Temos que ir além, na busca de viver no mundo para Cristo, com a mesma entrega de Maria. Para isso, somos convidados pelo Documento de Aparecida a descobrir e vivenciar a alma missionária e apostólica da discípula Maria, a Virgem de Nazaré, «diante do desespero de um mundo sem Deus» (DA 109).

Usando uma feliz expressão do saudoso Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales, então Arcebispo Emérito da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, «Maria contradiz o desespero do mundo», permanecendo fiel à missão que lhe foi confiada pelo Pai e, por isso, tornando-se «o símbolo mais completo de nossa verdadeira esperança»(1), o que leva a própria Igreja a uma compreensão materna de si mesma.

Ou seja, a Igreja torna-se discípula, missionária e apostólica na mesma medida em que assume o discipulado, a missionariedade e o apostolado da Virgem de Nazaré que, conforme declaram os bispos reunidos na V Conferência, «é a imagem esplêndida da conformação ao projeto trinitário que se cumpre em Cristo». Essa imagem, lembram-nos os bispos da América, «recorda-nos que a beleza do ser humano está toda no vínculo do amor com a Trindade, e que a plenitude de nossa liberdade está na resposta positiva que lhe damos» (DA 141). É a «máxima realização da existência cristã como um viver trinitário de “filhos no Filho”» (DA 266).

Dessa forma, sendo a Trindade o ponto de referência para a espiritualidade cristã, o Documento de Aparecida nos apresenta uma das características mais marcantes da espiritualidade mariana: a trinitária. Sendo Maria uma obra total de Deus, foi a escolhida para, antes de todos nós, vivenciar a espiritualidade trinitária do encontro com Jesus Cristo, gerado em seu ventre materno. Por isso mesmo, a espiritualidade mariana deve nos levar, como partícipes da natureza divina de Cristo (cf. 2 Pd 1,4), a participar da «vida trinitária do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a vida eterna» (DA 348).

É sob este prisma do amor trinitário que devemos olhar para Maria, a Mãe Santíssima da Igreja, «modelo e paradigma da humanidade» (DA 268), e com Ela aprendermos também nós a sermos construtores de um mundo melhor e renovado, a morada de Deus, com a consciência de que a «vida cristã só se aprofunda e se desenvolve na comunhão fraterna» (DA 110).

A partir de tais reflexões, à luz das conclusões da V Conferência do Episcopado Latino Americano e do Caribe, devemos indagar: que gestos concretos estamos dispostos a realizar para que melhoremos o estilo de nossa espiritualidade mariana e, seguindo o exemplo de Maria, sejamos protagonistas da comunhão que gera vida?

Ad Jesum per Mariam!

José Aparecido Cauneto

Membro fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí

e Membro da Academia Marial de Aparecida

(1) https://catolicosnarede.wordpress.com/2008/05/22/devocao-a-maria/

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