Por Pe. César Moreira, C.Ss.R. Em Igreja

Entrevista: O Papa e a Igreja Hoje

A chegada do Papa Francisco ao cargo mais alto da Igreja Católica tem trazido esperanças. Ele tem citado temas que devem ser tratados pelos católicos, a começar da direção da Igreja. Ele também publicou uma exortação apostólica intitulada "A Alegria do Evangelho" que fala como deve ser o anúncio da Boa Notícia de Jesus no mundo atual. Aproveitando do dia do Papa (29 de junho, em que a Igreja celebra os apóstolos São Pedro e São Paulo) apresentamos a entrevista com um historiador e cientista político - Roberto Gonçalves - de formação cristã e preocupado com a ação renovada da igreja. Vale ler o que ele pensa e sentir - se provocado. Não deixa de ser um modo de dar ouvidos ao que fala o próprio Francisco. Bom proveito.

Padre César: O senhor também admira o Papa Francisco? Por que motivos?

 

"O Papa Francisco tem merecido credibilidade pelo seu discurso da humildade, porque é realmente humilde em sua vida pessoal".

Roberto Gonçalves - Admiro muito o Papa Francisco, por várias razões. Aliás, Desde João 23 (1958-1963), um excelente Papa, apesar do curto tempo de pontificado, não admirava tanto um Papa. O Papa Francisco tem merecido credibilidade pelo seu discurso da humildade, porque é realmente humilde em sua vida pessoal. Também deixou claro, com ações concretas, não compactuar e desejar o fim nos escândalos financeiros do Vaticano. E o mais importante: ele sinaliza desejos de mudanças profundas no posicionamento da igreja em relação aos seus dogmas seculares, procurando aproximá-la do mundo, ao invés de combater a ciência.

Padre César: Em que Francisco se diferencia dos outros papas?

Roberto Gonçalves - Em primeiro lugar, pela linguagem. É fundamental que um comandante saiba falar com seus comandados, com aliados e também com adversários de sua igreja. E neste quesito, ele é mestre inigualável. Dotado de magnetismo pessoal e ideias claras a respeito de assuntos extremamente polêmicos, caso da pedofilia que envergonhou a Igreja Católica no século 20, Francisco faz, com coragem, simplicidade e determinação o enfrentamento do problema, em linha direta, sem curvas ou atalhos na discussão do problema. Outra diferença em relação aos papas mais recentes, é haver detectado a suntuosidade da vida papal, pregando, abertamente, o retorno da humildade e simplicidade nos rituais do Vaticano e do universo católico. É como se dissesse, em voz alta, para todos católicos ouvirem: o maior homem de todos os tempos nasceu numa manjedoura, coberto com trapos, e vocês, encarregados de passar suas palavras e seus exemplos para a humanidade, estão vivendo num berço de ouro.

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Padre César: E quanto a Igreja Católica, existe diferença no modo de ela atuar hoje e nos meados do século passado, quando terminou o Concilio Vaticano II?(1962 - 1965)

Roberto Gonçalves - A curta passagem do Papa João 23 interrompeu os sucessivos avanços de sua vitoriosa gestão. O Concilio Vaticano II termina em 1965, ainda no começo da era Paulo VI, um papa notoriamente conservador. Em minha visão de leigo, os avanços produzidos no Concilio Vaticano II não foram suficientes para empolgar o universo católico na direção de reformas substanciais nos dogmas da igreja. A sensação que a igreja católica passa hoje é de imobilismo diante das grandes transformações que se operam na sociedade. Fica gastando um tempo enorme combatendo a ciência, repetindo os tempos da fogueira e da inquisição, quando negava que a terra era redonda. Abre-se o jornal e sempre uma manchete da igreja católica contra isto e aquilo. Não seria a hora, com Francisco, da igreja concentrar todo seu discurso nas palavras de Cristo em favor do amor ao próximo, paz na terra, justiça social, etc.?

Padre César: Em que a igreja hoje acerta no modo de se relacionar com o mundo laico?

 

"Parece que o Papa Francisco percebeu, em tempo, que a igreja tem enorme dificuldade de falar com o mundo laico".

Roberto Gonçalves - Parece que o Papa Francisco percebeu, em tempo, que a igreja tem enorme dificuldade de falar com o mundo laico. E ele, heroicamente, está tentando introduzir no seio da igreja essa preocupação vital para sua sobrevivência como instituição milenar. O mundo laico caminha, a passos largos,para a direção determinada pela sociedade de consumo, deixando de priorizar a espiritualidade em seus valores de vida. A parcela de católicos que só frequenta a igreja em casamentos e missas de sétimo, é infinitamente maior que os frequentadores habituais da igreja. Suspeito que Francisco, desde os tempos de Argentina, deve ter ficado muito preocupado com a baixa frequência católica aos eventos da igreja. O grande crédito da igreja católica em relação ao mundo laico é não ter mercantilizado a fé, como ocorre hoje nas igrejas nascidas na vergonhosa "teologia da prosperidade", em que as classes mais pobres são seduzidas pela promessa de vitória material e acabam depenadas de seus parcos recursos.

Padre César: Em que a igreja deixa a desejar neste relacionamento?

 

"Num tempo de aldeia global, internet, televisão que entra em todos os lares, a igreja não consegue se modernizar na comunicação". 

Roberto Gonçalves - Num tempo de aldeia global, internet, televisão que entra em todos os lares, a igreja não consegue se modernizar na comunicação. A missa de uma hora é um suplício. É preciso uma linguagem moderna e alegre nos sermões. Pode-se falar da bíblia e de todas mensagens do evangelho com linguagem popular, facilmente digerida pelas pessoas mais simples, sem baixar o nível da conversa. Nossos padres precisam fazer cursos de oratória, os rituais da missa precisam ser simplificados, o uso da música de boa qualidade aumentado. Enfim, é preciso descobrir uma missa de meia hora que faça os fiéis se interessar pelo o principal ritual da igreja. Cristo foi crucificado porque enfrentou os poderosos, mostrou o caminho da vida eterna, mas também pregou a rebelião aqui na terra. A igreja tem se dividido entre o conformismo conservador e alianças políticas com falsos profetas. Saber caminhar no centro dessa questão, seria, talvez, a melhor prática nesse relacionamento com o mundo laico.

Padre César: Fala-se muito na perda de fiéis de parte da Igreja para os pastores evangélicos: como vê essa questão ?

Roberto Gonçalves - Existe uma grande parcela da sociedade mergulhada, por razões culturais ou sociais, na mais profunda ignorância. Esse quadro de pobreza que deveria ser resolvido pelo caminho da política de inclusão, através dos governos, gerou uma multidão de milhões de brasileiros desconectados do eixo central da cidadania. Essa grande massa, maioria amplamente católica, não encontrou em sua igreja a luta política para ajudá-los vencer o quadro da pobreza. É nesse universo de desamparados que se construiu a grande invasão evangélica, prometendo um céu mais azul e melhoria real de vida aqui na terra, através de propaganda enganosa nas televisões abertas, financiadas com o próprio dinheiro dos pobres, extorquidos através de técnicas de neolinguística, provocadoras de avassaladora lavagem cerebral. Como as igrejas da teologia da prosperidade são apenas um descarado comercio religioso, poderia haver uma ação política junto ao congresso nacional, definindo o que é igreja, para ser protegida aquela que é autêntica e para o comércio religioso extirpado. Enquanto não existe uma ação constitucional em relação ao comercio religioso, a Igreja Católica pode conter a evasão de fiéis, tomando as seguintes atitudes, urgente:- Reduzir o tempo da missa e torná-la um momento agradável e chamativo!- Aliar-se à ciência em favor de seu progresso, ao invés de combatê-la!- Aliar-se o Papa Francisco na luta contra a pedofilia, a suntuosidade, os escândalos financeiros e posturas conservadoras!- Usar melhor a mídia para denunciar o charlatanismo evangélico que invadiu o Brasil! E assim, coloco minha modesta opinião, com intuito de ajudar as pessoas a refletir.

Colunista - Padre César Moreira

Escrito por:
Padre Antônio César Moreira Miguel (Arquivo redentorista)
Pe. César Moreira, C.Ss.R.

Sacerdote, jornalista, radialista e escritor com muitos anos de atividade nos meios de comunicação social. Foi diretor geral da Rede Aparecida de Comunicação e fundou a Rede Católica de Rádio, hoje atua na área de assistência social da Província de São Paulo.

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