O senador Cristovam Buarque do PDT do Distrito Federal tem a biografia marcada pela coerência, qualidade rara no meio político. Ele foi governador do Distrito Federal entre 1995 e 1999 quando criou o ‘Bolsa Escola’. Foi também senador e Ministro da Educação pelo PT no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Ao deixar o ministério filiou-se ao PDT e foi candidato a Presidência da Republica em 2006. Cristovam Buarque inicialmente formou-se engenheiro e depois fez doutorado em economia pela Universidade de Sorbonne, em Paris, na França. Foi reitor e professor na Universidade de Brasília.
O tema da educação está no centro da sua atividade. Escreveu muitos livros, dos quais o último é ‘Educação é solução’. E é sobre este tema que Cristovam Buarque concede entrevista ao colunista do A12.com, Padre César Moreira.
Foto de: Lia de Paula/Agência Senado
Padre César: A educação foi e será a solução possível para o Brasil? Qual o sentido exato dessa expressão?
Senador Cristovam Buarque: É a solução de qualquer país. Todos os países que hoje são desenvolvidos passaram por uma forte mudança na educação dos seus povos, em geral no século XIX, todos sem exceção nenhuma. Mas hoje é ainda mais importante, pois a economia é baseada no conhecimento, o emprego exibe formação educacional.
Houve um tempo em que o escravo chegava da África sem nunca ter visto uma enxada. Você colocava uma enxada na mão dele e começava a trabalhar. Hoje se colocar qualquer um de nós na frente de um computador, de uma fresadora eletrônica nós não saberíamos usar, pois é necessário formação e treinamento.
A economia é baseada no conhecimento, o emprego é baseado no conhecimento, sem educação não há fututro.
Então, a economia é baseada no conhecimento, o emprego é baseado no conhecimento, sem educação não há futuro. Veja a economia brasileira que é uma das maiores do mundo e também uma das mais atrasadas. Nós somos uma economia baseada em coisas atrasadas, agricultura, minério de ferro, indústria metal mecânica. Com exceção dos aviões da Embraer nós não exportamos nada de alta tecnologia em grande quantidade. Lembre-se que a Embraer era o produto de uma escola. A Embraer é uma indústria que saiu de uma escola de engenharia, é um produto da educação. Quando voamos nos aviões da Embraer estamos voando nas asas da educação. Sem educação o Brasil não tem futuro e os brasileiros não tem emprego.
Padre César: Senador o que podemos entender pela palavra educação?
Senador Cristovam Buarque: A palavra educação tem duas definições. A primeira é a instrução para você saber andar, caminhar, produzir no mundo e a outra é você saber se comportar de uma maneira a respeitar as pessoas e as coisas do mundo como a natureza. Então a educação tem esses dois lados. É o seu comportamento na política dessa sociedade e a sua alternativa funcional de ser capaz de produzir.
Padre César: Em que fase da nossa educação nós estaríamos mais atrasados?
Senador Cristovam Buarque: Nós estamos atrasados em tudo, não tem como estar atrasado em uma coisa e em outra não. Por exemplo, a universidade brasileira é ‘melhorzinha’ comparada com as outras universidades do mundo do que nossa educação de base comparada com a educação de base de outros países do mundo. Nós estamos mais atrasados na educação de base, mas esse atraso na educação faz com que as nossas universidades não tenham capacidade de concorrer internacionalmente.
Como um país de 200 milhões de habitantes, selecionando, peneirando, escolhendo terminamos encontrando um grupinho de 200 mil pessoas capazes de serem grandes cientistas, mas precisamos de milhares e milhares. Então o sistema educacional está ruim e tudo começa na base. Nunca vamos ter um sistema universitário bom se a educação de base for ruim, pois o aluno ruim quando chega na universidade puxa para baixo a instituição. Sempre poderemos ter uma, duas, três universidades, mas no meio de um mar imenso de pessoas despreparadas.
Padre César: Senador o que falta na educação?
Senador Cristovam Buarque: Falta mais dinheiro na educação e melhor gestão, mais dedicação. Faltam as duas coisas: mais dinheiro e gastar melhor. Não falta dinheiro no Brasil se a gente quiser.
Se nós pagássemos 9 mil e 500 reais por mês a um professor íamos conseguir trazer os melhores jovens da sociedade para a educação. Hoje nós não os atraímos, atualmente esses jovens vão para área do direito, da engenharia. Para isso custo de cada aluno por ano é de 9 mil reais. Se fizéssemos um programa federalizando a educação onde cada aluno teria este custo. Hoje esse custo não chega a 3 mil reais. Em vinte anos isso vai custar 6,4 % do Produto Interno Bruto (PIB), não é muito. Existem muitas famílias que gastam mais do que isso da sua renda na educação de três filhos.
Não falta dinheiro no Brasil, mas hoje falta dinheiro na educação.
Não falta dinheiro no Brasil, mas hoje falta dinheiro na educação. E o dinheiro que está indo para a educação, que já não é muito, está sendo desbaratado, mal gasto, desperdiçado. Se jogar mais dinheiro no atual sistema educacional ele não melhora. Ele está degradado, sem condições de absorver muito mais dinheiro do que ele já tem.
Padre César: Senador, as escolas particulares existem para suprir a demanda de alunos que não são atendidos pelas escolas públicas, pelo menos em tese, mas acontece de escolas particulares não corresponderem a exigida qualidade de ensino. Como tratar essa questão?
Senador Cristovam Buarque: Existem outras razões para existirem escolas particulares: razão religiosa, por exemplo, onde a família quer uma educação religiosa e o Estado é laico, não pode dar essa formação.
A família quer que o curso seja em inglês e não no idioma pátrio. A educação pública brasileira tem até mesmo que ensinar inglês, mas todos os cursos não podem ser em inglês, em francês. Tem outras razões diplomáticas, como pessoas de fora do país. Por outro lado, um país democrata não pode proibir escolas particulares. Tem que ser um direito de cada pessoa poder montar a sua escola, mas em um país decente ninguém deveria pagar para ter uma boa escola. Permite-se escola particular para quem quiser, mas sabe-se que quem não quiser vai ter uma boa escola pública.
Hoje se listarmos as dez melhores escolas do Brasil elas devem ser todas particulares. Mas a média de qualidade das escolas particulares está abaixo da média das escolas públicas federais, porém acima da média das escolas municipais e estaduais. Isso se deve por uma razão muito simples, com a falência do ensino público mesmo as camadas pobres da população estão tirando os seus filhos das escolas públicas e colocando nas escolas particulares sem qualidade.
Então me perguntam a razão disso. Respondo que é porque não tem greve. Essa é a primeira razão que eu ouço dos pais: ‘Eu quero que meus filhos saibam quando começa e quando termina a aula. Quero que os meus filhos saibam em que ano vão concluir o curso secundário’.
Dessa forma levam os filhos para uma escola particular muitas vezes de má qualidade, muitas vezes de pior qualidade que uma escola pública perto da casa dele, mas onde os pais sabem que o professor vai dar aula.
Padre César: O senhor foi educador por um bom tempo. Com a sua experiência o que mais chamou sua atenção com relação aos alunos?
Senador Cristovam Buarque: Eu ainda sou professor e dou aula na Universidade Federal de Brasília. É difícil responder a essa pergunta. Olhando o conjunto de alunos, não os meus especialmente, eu acho que há um descaso muito grande com a educação de base, que faz com que eles cheguem até a universidade, salvo exceções obviamente, despreparados para acompanhar um bom curso universitário. Eles não são capazes de entender o que falamos, a não ser que começamos a baixar muito o nível. As escolas de engenharia estão gastando um bom tempo para ensinar matemática, o que os alunos já deveriam saber.
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