Ir. Miria Kolling*
Descobri o sentido verdadeiro e profundo do Natal, quando tive a graça de fazer a experiência do mistério salvador de Jesus Cristo com as Monjas Beneditinas do Nonnberg, em Salzburg, na comovente e inesquecível noite de 24 de dezembro de 1983. O clima natural no mosteiro já é de silêncio, de recolhimento interior e exterior, favorecendo a escuta, a contemplação, a intimidade com Deus.
Aquela NOITE FELIZ foi diferente de todas as outras que já vivi, feita de uma Liturgia ao mesmo tempo da terra e do céu, fundindo o divino com o humano, traduzindo bem o nascimento do Verbo entre nós... Iniciamos com a oração das Vésperas, seguidas das Matinas, culminando com as duas Missas, num clima de tal recolhimento e ao mesmo tempo de sublime esplendor, que fez a noite clara como o dia, iluminada pelo Divino Sol que nascia entre nós, irradiando a música dos anjos na voz cristalina das monjas... Portanto, ritos e gestos, símbolos e cantos, nascidos de um silêncio pleno e fecundo, brotados de corações contemplativos, em sintonia total com o Divino, o que fez acontecer a Sagrada Liturgia, numa linguagem que só podia ser a do amor.
Mas o que eu não sabia era que mesmo naquela memorável noite, celebrada no mundo inteiro de formas tão diversas, ali o silêncio seria total à mesa do jantar, como de costume, e por isso mesmo, ainda mais carregado de Deus. Foi privilégio poder eu partilhar com as Monjas sua frugal refeição e este grande silêncio, tendo cada uma pequena vela em forma de estrela acesa à sua frente - acendo a minha até hoje! - , além da majestosa e iluminada árvore natalina no centro da sala. Portanto, ambiente favorável à contemplação, à vivência do Mistério e abertura ao Infinito!... Impossível descrever o impacto de tal clima em meu coração, acostumado ao barulho e à exterioridade, às mil distrações, correrias e preocupações fúteis, tão próprios a nós, ocidentais... Lágrimas abundantes e incontidas inundaram-me a alma, e num instante que se fez eternidade, me deram uma compreensão nova e a verdadeira dimensão do significado da maravilhosa obra salvadora de Deus em seu Filho Jesus, que celebramos no Natal. Portanto, nossa liturgia, feita de silêncio e quietude, já começara na sala da refeição...
O não pronunciar palavra alguma, o aquietar o coração para acolher e escutar a Palavra feita Carne, que na calada da noite vem habitar entre nós, tudo me tocou profundamente e encheu da mais pura alegria e divina luz meu humano coração. Jamais antes havia experimentado algo semelhante... Era como se fosse o meu primeiro Natal... E não deve ser assim, cada Natal como se fosse o primeiro e único? Hoje, aqui e agora, em cada Eucaristia, a Palavra se faz Carne e o Verbo habita entre nós...
Compreendi que é preciso aprender a escutar o silêncio, o som interior, a afinar a alma, o espírito conosco mesmos, com os outros e, sobretudo com o Grande Outro, com a Divina Melodia, que no Verbo se fez Música e veio cantar entre nós... Mas antes se fez Silêncio, como nos diz Pe. Lucio Floro, o sensível e inspirado poeta da nossa Missa da Noite Feliz:
Aleluia, que o Verbo, esplendor do Pai, se fez carne e silêncio se fez!
Mas agora Jesus mesmo vai ser Palavra outra vez!
Olhe que Nossa Senhora a guardou no coração...
Deus não fala a nós de fora: fala dentro, meu irmão!...
Sim, Deus, que é silêncio e palavra, nos fala dentro, no coração, e só o silêncio nos ajuda a mergulhar no nosso íntimo, a fazer espaço para ouvir o sublime mistério, que supera todas as palavras e nos remete ao essencial, invisível e inaudível. Portanto, um silêncio positivo e pleno, fecundo e contemplativo, litúrgico e sagrado. John M. Ortiz, em seu maravilhoso livro O Tao da Música, com razão afirma que "às vezes o silêncio é o mais belo dos sons." A música clássica oriental, nascida da prática de meditação sonora, o confirma: para o músico oriental o silêncio chega a ser mais importante que o som. ("A Música Clássica na Índia" - Alberto Marsicano, Editora Perspectiva). Sim, a pausa faz parte da música, é o silêncio que gera a palavra, e só sabe escutar a voz de Deus e do seu Espírito, assim como rezar e cantar o divino louvor, quem é capaz de apaziguar o corpo, a mente e o coração.
Que a Liturgia desta Noite Feliz nos faça ouvidos e coração, para mergulhar no Mistério de Deus, deixando-nos comover pelo amor do Pai que se torna visível em Jesus! Então o canto brotará do silêncio como de uma fonte cristalina, geradora de vida!
Também tu, meu irmão, minha irmã, aprende a escutar o silêncio, e faze dele nascer o canto novo da vida, celebrando o Verbo que se fez Carne e habitou entre nós, nesta Noite Feliz!...
*Ir. Miria Kolling é Religiosa da Congregação do Imaculado Coração de Maria, compositora da música litúrgica e religiosa, musicista, pedagoga, gravou mais de 30 trabalhos em LPs e CDs, como também livros sobre canto e liturgia.
FONTE: https://www.irmamiria.com.br
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