Por Redação A12 Em Opinião Atualizada em 13 MAI 2019 - 15H54

Contra as escravaturas

Escravatura é um vocábulo cuja significação deveria nos remeter ao contexto medieval, na contramão da contemporaneidade, com os seus avanços e iluminações. Em um tempo de tantas autonomias e de significativas narrativas de liberdades individuais, de povos e culturas, parece obsoleto falar de luta contra as escravaturas. Aí está o absurdo da obscuridade que contracena com as iluminações deste tempo, chamado pós-modernidade.

Ainda oportuno é o convite-advertência que o Papa Francisco expressou na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2015. O Papa, como voz forte da Igreja, que não pode abandonar temáticas dessa relevância, recupera o princípio fundamental da consciência cidadã e também da vivência autêntica e sincera da fé: ninguém nasce para ser escravo, todos somos irmãos

Escravidao
A mensagem do Santo Padre é reforço significativo no horizonte da proposta que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil apresentou, ao convocar a Igreja e ao convidar os homens e mulheres de boa vontade a vivenciar o Ano da Paz (2015). Um período que começou no tempo preparatório para o Natal e contempla o percurso desafiador dos dias daquele ano. Um Ano da Paz que alerta para o fato de que as escravaturas estão se multiplicando e, consequentemente, a sociedade paga preços altos. Crescem a violência, a despersonalização e o desvirtuamento dos mais nobres processos da cidadania. 

 

"Como remédio e reação mais efetiva para esse fenômeno abominável, o Santo Padre convida cada pessoa a buscar uma vivência mais fraterna".

O anseio de fraternidade precisa, cotidianamente, ser recuperado e alimentado como princípio ético universal, que inspira a conduta humana e, desse modo, configura os indivíduos, o exercício da cidadania e a sociedade. A perda dessa referência fundamental impulsiona rumo à negociação desastrosa da nobreza de ser honesto, respeitador dos direitos e, consequentemente, perde-se a alegria de ser promotor da justiça - um compromisso mais direto e efetivo, principalmente, para com os mais pobres. A exploração generalizada do homem pelo homem tem se tornado - assinala o Papa Francisco - um flagelo, que revela irracionalidades e impõe riscos gravíssimos à tarefa permanente de se tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, justiça e caridade

Como remédio e reação mais efetiva para esse fenômeno abominável, o Santo Padre convida cada pessoa a buscar uma vivência mais fraterna. Somente assim será possível superar o triste cenário que abrange desde o desrespeito à integridade de uma pessoa, em contexto particular, até o comprometimento sistêmico de grupos. Se seguir na contramão desse caminho, a sociedade continuará a sofrer com a corrupção endêmica que assola os funcionamentos de instituições representativas, particularmente as governamentais. A sociedade brasileira precisa estabelecer um novo pacto ético-moral para se salvar da corrupção e das muitas outras formas de escravaturas contemporâneas, que se fortalecem com a perda de referências fundamentais como o sentido da fraternidade universal. 

Buscar, permanentemente, uma vivência mais fraterna é prática que faz prevalecer condutas balizadas no gosto de ser bom e honesto, no aprofundado sentido altruísta de edificar, acima de tudo, o bem de todos. Trata-se de uma verdadeira e operosa mudança cultural. Não basta apenas o aperfeiçoamento dos indispensáveis mecanismos de controle. Há um “chip” ético-moral que precisa ser adotado, urgentemente, pelas pessoas. Somente assim o respeito a funcionamentos, legalidades e direitos não serão simplesmente assuntos das cortes nos seus julgamentos, ou nas dinâmicas de controladorias, mas jeito cidadão de ser, em tudo, o que se fala e faz

É nesta trajetória que se coíbe tudo o que é reconhecidamente antiético, mas continua a ser praticado para se levar vantagem, enganar. Práticas que, não raramente, são compreendidas como ato de inteligência, mas que, em vez disso, aprisionam a sociedade em cenários de escravaturas. É preciso recuperar a vergonha para abominar a sujeição do homem pelo homem, fenômeno contemporâneo, herança de tempos obscuros. Trata-se de uma ferida social.

Os diversos tipos de escravização, em nível formal e informal, são verdadeiros atentados contra a dignidade humana. Abrangem as condições insalubres de tantas pessoas, a prostituição, os roubos ao erário, uma lista interminável de abominações. Que a nobre luz do princípio da fraternidade mexa com os brios cidadãos de todos e inspirem um trabalho ferrenho, permanente, contra as escravaturas.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da CNBB para o Quadriênio 2019-2023

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Carregando ...

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por Redação A12, em Opinião

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.

Carregando ...