História da Igreja

Como a Igreja Católica lidou com o regime militar?

Escrito por Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R.

06 JAN 2014 - 09H23 (Atualizada em 01 ABR 2024 - 11H38)

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Chegamos aos anos que formam a decisiva década de 1960, tempo em que a Igreja enfrentava alguns sérios desafios. Mas, por outro lado, ela via crescer diversos fatores motivadores da sua ação pastoral, polarizando-se ao redor da questão social, graças, sobretudo, às forças especializadas da ação social.

Como desafios, a princípio, haveria um vazio de lideranças e também o despontar de ideologias oponentes dentro da Igreja. A revolução militar de 1964, com o golpe de estado e o endurecimento do regime a partir de 1968, complicaria muito a vida e ação da Igreja e também a vida da sociedade brasileira como um todo. 

A semana entre 31 de março a 6 de abril de 2024 relembra um fato histórico que abalou a democracia brasileira há exatos 60 anos: a deflagração do golpe militar nas primeiras horas do dia 1° de abril de 1964, quando tropas do Exército partiram de Juiz de Fora (MG) em direção ao Rio de Janeiro.

O Golpe Militar de 1964 representou uma interrupção na democracia, desde que o Brasil adotou o presidencialismo, quando se proclamou a República em 1889. O regime militar durou 21 anos, sendo marcado pela tortura e morte aos opositores, censura à imprensa e aos artistas contestadores e restrição de direitos políticos. “A ditadura militar, desde 1964 até 1985, viveu mais de 20 anos de uma suspensão dos diversos direitos que compõem aquilo que chamamos de estado democrático de direito”, afirma André Fabiano Voigt, professor de história da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). 

Marcas da Igreja e da sociedade brasileira nos anos 60

A ação da Igreja no período teve, entre outras, as seguintes características:

A) Influencia decisiva dos seus organismos na configuração de uma Pastoral Coletiva e na presença da Igreja na sociedade;
B) A pressão dos fatores econômicos e sociais, levando a Igreja a um novo comportamento teórico expresso em documentos e prático expresso nas muitas formas de ação social.
C) A multiplicação de obras sociais e de entidades, que aos poucos passam de uma atitude assistencialista caracterizada pelo paternalismo e pela assistência caritativa, para a promoção humana e social.

A necessidade de engajamento da Igreja no campo social levou-a na busca de uma melhor estruturação das ligas camponesas, dos sindicatos católicos e à promoção de uma aliança entre camponeses e estudantes na busca de uma frente única. Este será um dos pontos mais conflitivos deste tempo. A década de sessenta vai trazer ainda o Concílio Vaticano II e, com ele, uma série de novas mudanças.

Em 1962, o presidente Jânio Quadros renunciou à presidência da República. Em seu lugar entrou João Goulart, mas o governo revelou-se incapaz de enfrentar os graves problemas pelas quais o país passava, levando a cabo as reformas tão necessárias ao Brasil. Isso porque os interesses em jogo eram muitos e envolviam as camadas dominantes da sociedade e as forças político-econômicas internacionais. O Congresso Nacional, dominado pelas elites conservadoras, jogava contra o governo e paralelo a isto acontecia a ação de grupos radicais. 

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O medo do desgoverno foi habilmente trabalhado e a hipótese ou medo da instalação de uma república sindicalista (comunista) inspirada em Cuba tomava conta da hierarquia militar, da classe média e até mesmo de alguns setores da Igreja. Com isto, a revolução militar e o golpe de 31 de março de 1964 foi uma tentativa de acalmar a situação. A princípio a revolução contou com o apoio da Igreja. Num primeiro momento os militares assumiram todo o poder, criando a malfadada política da Segurança Nacional.

A partir de ano de 1967/1968 vários direitos foram sendo suprimidos, reformas foram sendo vistas como um campo minado e toda uma máquina de repressão foi sendo montada. O Brasil perdeu o “Estado de Direito”, passando a conviver com um regime de exceção que duraria até 1979, quando começou o processo de abertura que, no dizer do presidente de então, deveria ser “lenta e gradual”, culminando com a Nova República, a partir do ano de 1985.

 A Igreja diante do Regime Militar

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que havia sido criada em 1952 para articular o episcopado nacional, racionalizando o poder eclesiástico, sem ferir a autonomia de cada bispo em sua diocese, firmando o seu poder e sua autoridade, tornou-se a porta-voz da Igreja nacional, sobretudo nos momentos críticos que estavam por acontecer.

O grupo inicial de bispos foi então sendo engrossado com novas nomeações ao episcopado e a CNBB se colocou na linha de frente das diretrizes da reforma social. O Papa São João XXIII insistiu muito na Pastoral de Conjunto e no planejamento pastoral, pois desta maneira é que a Igreja cumpriria a sua missão, num mundo tão complexo e de tanto desafios e, depois dele, o Papa Paulo VI colocou a Igreja do mundo todo nas estradas do Concílio.

Ajudada por uma equipe de assessores especializados, com organismo de pesquisas e com planejamento, desde o Plano de Emergência de 1962, a CNBB ajudou bastante a Igreja nacional a enfrentar as barreiras e tensões próprias desta década.

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Ao seu lado, estava a CRB que organizou os religiosos do Brasil. Esta se consolida quase como um poder paralelo” à hierarquia, graças a isenção dos religiosos. Aos poucos as duas entidades mais importantes da Igreja nacional se entenderam e organizaram sua ação. A realidade de subdesenvolvimento do Brasil e toda a problemática social dele decorrente vão ser a motivadora da ação e do engajamento da Igreja nesta fase.

No início da década de1960, a Igreja respondendo aos apelos de São João XXIII elaborou o Plano de Emergência (1962). Este plano propunha a busca de uma ação pastoral mais coordenada e preparada em bases técnicas, ajudada pelas ciências sociais de então. A partir deste plano de pastoral surgiria uma série de documentos fundamentais que motivarão a vida e a ação da Igreja.

Sem se esquecer de sua vida interna, a Igreja vai se projetando cada vez mais no social, ganhando força no cenário nacional. A motivação era preparar a Igreja para as mudanças que estavam por vir.

Em 1962 acontece a abertura, em Roma, do Concílio Vaticano II e a partir dele, apesar do domínio do Brasil pelo regime militar, a Igreja vai atingir um estado de polarização quase que total ao redor das questões sociais.

O Concílio Vaticano II (1962 a 1965) proporcionará uma mudança radical no conceito e na ação da Igreja, para que ela pudesse acompanhar as mudanças da sociedade e do mundo. A partir de então vai ser mais forte a tendência de divisão entre as duas facções na Igreja: um grupo que tenta manter a linha conservadora e outra linha que quer ver a Igreja ir à frente. Aos poucos, a atitude apologética e exclusivista foi sendo substituída pela convivência construtiva. A Igreja deixa de estar fechada ao mundo e abre-se ao diálogo com a sociedade moderna.

.:: Neste trecho do documentário “A Igreja nos 200 anos de independência”, religiosos e especialistas falaram do papel da Igreja durante o regime

Consequências do Concílio Vaticano II

Podemos dizer que o Concílio Vaticano II foi como que um divisor de águas. A partir dele, a tentativa de voltar ao passado, preservando a doutrina e resguardando as instituições vai sendo deixada de lado. A tônica agora é de renovação, acompanhando os sinais dos tempos, indo ao encontro do ser humano concreto, situado numa realidade concreta e temporal.

Os exageros aconteceram de ambos os lados, mas a principal consequência do Concílio para a Igreja no Brasil foi o rompimento com a ordem e com o fechamento anterior. A instituição vai perdendo forças para que o lado carismático possa prevalecer.

Deste modo, teremos alguns elementos novos se constituindo e outros que já se notavam nas décadas anteriores ganhando vigor. Entre eles podemos citar:

A) A participação de clérigos e leigos nas decisões que, desta forma, se tornam mais colegiadas.

B) A dimensão comunitária da fé se tornando cada vez mais concreta e, com ela, a necessidade de aprofundar cada vez mais a participação e a consciência religiosa.

C) A Igreja se torna mais ministerial, aberta à participação de todos. O protagonismo dos leigos começa a surgir forte neste período. 

A Igreja que saiu do Concílio,
revigorada por diversos outros acontecimentos em nosso continente, será totalmente distinta do que foi até então. Em 1964, foram criados os regionais da CNBB e com isto a representatividade melhorou ainda mais. A mentalidade de colegialidade, a coordenação das reformas e a participação ativa do laicato foram seus grandes frutos.  

Ainda em 1964, tivemos a revolução militar, abafando toda a ansiedade de reformas e mudanças. Em 1967/1968 tivemos a implantação do regime de segurança militar e com os atos institucionais, a cassação de direitos e liberdade. A Igreja será então a porta-voz dos oprimidos e daqueles que “não tem nem voz e nem vez”.

.:: Entenda como a política é essencial para transformar a sociedade


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