Por Tatiana Bettoni Em Igreja

Padre Vito Miracapillo conta detalhes sobre sua expulsão do Brasil

Padre Vito Miracapillo, 64 anos, foi personagem de um dos momentos mais críticos da história política do Brasil. Em 7 de setembro de 1980, durante a ditadura militar, ele se recusou a celebrar missas em comemoração pelo dia da Independência. O padre italiano que trabalhava na cidade de Ribeirão, Diocese de Palmares, em Pernambuco, argumentou, em carta, que não havia independência para um “povo reduzido a condição de pedinte e desamparado em seus direitos”.

Foto de: Tatiana Bettoni

Vito Miracapillo

"Acho que eu era o último condenado da ditadura que ainda não podia voltar ao Brasil".

 

Considerado subversivo por um deputado, foi julgado e expulso do país com base na antiga lei conhecida como Estatuto do Estrangeiro. Ficou treze anos impedido de voltar ao Brasil, até que o presidente Itamar Franco lhe concedesse visto de turista.

Agora, com um visto permanente oferecido por Dilma Roussef em 2011, diz que pretende voltar a morar no Brasil, onde desenvolvia ação pastoral e projetos sociais em uma região de monocultura da cana-de-açúcar. Daquele episódio restaram lembranças na memória e mais de vinte caixas com cartas e documentos guardados. São pedaços da história do Brasil, que ele mesmo pretende contar em um livro. Algumas destas memórias, ele recordou em entrevista ao A12.com.

A reação da Igreja Católica – Em 1980, estava sendo decidido por parte do Governo fazer uma nova Lei para os estrangeiros (Estatuto do Estrangeiro), tanto missionários religiosos ou refugiados políticos do Cone Sul da América Latina. O povo inteiro brasileiro se levantou contra aquele projeto, e o Papa foi contrário quando soube. Eu fui a primeira e última vítima daquela lei, que foi imposta ao país na primeira semana de agosto. Em setembro, fui golpeado pela lei.

Quando fui expulso, no dia 30 de outubro, estava na sede da CNBB, em Brasília, porque toda a Igreja estava do meu lado. Um bispo me disse que todos os 204 bispos tinha votado para se solidarizar comigo, sem nenhum voto branco ou nulo, para que todos tomassem posição contra o governo. E no dia 30 saiu uma nota da CNBB dizendo que aquela data era dia de bem-aventurança, pelo que eu tinha vivido e testemunhado, mas, ao mesmo tempo de dor, porque acontecia a expulsão.

Em Roma, todos os cardeais do Brasil foram convidados pela embaixada brasileira para um jantar, e logo que souberam que havia sido expulso, eles disseram que não podiam aceitar o convite, enquanto um padre católico estava sendo expulso do Brasil. Foi uma decisão muito forte que todos assumiram.

O julgamento - Advogados de várias partes do Brasil pediram habeas corpus para mim. Fiquei impedido de sair da Cúria de Dom Helder Câmara, queriam me levar à força. Policiais concederam que dois bispos me acompanhassem e, quando chegamos ao aeroporto, estava lotado de pessoas que ouviram pelo rádio que eu seria expulso, cerca de 700 pessoas. Me puseram na sala vip, dois jornalistas pularam o muro e queriam me entrevistar. O povo todo pulou também e sentou na pista. A polícia pediu que os deputados falassem ao povo, e apenas dois padres foram autorizados a se despedir de mim. Eles falaram: “ou todos ou ninguém”.

Cinco federais me colocaram em um carro, me levaram para o subterrâneo e deixaram trinta soldados lá fora, para dar a impressão de que eu era perigoso. Fiquei dois dias na residência do cardeal no Rio de Janeiro e depois fui à Brasília ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Tinham me tomado todos os documentos e havia a possibilidade de me prenderem por isso ainda. Fui condenado e fiquei treze anos sem poder voltar ao Brasil. Houve manifestações no Brasil todo, por tudo que estava por trás daquele caso.

O decreto - Quando saiu do poder o presidente Fernando Collor, o sucessor Itamar Franco, que já havia me dado solidariedade naquele período, cancelou o decreto de expulsão de João Figueiredo, então pude entrar como turista no Brasil. Mas ainda estava mantida a condenação do Supremo, e só dois anos atrás é que a presidente Dilma Roussef praticamente cancelou a condenação; o Governo brasileiro me pediu perdão sobre o ocorrido na ditadura e eu recebi todos os direitos que tinha antes. Acho que eu era o último condenado da ditadura que ainda não podia voltar ao Brasil.

Permanência no Brasil - Desde 1993, eu venho todos os anos passar 20 dias ou um mês naquela região. Como mantive contato com o povo da diocese, estão esperando que eu fique. Por enquanto, não posso ficar permanentemente aqui. Estou na Itália porque o bispo de lá tem que me liberar. Para a diocese de Palmares, em Pernambuco, não haveria problema. O bispo, Dom Genival, está bem disposto em me acolher, e até o arcebispo de Recife, Dom Fernando, falou: “se quiser vir, esteja pronto”. Mas ainda não fui autorizado. Gostaria, sim, de voltar e continuar trabalhando. Eu vivi muita coisa boa, apesar da expulsão, tanto em Brasília, como Recife e Rio de Janeiro.

Mudanças em Palmares - O Governo, para abafar a história em Pernambuco, foi levado a dar aos camponeses a terra pela qual havíamos lutado, e muita gente foi beneficiada. Quando voltei, em 1993, havia 330 pequenos agricultores que tinham recebido a terra de 16 para 32 hectares. Muita coisa mudou com a democracia, mas o problema é a estrutura.

Homenagens - Em Pernambuco, houve aquela história do deputado Severino Cavalcanti, que foi quem me denunciou. Em 2005, quando fazíamos a lembrança dos 25 anos da expulsão, um deputado quis me entregar o título de cidadão pernambucano, mas a filha do Severino Cavalcanti não aprovou. Então, outras cidades me deram o título de cidadão honorário, e ainda recebi a medalha de Dom Helder Câmara em Olinda, e o povo falava: “mesmo sem medalha, Padre Vito é brasileiro”. Saindo do aeroporto do Rio, uma senhora perguntou a um cidadão se eu era estrangeiro e ele disse “Padre Vito é um padre brasileiro emprestado à Itália!” (risos). Aprendi a gostar muito daqui.

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