Por Tatiana Bettoni Em Igreja

20 anos da Encíclica Evangelium Vitae do papa São João Paulo II - 2ª parte

Confira a segunda parte da entrevista com o professor de Bioética da PUC-Paraná, Anor Sganzerla, graduado em Teologia, mestre e doutor em Filosofia, sobre os 20 anos da Carta Encíclica Envagelium Vitae, do papa São João Paulo II.

Leia também: 20 anos da Encíclica Evangelium Vitae do papa São João Paulo II - 1ª parte

Foto de: Reprodução

Papa crianca

Ao reduzir a natureza a uma fonte de “energia”
e o próprio homem a um “objeto”, a proposta
de salvação se converteu em perigo.

A12 - Como a Encíclica qualifica o termo “dignidade da vida humana”?

Sganzerla - A objeção moral ao melhoramento da vida humana através da manipulação genética, em vista de produzir uma humanidade “perfeita”, vai além da usurpação da liberdade, pois se trata de um impulso humano pelo controle do mistério, ignorando o devido respeito a tudo o que é um fim em si mesmo, isto é: a tudo o que é vivo. Além disso, essa forma de pensar nos desqualifica para aceitarmos outras pessoas com suas limitações e deficiências, “pois a vida passa a ser concebida como digna somente a partir de certas condições” (EV, p. 30), promovendo uma cultura da intolerância. A esperança presente nesse mistério, torna-se o alimento à nossa sobrevivência para o vir-a-ser do próprio eu, e também para que o homem possa continuar sendo humano. O desejo de controle e de domínio do homo faber impede de reconhecer que a vida se constrói e se reconstrói a todo o momento.

Quanto ao desejo de controle da finitude humana preterido pela civilização tecnológica, a exemplo do que ocorre com o projeto da clonagem humana, essa aspiração impede com que o homem reflita sobre o lugar da morte no reino da vida, passando a mesma a ser concebida como uma falha orgânica que pode ser tratável ou pelo menos adiável, promovida pelos recentes progressos da medicina celular, em sintonia com a forte cultura narcisista. Nesse sentido, a aceitação da morte passou a representar uma opção insensata, não havendo porque encará-la com dignidade ou nobreza. Ao priorizar a vida somente enquanto prazer e bem-estar “o sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso libertar-se a todo custo” (EV, p. 128), pois ele (o sofrimento) é despossuído de significado e de valor “antes considerado um mal por excelência” (EV, p. 32), e que deve ser evitado. A pretensão de apropriar-se da vida e da morte para o Pontífice “representa uma atitude prometeica do homem contemporâneo” (EV, p. 32).

A12 - Dentre todos os fatores que atentam contra a vida, qual considera mais preocupante hoje?

Sganzerla - Penso que o maior ameaça na atualidade decorre do poder da técnica, pois embora ela seja essencialmente niilista, essa técnica se apresenta comosalvífica e redentora, e desse modo, com a única salvação da humanidade. No entanto, esse projeto técnico contém uma contradição interna, pois o mesmo se tornou incapaz de proteger o homem de si mesmo e a natureza do homem. Ao reduzir a natureza a uma fonte de “energia” e o próprio homem a um “objeto”, a proposta de salvação se converteu em perigo, além de iludir o próprio homem de que poderia desvencilhar-se do poder divino e da ordem do cosmo, de modo a impor todo o seu império.

Essa técnica busca interferir na vida humana tanto em seu estágio de gestação, com a pretensão de produzir homens perfeitos, como em sua finitude, a fim de torná-lo imortal. No entanto, ao pretender essa “perfeição” humana o homem torna indisponível à vida tanto a sua dimensão contingente quanto o mistério, impedindo que a vida se manifeste como abertura à indefinição. Querer controlar a liberdade constitui-se um dos maiores desejos do homo faber na atualidade, no entanto, com essa prática o homem fica impedido de reconhecer que a liberdade tem uma origem ou mesmo um ponto de vista que foge do controle e da explicação.     

[Confira a Carta Encíclica Evangelium Vitae na íntegra]     

 

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