Por Tatiana Bettoni Em Igreja

20 anos da Encíclica Evangelium Vitae do papa São João Paulo II - 1ª parte

João Paulo II - Enciclica

Em 25 de março, a Carta Encíclica Evangelium Vitae (Evangelho da Vida) escrita por São João Paulo II completa 20 anos. O documento defende a preservação da vida humana em todos os seus aspectos e manifestações, levantando questões acerca do aborto e a eutanásia, bem como a contracepção e as técnicas de reprodução assistida. 

Para analisar os reflexos da Carta Encíclica na sociedade após duas décadas, o A12 entrevistou o professor de Bioética da PUC-Paraná, Anor Sganzerla, graduado em Teologia, mestre e doutor em Filosofia. Confira a primeira parte da série divida em três episódios:

A12 - Na Evangelium Vitae, o Papa João Paulo II aborda diversas questões que tocam a bioética. Em sua opinião, são denúncias ou propostas para reflexão?

Sganzerla - As questões referentes ao universo da Bioética sempre são muito complexas. Geralmente essas problemáticas se apresentam em forma de antagonismo, ou seja, vida ou morte, o que faz com que essa ciência seja por essência interdisciplinar, pois isoladamente, as diferentes áreas do saber não mais conseguem dar conta dos problemas éticos referentes à vida em sua totalidade. Nesse sentido, embora a Bioética, enquanto ciência, seja algo recente, seus problemas de certo modo acompanham toda a história da humanidade. Esses dilemas ético-morais em relação à vida, embora cada momento histórico tente produzir uma reflexão crítica de modo a ajudar na tomada de decisão, as possíveis “respostas” são sempre “provisórias” carregadas de muitos questionamentos e dúvidas, pois não existe uma “resposta correta” em Bioética. Em Bioética não se buscam certezas, mas uma reflexão crítica sobre os problemas éticos em relação às ameaças à vida em sua totalidade.           

A12 - Para o pontífice, qual seria a diferença entre liberdade e individualismo? 

Sganzerla - Com a Encíclica Evangelium Vitae, o pontífice traz uma contribuição expressiva à Igreja e também à Bioética, na medida em que identifica um relativismo ético que tem ameaçado a dignidade e autenticidade da vida em nome da liberdade. Em outras palavras, o Papa em missão profética denuncia que as atuais democracias, fundadas na liberdade e no consenso, pretendem fazer da liberdade o “substituto da moralidade” (EV, p. 142) sem qualquer objetividade de valor, e de modo individualista. Nesse sentido, a liberdade ficou “reduzida à exaltação de modo absoluto do indivíduo, sem nenhum vínculo com os outros” (EV, p. 40), colocando em cheque o maior de todos os valores, isto é, o valor da vida, e eliminando toda e qualquer forma de solidariedade. Com isso, o Pontífice não é contrário à democracia, e nem à liberdade, pois as compreende como meios para a realização do projeto. Suas críticas se dirigem à pretensão absolutista dessas categorias, que em nome delas tudo possa ser concretizado.

A12 - Essa discussão ajudou a ampliar a autoridade da Igreja quanto às ameaças à vida humana nos últimos 20 anos?

Foto de: Reprodução

Defesa da vida

"A Igreja assegura com sua posição que a
dignidade da vida não pode ser relativizada".

Sganzerla - Essa tomada de posição em defesa da vida em sua totalidade, seja humana ou extra-humana pelo Pontífice representa “uma luz” para guiar as decisões em uma sociedade marcada pelo relativismo ético. Nesse sentido, podemos dizer, que embora na prática muito do que o Pontífice denuncia e condena ainda seja praticado, a Igreja assegura com sua posição que a dignidade da vida não pode ser relativizada, e que é necessário assegurar a dignidade e o valor da vida de modo objetivo. A falta dessa objetividade moral faz com que ao mesmo tempo em que se afirma que a vida é maior bem que possuímos, faz também com que a ameacemos em nome da liberdade.

Sem um “ancoradouro moral objetivo” (EV, p. 143) a democracia não conseguirá assegurar os direitos fundamentais, sendo apenas ilusória a paz e a dignidade humana que busca estabelecer, de modo a apresentar certos crimes contra a vida como “legítimas expressões de liberdade individual” (EV, p. 37). Assim sendo, uma democracia vive ou morre pelos valores que ela promove e certamente os valores fundamentais e imprescindíveis são “(...) adignidade de toda a pessoa humana, o respeito dos seus direitos intangíveis e inalienáveis” (EV, p. 144)valores esses que o Estado ou nenhum indivíduo poderá modificar, mas apenas reconhecer, respeitar e promover. É para assegurar o “valor sagrado da vida humana, como um bem primário” (EV, p. 7) que se funda a convivência humana e a própria comunidade política, com o intuito de reconhecer tal direito. Nesse sentido a contribuição da Encíclica é incontestável para a Igreja e para a sociedade em geral, não somente para os cristãos.

Leia também: Bispo da Comissão para Vida e Família avalia atualidade da encíclica "Evangelium Vitae"

 

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