Uma das construções teológicas que chamam a atenção no âmbito do cristianismo é a que diz respeito à concepção “polêmica” sobre a noção de Deus e, portanto, sobre a maneira de conceber a “transcendência”.
Trata-se de uma formulação “polêmica” não apenas porque representa uma aparente ruptura com um dos conceitos mais fortes do judaísmo – a noção da unicidade absoluta de Deus – do qual o cristianismo traz suas origens, mas também porque representou, no âmbito do próprio cristianismo, uma construção que levou alguns séculos para se firmar em sua formulação teológica e que continua bastante obscura e paradoxal, a ponto de ser definida como um “mistério”.
Estou falando da SS. Trindade. Para o cristão, Deus continua um ser único (única substância), como no judaísmo, embora ele seja representado como uma substância que se manifesta e se articula em um dinamismo trinitário: três “pessoas”, representadas de forma antropomórfica como Pai, Filho (o Verbo) e Espírito.
Embora essa formulação – que diz respeito ao Ser no estado mais puro e transcendente – pareça ser estranha e paradoxal, do ponto de vista psíquico tem uma relação com a própria formação do psiquismo e com a sua dinâmica interna.
Leia MaisA teologia das festas juninasAo introduzir uma dinâmica dialógica no próprio âmago do Ser, o cristianismo permite entender por que o ser humano precisa de outro ser humano para se constituir como tal. O paradoxo, contudo, existe também do ponto de vista psíquico e não apenas teológico.
Podemos de fato dizer que o ser humano nasce se percebendo como uma mônada (substância simples, ativa, indivisível, de que todos os entes são formados) e é nesse fechamento narcísico que ele se constitui no ser. A mônada é, contudo, apenas uma ilusão, pois na realidade o ser humano pode se perceber como existente se ele se reconhece como existente no rosto da mãe.
É a interação com a mãe que determina psiquicamente o seu “emergir” no ser. Na medida em que o ser humano se abre para o mundo, uma vez que se percebeu como existente, depara-se com o outro que “limita” e com o qual ele deve aprender a dialogar, como algo que existe fora dele e independentemente dele.
O processo de maturação do ser humano supõe que ele possa sair desse fechamento narcísico para aceitar a “limitação” que o outro lhe impõe, e é na dinâmica dessa articulação do seu ser com o ser do outro que ele pode viver de forma mais plena.
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