Por Roberto Girola Em Artigos

As relações “puras”

O advento das relações puras é analisado pelo sociólogo Anthony Giddens, citado por Bauman no seu livro Cegueira moral. Tratam-se de relações sem compromisso, cujo alcance e duração não são predefinidos. O objetivo desse tipo de relacionamento é extrair dele o máximo de satisfação e é justamente o grau de satisfação que define sua duração. Uma vez que a satisfação diminui ou é substituída pela busca de uma satisfação diferente ou maior, a relação pura perde sua razão de existir.

Obviamente nesse tipo de “relação” não há na realidade relação alguma, pois basta que um dos parceiros resolva terminá-la unilateralmente, quem sabe enviando uma mensagem por Whatsapp, que a bilateralidade fica absolutamente dispensada.

A relação em seu sentido tradicional supõe a existência de dois parceiros que interagem entre si como sujeitos. Na relação “pura”, cada parceiro age como sujeito, mas o outro é automaticamente colocado na posição de “objeto”.

Bauman resume esse paradoxo de forma clara: “cada parceiro assume uma ‘relação pura’, presumindo seu próprio direito à condição e sujeito e a redução e submissão do outro à condição de coisa”. Fica assim claro que nesse tipo de relação há uma transferência do modelo consumista para a esfera dos relacionamentos humanos.

Do ponto de vista psíquico trata-se de uma relação marcada por uma forma radical de narcisismo, uma busca autocentrada, que visa ao gozo, à obtenção do prazer sem limites. Paradoxalmente, embora a relação pura vise fugir da angústia do compromisso, ela acaba trazendo uma nova angústia, ao relançar os envolvidos no abismo da falta. Sim, porque na relação pura ambos estão na corda bamba, expostos ao risco de não serem “suficientemente bons” para o outro por muito tempo, lidando com um vínculo que pode ser revogado a qualquer momento.

Para fugir da angústia do compromisso, o ser humano se vê à mercê de uma existência precária, vivida sem encontros “reais”, no conforto da ausência de compromissos estáveis, mas exposto a uma flutuação emocional igualmente angustiante, da qual na maioria das vezes busca fugir com atitudes maníacas, para evitar entrar em contato com a frustração que o impacto com o real proporciona.

Roberto Girola é psicanalista e terapeuta familiar

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Roberto Girola
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Psicanalista e terapeuta familiar

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