Por Roberto Girola Em Artigos

Comodismo ou pés no chão?

Acho que perdi a característica de sempre arriscar mais pelos meus sonhos. Hoje procuro manter minha vida o mais estável possível. Isso é normal?

A pergunta mostra claramente dois polos em torno dos quais se organiza a atividade psíquica. Por um lado a “capacidade” de sonhar e, por outro lado, a “necessidade” de estabilidade, de segurança e de “manter os pés no chão”.

O funcionamento “normal” do psiquismo é de fato “bipolar”. Freud identificou essa bipolaridade inicialmente nos conflitos que se interpõem à busca da realização dos nossos desejos e, mais tarde, de forma mais radical, nos dois instintos que governam o funcionamento psíquico: a “pulsão de vida” e a “pulsão de morte”. Uma nos ajuda a nos voltarmos para o mundo externo e procurar “investi-lo” com nossa libido, enquanto a outra nos leva para dentro, desliga os apelos do mundo externo e tende a nos paralisar na busca da “paz”, fazendo com que a nossa capacidade de “ligamento” com o mundo externo seja suspensa.

Mesmo quando o instinto vital predomina e a libido se põe em movimento, na busca de alcançar algum objeto externo, ainda assim há outro mecanismo que nos freia: o princípio de realidade. Apesar do nome apontar para a “realidade”, esta é também uma instância da nossa mente, que avalia o mundo externo (real) e o representa de acordo com as necessidades do mundo interno.

O princípio de realidade pode ser um fator que nos inibe na busca de realizar nossos “sonhos”, nossos “desejos” quando estes são percebidos como “perigosos” para o nosso inconsciente. Naturalmente, isso pode mudar com o avançar da idade.

Um olhar mais crítico, alinhado com leituras mais atualizadas da contemporaneidade e da sociedade de consumo, nos permite perceber que o princípio de realidade hoje pode deixar de realizar o seu papel equilibrador quando prevalece a tendência de manipular onipotentemente a realidade de acordo com as exigências que nos são “impostas” pela busca de status, de poder, de prazer e de gozo maníaco, sob pena de sentir-nos fracos e inadequados aos olhos dos outros e da sociedade em geral.

Diante do excesso de estímulos externos que impelem na busca do gozo, pode surgir um movimento de “defesa” interno, de caráter depressivo, no qual prevalece a sensação de impotência e de cansaço. A depressão começa assim a ser percebida como a doença do século, ao lado da perversão.

Roberto Girola é psicanalista e terapeuta familiar

 

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Roberto Girola
Roberto Girola

Psicanalista e terapeuta familiar

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