Por Robson Sávio Reis Souza Em Artigos

Duas notas no início de um ano infernal

O ano de 2015 só está começando. E já sabemos que será um ano infernal. Começamos refletindo sobre a crise hídrica. Em São Paulo, não obstante à beira do precipício, o governo tucano continua afirmando que o desabastecimento não existe.

Todos sabem que daqui a mais ou menos quatro meses, a continuar como está, o (Sistema) Cantareira secará. Aqui em Minas Gerais, com medo dos resultados das urnas (que vieram independentemente dos arranjos), os tucanos (blindados por uma imprensa serviçal) omitiram a gravidade da situação de desabastecimento no Estado e principalmente da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

No Rio de Janeiro, o governo peemedebista omite o fato de o (rio) Paraíba do Sul, que abastece quase todo o estado, estar próximo do colapso.

No cenário nacional, o governo petista, mesmo sabendo do risco de um apagão (dada a situação dos reservatórios das hidrelétricas), continua dizendo que não há problemas.

Se tivéssemos governos responsáveis, menos pragmáticos e mais republicanos, seria a hora de a presidente da República, ladeada pelos governadores de São Paulo, Rio e Minas e os prefeitos das respectivas capitais, fazerem um pronunciamento público à Nação admitindo a situação periclitante de nossas hidrelétricas e represas de armazenamento de água e clamando à população para que cumpram o dever cívico de economizar água e energia elétrica (que acostumamos desperdiçar impunemente).

Entre outros, dois fatores foram cruciais para essa situação que beirando o caos: óbvio, os eventos climáticos, ocasionados, em boa medida, pelo modelo de desenvolvimento que violenta a natureza impiedosamente; e o fato de que, nas últimas duas décadas, os consumidores vorazes da classe média brasileira saltaram de 30% para cerca de 70% da população.

Isso significa, objetivamente, uma extraordinária demanda de consumo (de bens e serviços – produzidos com o gasto de enormes recursos hídricos –, energia – produzida pelas hidrelétricas –, e água abundante a jorrar nas torneiras etc.) num curtíssimo período de tempo.

Agora, só falta algum preconceituoso culpar os pobres por terem ascendido à classe média consumidora. O fato é que esse modelo de desenvolvimento que privilegia o bem-estar individual (o motor do modelo capitalista) em detrimento dos recursos ambientais (coletivos e comunitários) mostra a perversidade desse processo violentador da natureza.

Agora, olhemos para Brasília: a Câmara dos Deputados elegeu como presidente Eduardo Cunha. (Nem vou comentar a situação do Senado, que tem Renan Calheiros como seu presidente e que está se transformando num locus dos decadentes da política, salvo poucas exceções). O currículo de Cunha, seus interesses e os grupos que ele representa sintetizam a qualidade de muitos daqueles que nos representam e lideram nossas instituições democráticas.

Enquanto mantivermos esse modelo político-eleitoral que privilegia o capital-eleitor em detrimento do cidadão, continuaremos reféns de uma pseudodemocracia, cujos eleitos não representam, de fato, apesar de representarem, de direito, o povo.

Vejamos a decadência das nossas instituições: um parlamento estruturado no chamado presidencialismo de coalizão, que tem se transformado, na verdade, num balcão de negócios espúrios, cujo cerne, o toma-lá-dá-cá, é sua razão de ser. Um Executivo refém dos tentáculos do capital (conglomerados da mídia, banqueiros e elites atrasadas), quase ajoelhado diante dos ditames da deusa-economia e de costas para a ecologia e a política (com P maiúsculo), e um Judiciário elitizado, surdo aos clamores populares, patrimonialista, insulado, seletivo e discricionário. Socorro!

Podemos fingir, acreditando nesse tipo de democracia. Mas não há futuro promissor enquanto o Brasil não enfrentar suas mazelas históricas: personalismo, elitismo, autoritarismo, burocratismo, patrimonialismo... e continuar, com jeitinho, empurrando com a barriga a tarefa de reformar profundamente suas instituições pouco republicanas.

Robson Sávio Reis Souza é professor do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas

*As opiniões não necessariamente expressam a opinião ou posição do Jornal Santuário de Aparecida e são de total responsabilidade de seus autores e coautores

Escrito por:
robson_savio
Robson Sávio Reis Souza

Filósofo e cientista social

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