Não há dúvidas de que estamos assistindo ao avançar de certo individualismo de caráter narcísico, que leva um número considerável de pessoas a se focarem essencialmente em si mesmas com uma reduzida capacidade de incluir o outro e, de forma mais genérica, o coletivo no seu horizonte psíquico. Isto não apenas é verificável na forma como a política é conduzida no Brasil e em outras partes do mundo, mas também em pequenas cenas do cotidiano que emergem das relações amorosas, de trabalho, das redes sociais, do comportamento no trânsito etc.
A estrutura narcísica é extremamente importante para a formação do ser humano. Paradoxalmente, é necessário um psiquismo adequadamente estruturado do ponto de vista narcísico para que o outro possa ser incluído no seu horizonte psíquico. Esta inclusão ocorre justamente a partir do momento em que a presença do mundo externo, no qual o outro está inscrito, não é percebida como ameaçadora para a existência do indivíduo (Self), assegurando-lhe a sua consistência e sobrevivência frente às intrusões e aos “barramentos” que vêm do mundo externo.
Diante da necessidade de se conectar, lançando-se fora de si, o indivíduo percebe a sua dependência e vê a sua onipotência narcísica sendo posta em cheque. O vínculo com o outro sempre envolve um movimento paradoxal. Por um lado, movido pela necessidade e pelo desejo, o chamado do amor. Por outro lado, diante da constatação da dependência, surge o ódio, que torna necessário “proteger” o mundo externo da agressividade destrutiva do inconsciente subjetivo.
A existência do ser humano é marcada por dois movimentos, expansão e retração, uma verdadeira diástole e sístole psíquica. Ele precisa se expandir, buscar a expressão mais plena possível do seu Ser (Self) no mundo, mas ao mesmo tempo deve aceitar se “recolher”, para que o outro possa encontrar lugar no seu universo psíquico. A escalada do narcisismo tem a ver com uma falha nesse sutil processo de amadurecimento do psiquismo, que envolve uma dinâmica de investimento do outro, mas também a aceitação da dependência que o processo vincular envolve e do “barramento” que o outro impõe necessariamente ao desejo do sujeito.
Embora o narcísico aparente arrogância e “poder”, na realidade ele está se protegendo do mundo externo, demonstrando sua fraqueza psíquica. Uma primeira causa da escalada do narcisismo supõe, portanto, uma “falha” nos processos que levam à constituição do Self do sujeito na primeira infância. (continua na Parte 2).
Roberto Girola é psicanalista e terapeuta familiar
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