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Novos comportamentos

Será que a hiperconectividade de hoje em dia não esconde em nós o medo de sermos apenas quem somos?

padre pedro cunha (Gustavo Cabral/A12)

Escrito por Padre Pedro Cunha

04 DEZ 2014 - 10H43 (Atualizada em 26 JUN 2024 - 15H05)

Bits And Splits/ Shutterstock

Algumas perguntas podem nortear uma breve reflexão sobre novos comportamentos:

  • Seu ritmo é muito acelerado e você acha difícil diminuir?
  • O tempo todo você, até sem se dar conta, checa seu e-mail, apesar de não precisar?
  • Você não consegue ficar longe do seu celular?
  • Você instintivamente liga a TV, mesmo quando não deseja ver algo específico?
  • Você compra, mesmo quando não precisa de algo?
  • Você fica incomodado quando não tem nada para fazer?

Se a maioria de suas respostas foi sim, fique atento a uma nova síndrome que o afeta.

É terrível perceber que ter tempo livre se tornou um sinal de preguiça e o excesso de trabalho se tornou uma virtude. Hoje tudo funciona o tempo todo para mantê-lo ocupado: o sistema bancário trabalha 24h por dia; lojas sempre estão abertas; grandes cidades não dormem; a palavra produtividade é hoje um dos maiores valores. É-nos exigido que tenhamos habilidade para controlar tudo, e estarmos antenados, 24h por dia.

Pergunto-me se esse novo comportamento não esconde em nós o crescente medo de sermos comuns, apenas quem somos. Precisamos de popularidade; as redes sociais são nossa rota de fuga para isso. Mais “amigos”, mais curtidas, mais exposição por meio de nossas fotos, vídeos e compartilhamentos.

O futuro parece nos conduzir para o marketing do personal branding, o que quer dizer que pessoas se veem como produtos e constroem as histórias delas próprias. A realidade das hashtags e likes, visitas on-line para checar e monitorar tudo, está tirando das pessoas a alegria de comer junto com a família e/ou os amigos, ou brincar, descansar na rede da varanda, contar causos e histórias. O mundo virtual vem tomando progressivamente o lugar do mundo real.

Apesar de a internet ser útil para o trabalho, entretenimento e comunicação, ninguém negaria o fato de que seu uso excessivo leva a consequências negativas. O vício em internet assume diferentes formas: sexo virtual, relacionamentos virtuais, compulsões on-line por games, jogos, notícias, mundo 3D.

Os sintomas do vício por internet podem incluir perda da noção do tempo, isolamento do mundo real, criação de uma ou várias identidades, fuga. Uma rápida conta pode nos mostrar uma somatória alarmante: duas horas por dia desperdiçadas na internet somam 14 horas por semana, 60 horas por mês, 720 horas em um ano, ou seja, o equivalente a 30 dias inteiros.

A cada ano, você joga fora um mês de sua vida só consumindo as bobagens que a internet lhe oferece. Junte a isso a TV e outras coisas mais. Junte tudo isso a um comportamento capitalista, em que você precisa trabalhar mais, para ganhar mais, para comprar mais, mesmo que aquilo que compre não seja possível usufruir por não ter tempo para tal.

Vivemos em uma cultura na qual o “ter” significa “ser”, os valores são definidos por sua riqueza e servem para fazer com que você se sobressaia às outras pessoas. Comprar não é mais sobre satisfazer seus desejos reais. Algumas pessoas compram compulsivamente presentes para outros para se sentirem aceitas ou amadas. Isso sem contar as pessoas que são escravas de marcas. Este comportamento resulta em pessoas se afundando em dívidas, mentindo para seus companheiros e gastando menos tempo em casa.

O vício em televisão leva em média uma pessoa a gastar ao menos duas horas assistindo TV por dia. Se você fizer a mesma conta da internet, é mais um mês a cada ano, jogado fora pela maioria esmagadora das pessoas. O pior em tudo isso é que essa conta pode ser bem maior.

Isto se agrava quando a TV passa a substituir a convivência familiar. Por vezes, assistir TV é a única forma em que você consegue passar seu tempo livre. Existe uma correlação direta entre assistir à televisão e obesidade, e não apenas por que ficamos sentados ou deitados, mas por conta do número de comerciais propagandeando comidas e bebidas a todo instante.

Dado o crescimento da popularidade de reality shows, pode-se concluir que o vício em televisão pode, em casos extremos, levar a uma situação em que a realidade é substituída por programas de TV e onde a vida real é substituída pela vida apresentada na tela.

Uma boa solução para tudo isso é a chamada cultura da simplicidade, ou seja, viver uma vida baseada em sua necessidade natural.

A internet, o celular, a TV, não são os demônios atuais e nem o mal do século; todos eles trazem coisas muito boas e apreciáveis, e aqui cabe o provérbio Dosis facit venenum (A dose faz o veneno). Saiba como usar tudo isso na dose certa, para não tornar-se um veneno para você.

Escrito por
padre pedro cunha (Gustavo Cabral/A12)
Padre Pedro Cunha

Sacerdote da diocese de Lorena (SP), fundador das Aldeias de Vida, professor universitário e reitor do Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Santa Cabeça

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