Por Robson Sávio Reis Souza Em Artigos

O elo perdido: sobre a falácia da redução da maioridade penal (Parte I)

Volta à tona a discussão sobre a redução da maioridade penal, na Câmara dos Deputados. Esse tema sempre aparece na agenda pública, ou quando se tenta alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente ou todas as vezes que ocorre um crime a provocar grande comoção nacional. Parte da sociedade brasileira – capitaneada por um discurso minimalista e conservador, com repercussão imediata na grande mídia – clama por leis draconianas como lenitivo para diminuir a criminalidade violenta. Foi assim com a "criação" da lei de crimes hediondos, por exemplo. O resultado desse tipo de medida repressiva e pontual – objetivando o adensamento do estado penal – não apresenta resultado efetivo em termos de diminuição dos crimes.

É admissível e compreensível que, diante de um crime bárbaro, os parentes da vítima desejem vingança. Sob o ponto de vista privado, essa é uma prerrogativa do indivíduo; dos que sofrem a violência desproporcional de qualquer forma e estão sob o impacto dela. Porém, o Estado não tem essa prerrogativa. Considerando-se que o indivíduo pode, intimamente, desejar vingança (haja vista nossa cultura judaico-cristã, que valoriza os atos sacrificiais), o Estado – mantenedor das conquistas do processo civilizatório, cuja base está na garantia dos direitos humanos – não pode ser vingativo e passional em seus atos.

A mesma indignação, que move muitas pessoas a desejarem o recrudescimento penal (desde que seja sempre direcionado para o outro), em momentos de comoção, não é mobilizadora adiante da violência e carnificina generalizadas que atingem, cotidianamente, milhares de pessoas. Segundo o Ministério da Saúde, do total de 1.103.088 mortes notificadas em 2009, 138.697 (12,5%) foram decorrentes de causas externas (que poderiam ser evitáveis), representando a terceira causa mais frequente de morte no Brasil.

A resposta simplista, da sociedade e do Estado, para enfrentar a criminalidade violenta é o encarceramento. Nos últimos 20 anos, nosso sistema prisional teve um crescimento de 450%. Hoje, são mais de 550 mil presos (cerca de 60% cometeram crimes contra o patrimônio; 30%, crimes relacionados a drogas e menos de 10% crimes contra a vida). Superlotado, o sistema prisional tem um déficit de cerca de 250 mil vagas. Em condições degradantes e subumanas, quase 80% dos egressos prisionais voltam a praticar crimes. É nesse sistema que desejamos trancafiar adolescentes autores de atos infracionais?

Paradoxalmente, nesse período de brutal encarceramento, as taxas de crimes violentos mantiveram-se em patamares elevadíssimos. A Organização Mundial de Saúde informa que taxas de homicídio acima de 10 mortes por 100 mil habitantes são epidêmicas. A média brasileira, nesse quesito, é de 29 por 100 mil, sendo que na maioria das capitais essa cifra supera 30 homicídios por 100 mil, chegando, por exemplo, a Maceió, à estrondosa cifra de 86 por 100 mil, ou seja, oito vezes mais do que o aceitável. Segundo relatório recente da ONG mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal, dentre as 34 nações mais violentas, o Brasil encontra-se em 13º lugar. No ranking das 50 cidades mais violentas do mundo, 15 são do Brasil. Por que assistimos a esse massacre com tanta passividade?

Não são os adolescentes infratores os responsáveis por cerca de 45% de mortes por motivações fúteis (brigas entre vizinhos, discussão no trânsito e no bar, intrigas passionais). Num país com cerca de 18 milhões de armas de fogo sem nenhum controle, matar parece ter um custo baixíssimo: 92% dos homicidas adultos no Brasil não são presos. A ineficiência generalizada no processo de investigação; perícias deficientes; justiça seletiva e morosa corroboram a impunidade. Ou seja, para 92% dos assassinos adultos, não há nenhuma pena ou punição.

Robson Sávio Reis Souza é professor do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas

* As opiniões não necessariamente expressam a opinião ou posição do Jornal Santuário de Aparecida e são de total responsabilidade de seus autores e coautores

Escrito por:
robson_savio
Robson Sávio Reis Souza

Filósofo e cientista social

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