Por Robson Sávio Reis Souza Em Artigos

O elo perdido: sobre a falácia da redução da maioridade penal (Parte II)

Retomando o tema dos crimes praticados por adolescentes, não percebemos a mesma indignação e mobilização com a violência generalizada, sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento de princípios constitucionais básicos. Segundo o Mapa da Violência, 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, colocando nosso país na vergonhosa quarta posição entre as 99 nações com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes até 19 anos. Dados divulgados pelo Disque 100, serviço da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, dão conta que mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus-tratos e agressões naquele ano. Destaca-se, nesse emaranhado de números, outro dado significativo: menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Conclusão: quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos.

Segundo dados do IBGE, o Brasil tem cerca de 24 milhões de adolescentes na faixa etária entre 12 e 18 anos. Em 2010, havia 58.764 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no Brasil, sendo 18.107 com restrição de liberdade (internação, internação provisória e semiliberdade) e 40.657 em meio aberto. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011, apenas 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo; em segundo lugar, tráfico.

Ora, a partir desses números podemos concluir que somente cerca de 0,3% dos adolescentes na faixa etária entre 12 e 18 anos cumprem medida socioeducativa e apenas 0,09% deles cumprem medidas em meio fechado, sendo que as infrações praticadas pelos adolescentes em sua maioria são crimes contra o patrimônio.

Como justificar essa ideia absurda e generalizada segundo a qual todo adolescente é potencialmente perigoso? Novamente, dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos mostram que, entre 2002 e 2011, os casos de homicídio envolvendo adolescentes apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em pesquisa recente, concluiu que quase a metade do total de adolescentes infratores realizou o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos e a maioria deixou a escola aos 14 anos, entre a quinta e a sexta séries. E mais: quase 90% não completaram o ensino fundamental.

Estudos internacionais mostram que a curva da criminalidade na adolescência/juventude tem seu pico entre 21 e 24 anos. A partir daí, reduz-se drasticamente, independentemente da idade penal adotada pelo país.

Um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (Unicef) de 2007 (Por que dizer não à redução da maioridade penal) revela que 79% dos 42 países pesquisados (incluindo Suécia, Romênia, Portugal, Noruega, Países Baixos, Japão, Itália, entre outros) adotam a maioridade penal aos 18 anos. Grande parte, 47% desses países, adota a idade de 13 ou 14 anos como início da responsabilidade juvenil. No Brasil, a idade fixada é de 12 anos. Abaixo de 12 anos, apenas sete países.

Esses dados são importantes para refletirmos sobre a baixíssima efetividade de modificações legislativas motivadas por espasmos de indignação porque, comumente, atuam na consequência e não nas causas estruturais geradoras da violência e do crime.

Robson Sávio Reis Souza é professor do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas

* As opiniões não necessariamente expressam a opinião ou posição do Jornal Santuário de Aparecida e são de total responsabilidade de seus autores e coautores

 

Escrito por
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Robson Sávio Reis Souza

Filósofo e cientista social

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