Prender um adolescente de 16 anos e lançá-lo no nosso sistema prisional (“medieval”, nos dizeres do atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo) significa entregar para o crime organizado – que se encontra nas prisões – um jovem que, mais cedo ou mais tarde, voltará para a sociedade. Será que depois da experiência da prisão esse jovem voltará melhor do que quando entrou?
Sobre isso, veja o que disse o ministro da Justiça: “Nossos presídios são verdadeiras escolas de criminalidade. Muitas vezes, pessoas entram nos presídios por terem cometido delitos de pequeno potencial ofensivo e, pelas condições carcerárias, acabam ingressando em grandes organizações criminosas. Porque, para sobreviver, é preciso entrar no crime organizado. Reduzir a maioridade penal significa negar a possibilidade de dar um tratamento melhor para um adolescente. Vai favorecer as organizações criminosas e criar piores condições. Criar condições para que um jovem vá para esses locais, independentemente do delito cometido, é favorecer o crescimento dessa criminalidade e dessas organizações. É uma política equivocada e que trará efeitos colaterais gravíssimos”.
Contrariando o senso comum, deve-se afastar uma informação equivocada que povoa o inconsciente coletivo, segundo a qual o cidadão menor de 18 anos é completamente irresponsável por seus atos e está imune a qualquer intervenção estatal, mesmo que pratique um ato análogo a um crime. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que os adolescentes, a partir dos 12 anos, estão sujeitos a um processo de responsabilização diferenciada (artigos 171 a 190), cujas regras – mesmo tendo finalidade diferente daquelas próprias do direito e do processo penal – são extremamente punitivas. Aliás, o ECA, tão atacado, não é cumprido pelo Estado. Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possibilidade de mudança e desenvolvimento do adolescente que cometeu um ato infracional.
Por outro lado, dados do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte dão conta de que adolescentes que recebem e cumprem efetivamente medidas em meio aberto, como liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade, têm menos de 2% de reincidência. Ou seja, esse tipo de medida é muito mais efetiva que a internação.
Para adolescentes que cometem atos infracionais, não seria mais ético investir todas as fichas na melhoria do sistema socioeducativo, apostando na possibilidade de “recuperação”? Não seria mais econômico e sensato universalizar as escolas em tempo integral para todas as crianças e adolescentes brasileiros, proporcionando-lhes políticas protetivas, como previstas no ECA? Por que não lutamos pelo agravamento da pena de “corrupção de menores”, desmotivando o (ab)uso de adolescentes por adultos?
Enquanto apontamos os dedos para adolescentes infratores, milícias e esquadrões da morte formados, inclusive, por agentes públicos continuam impunes.
A redução da maioridade penal pode ser defensável sob o ponto de vista da racionalidade instrumental pós-moderna, do minimalismo midiático, das emoções pessoais e mesmo do sentimento coletivo de vingança e punição. Porém, não se sustenta sob o ponto de vista de uma ética da alteridade, da generosidade e da responsabilidade de todos nós, adultos, que devemos reconhecer que o segmento mais vulnerável da nossa população, os adolescentes – tratados como “futuro do país” –, não tem seus direitos garantidos no presente.
A querela acerca da redução da maioridade penal em boa medida é fruto do sensacionalismo e do desconhecimento em relação à ampliação descomunal do Estado penal. Lastreado na exploração da emoção e na desinformação da maioria dos brasileiros sobre a baixa eficiência das políticas públicas protetivas – que deveriam preceder qualquer medida punitiva –, esse debate sustenta, lamentavelmente, o discurso oportunista e eleitoreiro de políticos que descumprem impunimente aquilo que tanto atacam, o ECA.
A relação entre a violência e a imputabilidade penal é um sofisma. O debate sobre o tempo da pena ou da idade do infrator é secundário. Serve para lançar uma nuvem de fumaça a encobrir a questão fulcral: quais são condições objetivas que favorecem a criminalidade em nosso país?
Nossas crianças e adolescentes demandam por mais Estado constitucional e menos Estado penal.
Robson Sávio Reis Souza é professor do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas
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