Por Roberto Girola Em Artigos

O luto do Brasil

Ele está lá, estendido, diante de uma multidão pesarosa. Um velório silencioso. Depois da revolta, da negação, da incredulidade, agora a multidão está em silêncio, ainda incapaz de se conformar com o inesperado, de aceitar a perda.

Estamos vivendo um processo coletivo de luto. Luto por um Brasil mais justo e mais solidário, movido por ideais maiores, finalmente decidido a sair de décadas de obscurantismo político e social. Boa parte da população vibrou celebrando a ascensão ao poder de um partido que se apresentava como o defensor de uma utopia, voltada para os interesses dos excluídos, que deixaria de estar a serviço dos poderosos e dos endinheirados.

Durante alguns anos o Brasil parecia diferente, mais saudável. Infelizmente a doença que o levaria à morte já estava instalada. A saúde era aparente. Os sintomas da doença crônica não tinham sumido, ao contrário foram se revelando com mais força. Antigos inimigos tornaram-se aliados, práticas e discursos condenados começaram a ser retomados.

Como afirmava um pensador de esquerda francês, Deleuze, o revolucionário, uma vez ao poder, torna-se reacionário, perde seu apelo utópico, devorado pelo pragmatismo utilitarista, ele deixa de ser quem acreditava ser quando lutava contra o poder.

O desencantamento foi se instalando aos poucos, lamentado por muitos, celebrado pelos que estavam revoltados com os novos rumos que o país tinha tomado, rompendo o status quo secular, de país colonialista, com uma organização social quase testamentária.

A antiga doença se instalou. Quem estava no poder se considerou investido por poderes “divinos” que o isentam de “ouvir” e olhar as coisas a partir da realidade que o povo vive, para “criar” sua própria realidade, o jogo político, que se sobrepõe a qualquer outra realidade. Se alguém reclamar é tomado por ingênuo, por alguém que não entende de política.

Os sintomas do avanço inexorável do câncer tonaram-se evidentes. As células começaram a ser tomadas pelo descontrole genético; todas elas querendo crescer sem medida, à custa das células próximas. As células doentes começaram a devorar as saudáveis. Agora o corpo inerte está lá, consumido pela doença.

Como todo processo de luto, estamos vivendo as suas fases: primeiro a negação, depois a revolta, a reação maníaca e finalmente a depressão. Só nos resta agora aceitar a perda, para não entrarmos em um estado crônico de melancolia.

Roberto Girola é psicanalista e terapeuta familiar

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Roberto Girola
Roberto Girola

Psicanalista e terapeuta familiar

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