Por que o trabalho honesto não satisfaz, não é investido como algo que por si só faz sentido e que “enobrece”, como se dizia antigamente? Por que a corrupção se faz necessária nas relações de trabalho em todos os níveis?
A expressão “o trabalho enobrece” é fruto de uma visão judaico-cristã em que o homem é colocado por Deus no centro do universo como copartícipe da função criadora de Deus, como sugere o relato bíblico do Gênesis (cf. o texto de minha autoria “Desemprego e subemprego: um desafio”, publicado em 1991). Neste sentido, o livro do Gênesis vê o ser humano como um ser essencialmente “relacionado”: uma relação que se constitui em três níveis, com Deus, com seus semelhantes e com o Cosmos. O trabalho é algo que enobrece quando o ser humano por meio do seu trabalho se vê inserido nessa relação cocriadora, quando o trabalho para ele significa uma inserção criativa no mundo.
No entanto, na própria visão judaico-cristã, o trabalho é visto também como uma punição e uma expiação atrelada ao pecado original, ou seja, o trabalho deixa de dignificar o homem e se torna uma punição, quando este desvia do seu alvo (este é o sentido do pecado) e deixa de se relacionar com a transcendência, com seus semelhantes e com o Cosmos, para se fechar em si mesmo.
Na Idade Média a visão do trabalho, sobretudo do trabalho manual, como punição se intensificou, na onda do que já acontecia no mundo grego e latino. Os nobres não trabalhavam. A ascensão da burguesia e a sucessiva revolução industrial retiram da nobreza e transferem para a burguesia o acúmulo de riqueza e levam à exploração do trabalho humano denunciada no “Capital” por Marx. O trabalho passa a ser “alienante” no contexto do jogo econômico da produção e do acúmulo de riqueza.
Nos dias atuais, na visão mercantilista da sociedade de consumo, o trabalho é apenas uma moeda de troca. Ele é vendido em troca de benefícios financeiros e da garantia de um determinado “status” social, que, supostamente, possibilita de participar do cortejo dos bem-sucedidos.
Não ser excluído do cortejo passa a ser o alvo principal do “desejo” do homem ocidental, somente assim ele pode participar do estimulante banquete do “consumo” e do gozo sem fim. O círculo fechou. O trabalho não enobrece; o que “enobrece” é o acesso ao cortejo dos bem-sucedidos. A corrupção é apenas um corolário dessa equação.
Roberto Girola é psicanalista e terapeuta familiar
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