Por Miguel Júnior Em Artigos

Síndrome de Brás Cubas

Eu adoraria ver como seria meu velório, assim como Brás Cubas o fez na principal obra da Literatura Brasileira Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, nosso principal escritor. E não tem esse negócio de que os espectadores devam estar felizes por que os fiz rir em vida. Queria ver quem iria chorar de tristeza por minha perda.

Diferente de Brás Cubas, considerado um alterego de Machado de Assis, não sou nem nunca serei cruel. “Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” Esse fragmento deixa bem clara a posição da personagem em relação ao mundo. Não sou assim. Só queria ver quem foi amigo de verdade, quem sentiria minha falta ou me amou profundamente.

Se existir vida após a morte, eu visitaria aqueles que não se importaram com a minha passagem, só para tentar perguntar o porquê. Dependendo da resposta, eu cantaria para eles, a noite toda, “músicas do Luan Santana ou do Gusttavo Lima”, só para desforrar minha incredulidade. E se fosse grave o motivo da falsidade, cantaria “Calypso”. Aqui se faz, aqui se paga.

Machado inovou a linearidade da narrativa romântica, que se limitava apenas em heróis, mocinhos e vilões, formato usado até hoje nas telenovelas por exemplo. Todas são iguais, só mudam os nomes das personagens. O escritor provou que a sociedade tinha condições de compreender um novo estilo, que o tornou o mais importante escritor brasileiro de todos os tempos.

Ele preferiu não colocar o narrador como um autor-defunto, mas sim um defunto-autor. Sob a perspectiva post mortem, o foco narrativo em primeira pessoa ofereceu mais liberdade para que o protagonista refletisse sobre sua findada vida. Aí começa o trabalho de análise da essência humana a partir da tese de que o império do mais forte prevalecerá, mantra da filosofia humanitista.

Entenda “mais forte” como o homem que faz de tudo para conseguir o que quer, mesmo tendo que pisar nos outros. Os humanitistas dividiam as fortalezas em partes do corpo humano. Assim, descender do cérebro não seria a mesma coisa que descender da ponta do dedão do pé.

Não sou adepto desta filosofia. Pelo contrário. Por me sentir realizado em praticar o bem, queria saber quem foi cruel comigo. Estou com a Síndrome de Brás Cubas, que viu em seu velório nove ou dez pessoas. Queria casa cheia, uma choradeira só. Queria ser uma grande perda, mas não agora. Que a vida se prolongue por muito tempo. Porém, deixo avisado por aqui: quem comparecer ao evento, que esteja munido de lenço e disposto a chorar rios de lágrimas.

Miguel Júnior é mestre em Linguística, jornalista e professor universitário

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Miguel Júnior
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