As Igrejas que integram o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) assumiram como missão o mandato evangélico da unidade, que diz: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21) e empreenderam juntas mais uma vez a Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE – 2016).
O ecumenismo é uma manifestação de que a paz e a unidade na diversidade são possíveis porque o centro é a fé em Jesus Cristo. . Esta é a quarta vez que o CONIC promove a campanha e as ações juntas é um apelo para a promoção do diálogo, da justiça, da paz e do cuidado com a criação. Também é uma comprovação de que Igrejas irmãs podem repartir dons e recursos na sua missão, pois o ecumênico é marcado pelo desafio de construir uma casa-comum (oikoumene) para todos os seres vivos.
A CFE 2016 apresenta o tema “Casa Comum, nossa responsabilidade” e tem como lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24). As Igrejas juntas manifestam uma atitude profética por estruturas que fragilizam a dignidade humana.
Foto de: Reprodução
Esta é a quarta vez que o CONIC promove a campanha
e as ações juntas é um apelo para a promoção do diálogo,
da justiça, da paz e do cuidado com a criação.
O cuidado com a criação é uma busca pela justiça, sobretudo nos países pobres e em situação de vulnerabilidade social. A campanha sempre propõe uma reflexão a partir de um problema específico da fragilidade humana. Este ano trata da ausência dos serviços de saneamento básico em nosso país. A temática está em sintonia com a Encíclica do papa Francisco “Laudato Si: cuidar da Casa Comum”, que têm chamado a atenção para o atual modelo de desenvolvimento que ameaça a vida e destrói a biodiversidade.
Saneamento básico no Brasil
O abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, controle de meios transmissores de doenças e drenagem de águas pluviais, os quatro eixos que compõem o saneamento básico, são necessários para que haja saúde e vida dignas para a população. A dupla combinação entre água e esgoto é uma condição para erradicar a pobreza e a fome, bem como reduzir a mortalidade infantil e dar sustentabilidade ambiental. Segundo a UNICEF e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 2,4 bilhões de pessoas ficaram sem acesso ao saneamento de qualidade em 2015.
O Brasil ocupava, em 2011, a 112ª posição mundial no que se refere ao item saneamento básico. O índice de Desenvolvimento do Saneamento no Brasil foi de 0,581, inferior a algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e América Latina. Mas a responsabilidade pela Casa Comum é de todos, ou seja, dos governantes e da população. Nesse sentido, uma ação prática das Igrejas cristãs, segundo o objetivo da CFE, é mobilizar a população dos municípios para reclamar Planos de Saneamento Básico e exercer o controle social sobre sua execução. “Assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa Comum” (Texto Base, n. 26).
Hoje, as preocupações no campo do saneamento passam a incorporar não só questões de ordem sanitária, mas também de justiça social e ambiental. E seu conceito passa a ser entendido de duas maneiras: saneamento básico e saneamento ambiental.
Saneamento básico, conforme a Lei n. 11.445/07, é o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações físicas, educacionais, legais e institucionais que garantam: a) abastecimento de água potável; b) esgotamento sanitário; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas; e) articulação entre o saneamento básico e as políticas de desenvolvimento urbano e regional de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental e de promoção da saúde.
Na Resolução n. 64/292, de 28 de julho de 2010, da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), aparece o direito à água e à disposição do esgotamento sanitário, como algo essencial para a concretização de todos os direitos humanos. Milhares de pessoas no mundo se tornam vulneráveis as doenças, como, por exemplo, diarreia, cólera, hepatite e febre tifoide, devido à precária disposição do esgotamento sanitário, água e higiene. Estudos apontam que uma criança morre a cada 2,5 minutos em razão da má qualidade da água potável, falta de esgotos e higiene básicos.
Segundo a ONU, o mundo precisa investir ao longo de cinco anos US$ 53 bilhões anuais para universalizar o acesso à água tratada e a soluções para os esgotos sanitários. O investimento equivale a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2010. Em países em desenvolvimento, o investimento pode trazer um retorno estimado entre US$ 5 e US$ 28 por US$ 1 investido. A OMS estima que, para cada US$ 1 investido em saneamento, seriam economizados US$ 4,3 em saúde.
As urgências do saneamento básico no Brasil
Felizmente nos últimos anos, a difusão dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil apresentou significativos avanços, porém sua implantação ainda é lenta. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, IBGE, mostram que 85% das moradias possuem acesso à água encanada. Já o percentual de domicílios com acesso à rede coletora de esgotos ou fossa séptica é de 76,2% em 2013. Cerca de 10% dos domicílios não são contemplados pelo serviço público de coleta de resíduos sólidos domiciliares, enquanto que apenas 0,4% não contam com o fornecimento de eletricidade.
Dados de 2013 mostram que cerca de 154 milhões de pessoas tiveram acesso à água encanada e 93,3 milhões foram servidas por redes coletoras de esgotos sanitários. Mas apenas 39% dos esgotos foram tratados. Já a perda de água na distribuição foi de 37%. A média de consumo de água no mesmo ano era de 166,3 litros por habitante por dia. O menor consumo foi no Nordeste, 125,8 litros e o maior foi no Sudeste, com 194,0 (SNIS, 2013). O padrão básico estimado pela ONU é de 120 litros/dia por habitante.
O saneamento básico é essencial para evitar doenças. Em 2015, houve mais de 340 mil internações de crianças por infecções gastrointestinais. Cerca de metade delas vieram a óbito por falta de atendimento imediato de saúde. Se todos tivessem coleta de esgotos sanitários haveria uma redução de 74,6 mil internações. No mesmo ano 2.135 pessoas morreram por infecções gastrointestinais.
Para a ONU, a cobrança pelo serviço de saneamento não devem ultrapassar de 5% do orçamento familiar, o que não ocorre atualmente. O governo pretende universalizar o saneamento básico no Brasil entre 2014 e 2033, gastando R$ 508,45 bilhões. Não obstante, há a necessidade de investir em média R$ 25 a 26 bilhões/ano, mas atualmente o valor não passa dos R$ 9 bilhões.
Outra urgência é o direito à moradia saudável que inclua proteção contra riscos a saúde e a vida das pessoas com redes de água, saneamento básico, gás e energia elétrica, transporte público, limpeza e localização adequada. Pela não contemplação desse direito, no mundo, um bilhão de pessoas fazem suas necessidades a céu aberto e mais de 4.000 crianças morrem por ano por falta de acesso à água potável e saneamento básico. Segundo informações publicadas no Jornal El País, em julho de 2015, cerca de 120 milhões de latino-americanos não têm acesso a banheiros. O Brasil encontra-se entre os 10 países do mundo onde há menos acesso a banheiros.
Cidade, meio rural e resíduos
Em 2011, as 100 maiores cidades do país produziram mais de 5,1 bilhões de m³ de esgoto. Desses, mais de 3,2 bilhões de m³ não receberam tratamento. Os mais pobres são os que gastam mais com o transporte público, têm mais problemas de saúde por falta de saneamento e escolas de baixa qualidade de ensino e aprendizagem. Dos domicílios em bairros precários, 76% têm problemas de qualidade da construção e dos serviços básicos.
O Brasil gera cerca de 150.000 toneladas diárias de resíduos e cada indivíduo gera 1,0kg de resíduos sólidos por dia. Só a população de São Paulo gera entre 12.000 e 14.000 toneladas por dia. As 13 maiores cidades geram 31,9% dos resíduos sólidos no ambiente urbano brasileiro.
Ainda existem centenas de lixões ou vazadouros a céu aberto onde é depositado o lixo bruto sem qualquer cuidado. Para solucionar esta dura realidade se faz necessário o aterro controlado em que neste local se despeje o lixo coletado bruto, com cuidado de cobrir os resíduos com uma camada de terra, de modo a não causar danos ou riscos à saúde pública, à segurança e impactos ambientais. Também a instalação de aterros sanitários para os resíduos sólidos com adequada disposição, sob controle técnico e operacional. Atualmente, dos resíduos sólidos, 50,8% vão para lixões, 21,5% para aterros controlados e 27,7% para aterros sanitários. As sobras de alimentos representam 69% do total descartado no país. São 14 milhões de toneladas que alimentariam 19 milhões de pessoas diariamente.
Para o professor de Engenharia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos André Mendes, “quando vamos ao médico o primeiro indicativo se estamos doentes é o sangue. Com essa analogia entendo que a água é o indicador da saúde da terra. A água integraliza e soma todos os efeitos positivos e negativos que estão logo acima, na superfície da terra. Isso entende o ordenamento territorial, a maneira como as pessoas colocam suas casas nos territórios e a maneira como o lixo é produzido e coletado, o esgoto ou a falta dele. Tudo fatalmente atinge as cidades e toda a nossa vida”, avaliou Mendes.
De acordo com dados do Censo 2010 cerca de 29,9 milhões de pessoas residem em localidades rurais. Apenas 42% das moradias dispõem de água canalizada para uso doméstico. Muitas habitações rurais não dispõem de banheiros e fossas. Dos 16,2 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil, metade reside no meio rural, representando 25% da população rural.
O Brasil apresenta uma situação de exploração e uso predatório e inadequado da água. As empresas de abastecimento apresentam índices de perda de água tratada de até 60%, um dos maiores do mundo. A formação de uma nova consciência social, política e ecológica comprometida com a preservação das gerações futuras é uma urgência da nossa geração, bem como o direito a universalização do acesso à água potável e de uso doméstico.
Lixo doméstico e esgotamento sanitário
A geração e controle de resíduos são diretamente relacionados à conservação e proteção do meio ambiente e aos serviços de saneamento. Muitos resíduos continuam sendo despejados de maneira incontrolada no meio ambiente e seus efeitos maléficos podem ocasionar e agravar doenças.
A redução do lixo é um dos objetivos específicos da contribuição da CEF. Planejar as compras e usar sacolas retornáveis para carregá-las, evitando as embalagens plásticas descartáveis, escolher produtos com menos embalagem, comprar produtos não descartáveis e substituir os copos descartáveis, cozinhar somente o que será consumido evita o desperdício, reduz a geração de resíduos. Outra ação importante é a ser estimulada é a reciclagem e o reuso.
A distribuição do esgotamento sanitário no Brasil é bastante irregular. O sistema de tratamento, geralmente, elimina a matéria orgânica, mas deixa passar os microrganismos. Essas substâncias tóxicas e bactérias provocam alergias respiratórias, nasais, intestinais e de pele que vão permanecer, sobretudo, com as crianças por muito tempo.
Legislação sobre o saneamento básico
A Constituição Federal de 1988 contempla o saneamento no artigo 21, inciso XX, ao afirmar que: “estabelece como competência da União instituir diretrizes para o saneamento básico” e no artigo 200, inciso IV, “estabelece como competência do SUS participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico”.
No dia 5 janeiro de 2007 foi promulgado a Lei Nacional de Saneamento Básico - Lei no 11.455 (LNSB). A Lei propõe o controle social em quatro funções de gestão dos serviços públicos de saneamento básico: planejamento, regulação, prestação e fiscalização.
Cada município deve elaborar o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de forma participativa, conforme Decreto no 8.211/2014. A Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010 institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e esclarece seus princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes e fala das responsabilidades de quem gera os resíduos e do poder público.
Segundo o defensor público, Dr. Daniel Martini, o Ministério Público do Rio Grande do Sul se empenha na implementação do PMSB com o Projeto RESsanear (Res: Residuos Sólidos. Sanear: Saneamento), que infere aos promotores de justiça a cobrança da elaboração, fiscalização e acompanhamento dos Planos Municipais de Saneamento Básicos e de Resíduos sólidos. “Mas o que nos preocupa é a situação da prestação dos serviços públicos de saneamento entregue por muitos municípios do país para empresas privadas. É a privatização do saneamento. Particularmente não concordo com isso. Na prática é entregar um bem vital para a lógica do mercado e do lucro. Nenhuma empresa privada prestará caridade, mas desejará obter lucro. O cidadão que não poderá pagar pelo serviço ficará sem acesso a esse bem vital”, denunciou Martini.
O saneamento básico é uma necessidade e um direito para que todos possam ter vida saudável. Todos os moradores são chamados a participar e a fiscalizar o Plano Municipal de Saneamento Básico de sua cidade, bem como refletir sobre o que a Palavra de Deus pede acerca da Casa Comum.
*Esta matéria foi produzida pela Signis Brasil para a publicação de todos os impressos associados
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