“Voltando do Jordão, foi conduzido pelo Espírito ao deserto, onde foi tentado pelo demônio durante quarenta dias. Durante esse tempo, ele nada comeu e, terminados esses dias, teve fome.”
É assim que o capítulo quatro do Evangelho segundo São Lucas descreve os quarenta dias nos quais Jesus se preparou para iniciar a vida missionária, que culminaria com a sua Paixão e morte.
Foto de: Arquivo Pessoal
Padre Pedro Cunha: "No deserto, temos tempo
para rezar, temos o silêncio, a luz. O deserto deve
nos testar e, ao mesmo tempo, nos preparar"
Em toda a Bíblia, a experiência do deserto expressa esse aspecto de treinamento, onde o homem se priva das regalias e se prepara para enfrentar suas batalhas.
No deserto, o povo de Deus, libertado da escravidão do Egito, passou quarenta anos até chegar à terra prometida. Ao longo desse tempo, inúmeras vezes Moisés precisou relembrar os feitos de Deus a um povo impaciente e incrédulo.
Essa tensão entre o desejo de corresponder ao amor divino e a fragilidade humana está presente nos textos relacionados ao tempo da quaresma, iniciado no último dia 5. A experiência desértica relembra a necessidade de conversão, de retomada da fé, da caridade e da intimidade com Deus por meio da oração.
Para padre Pedro de Almeida Cunha, que lançou recentemente o livro Quaresma: uma palavra para cada dia, a imagem do deserto tem a força de colocar o homem diante de seus próprios limites. “Essencialmente o deserto é lugar de nos conhecermos mais, analisarmo-nos mais. Somos obrigados a verificar exatamente quem somos e quais são nossas forças. No deserto, temos tempo para rezar, temos o silêncio, a luz. O deserto deve nos testar e, ao mesmo tempo, nos preparar”, reflete.
O padre recorda que, nos 40 dias da quaresma, a Igreja convida cada um a viver aspectos muito importantes da vida cristã: a oração, a penitência, o jejum, a caridade. “Viver esse tempo quer dizer colocar em prática estas realidades até o limite de nossas forças. A quaresma não é um tempo só para coisas interiores, mas também para realidades práticas que possam transformar a nossa vida e a vida da sociedade”, argumenta.
Por que fazer jejum e penitência?
Tempo de preparação para a celebração da Páscoa, a Quaresma tem como alguns dos seus pilares o jejum e a penitência. De acordo com o padre Pedro Cunha, essa prática está ligada ao amor que Jesus tem pela humanidade, capaz de levá-lo a aceitar passar por um sofrimento sem precedentes. “Nossa penitência tem mais sentido quando é feita a partir desse contexto do amor de Jesus, e não com base no sofrimento pelo sofrimento”, alerta.
Na busca de uma penitência para viver durante a Quaresma, muitas pessoas resolvem deixar pequenos hábitos prazerosos do dia a dia, como comer chocolate ou tomar refrigerante. Embora seja um tempo de conversão, que convida a uma mudança de vida, de hábitos, de atitudes, muitos, após esse período, voltam a agir da mesma maneira que agiam antes.
O padre Pedro explica que essas práticas estão mais ligadas ao jejum. Para ele, o simples ato de abrir mão de uma coisa de que gosta já é um sinal de que se está disposto a repensar a própria vida. Contudo, ele ressalta que melhor seria se essa atitude mobilizasse a vida na direção da fraternidade em relação ao outro. “Não basta deixar de comer chocolate, é preciso que o chocolate que eu deixei de comer seja presenteado a alguém que não tem condições de comprar um”, aponta.
Segundo ele, o sentido para o exercício da caridade é a própria paixão de Cristo. “O maior sentido da morte de Jesus foi o seu imenso amor por nós. O sentido maior de nossa quaresma consiste em o reconhecermos na pessoa de cada irmão, especialmente os mais pobres e abandonados”, conclui.
Clima de sobriedade
Durante o período da quaresma, as paróquias e comunidades deixam de usar flores para ornamentar as igrejas. Revestidos com toalhas e paramentos de cor roxa, os espaços litúrgicos ganham um tom sóbrio e austero. Em muitas paróquias mantém-se o costume de cobrir as imagens durante esse período.
Padre Pedro explica que na quaresma a Igreja se despe de toda beleza exterior, por isso não se usam flores, não se canta aleluia e usam-se poucos instrumentos musicais. “Com isso, queremos dizer que, em nossa meditação sobre a entrega de Jesus, ele se despiu de tudo por amor a nós. Tendo sido morto, na Páscoa ele ressurge. Nós também morremos para tudo o que é glamouroso, mas a certeza que nos acompanha é a de que, na manhã da ressurreição, música, flores, cantos e festa serão certezas de vida”, reflete.
Vida de oração
A prática da oração também é incentivada de maneira mais intensa durante esse período. Na quaresma, cada católico é convidado, de modo especial, a cultivar e aprofundar a próprio relacionamento com Deus na intimidade.
De acordo com o sacerdote, o incentivo é importante, pois há várias maneiras de se relacionar com o Criador. Segundo ele, há católicos que são muito orantes, mas também existem os que quase não rezam. “Rezar é conversar com Deus. Nós só conversamos com alguém quando esse alguém é importante para nós, e temos amor por ele. Ou quando precisamos e não há outro jeito. Há católicos que rezam por amor a Deus, sentem-se à vontade para conversar sempre. Mas também há católicos que não têm intimidade nenhuma com Deus e só rezam quando precisam pedir alguma coisa”, afirma.
Contudo, o padre ressalta a importância de orar em qualquer tempo. Segundo ele, embora contenha um incentivo maior à oração, a quaresma não sugere um jeito diferente rezar. “A oração nesse tempo deve ser como em qualquer outro: verdadeira, autêntica, simples e sincera”, destaca.
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