Por Deniele Simões Em Notícias

Especialista prevê mais carros e locomoção pior no futuro

O JS conversa com Ana Paula Borba Gonçalves Barros, doutora em Transportes pela universidade de Brasília (UnB), no Brasil, e pela Universidade ULisboa, em Portugal.

Foto de: Arquivo Pessoal

Ana Paula Gonçalves - Arquivo Pessoal

Para Ana Paula, quem usa transporte
público no Brasil é visto como sem
condições de ter um carro próprio.
Em contrapartida, há intenso investimento
nas obras grandiosas em favor dos veículos,
com foco nos meios de locomoção utilizados
pelas camadas mais abastadas da sociedade

A especialista aborda questões relacionadas à mobilidade urbana e demonstra preocupação com o caos no trânsito no futuro, caso as autoridades continuem estimulando o uso dos carros, em detrimento de outras formas de locomoção, como o transporte público, o uso da bicicleta e a caminhada.

Jornal Santuário de Aparecida  A frota de carros no Brasil não para de crescer e já ultrapassa os 45 milhões, mas o transporte coletivo está cada vez mais precário. Como explicar esse quadro?

Ana Paula Borba Gonçalves Barros – A explicação é simples. Se não há investimento no transporte público para torná-lo mais eficiente e com qualidade, as pessoas permanecem utilizando o transporte individual. Ou pior, migram para ele. Migração muito estimulada principalmente com a redução de impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o que fomentou um crescimento exponencial nos últimos anos.

JS  Pelo comportamento de muitos motoristas, os pedestres são tratados como cidadãos de terceira classe. Como avalia esse comportamento?

Ana Paula – É uma pena que os motoristas tenham uma visão tão reducionista em relação ao papel do pedestre na cadeia da mobilidade de nossas cidades, pois os próprios motoristas, em algum momento do dia, precisam complementar os seus deslocamentos motorizados e, pelo que sabemos, ninguém ainda aprendeu a voar. Portanto, todos utilizam as pernas e precisam caminhar até o destino final de seus trajetos diários.

Ademais, se todos os cidadãos, sem exceção, utilizassem carros nos seus deslocamentos diários, as pessoas praticamente viveriam dentro dos carros, pois o tempo dispendido nos congestionamentos seria ainda maior. Portanto, todos os atores da cadeia de mobilidade – pedestres, ciclistas, usuários de transporte coletivo etc. – devem ter espaço e ser respeitados.

JS Por que o Brasil não incentiva o uso do transporte coletivo ou até mesmo a locomoção a pé e com bicicletas?

Ana Paula – Quem usa o transporte público no Brasil é visto como sem condições de ter um carro próprio. Portanto, qual o interesse em melhorar a situação das pessoas com menor poder aquisitivo? Qual a “voz” que essas pessoas têm na sociedade? Ao invés disso, há um intenso investimento por parte dos políticos em realizar obras grandiosas, como: aumento do número de faixas para os veículos, construção de túneis, elevados, vias expressas. Tudo em prol da fluidez do trânsito motorizado, utilizado pela camada mais abastada da sociedade – esta, sim, com voz ativa na sociedade.

JS  Como vê a iniciativa das ciclovias na cidade de São Paulo e o desrespeito, por parte de muitos motoristas, aos ciclistas e a essas ciclovias?

Ana Paula – A iniciativa é excelente, uma vez que há a necessidade urgente de se iniciar o processo de mudança cultural no âmbito da mobilidade urbana em nosso país, ainda que estejamos cientes que há alguns problemas relativos à implantação da infraestrutura cicloviária. Mas, precisamos começar de alguma maneira. Afinal, até os holandeses também tiveram os seus erros no início da construção de suas infraestruturas cicloviárias.

O comportamento desrespeitoso de alguns cidadãos brasileiros, no caso específico de alguns paulistanos, tem relação direta com o aspecto cultural arraigado na classe média/alta em geral, que prefere viver afastada dos centros urbanos e se deslocar em seus brinquedos motorizados, longe da “pobreza” e da “insegurança” dos demais modos de transporte.

JS Quais os principais desafios para aqueles que se locomovem a pé nas grandes cidades?

Ana Paula – Os desafios são essencialmente de duas ordens. A primeira é a infraestrutura inadequada, como calçadas em péssimas condições, grandes distâncias entre faixas de pedestres, presença de obstáculos físicos, que aumentam o esforço dos deslocamentos etc. Também a ausência de infraestrutura, como falta de faixas de pedestres, de sinalização para pedestres – a não ser que haja o conflito com o carro, como as faixas de pedestres – ausência de iluminação voltada à escala humana.

Enfim, verifica-se que a infraestrutura é praticamente exclusiva para o carro, gerando um ciclo vicioso: descaso com a manutenção dos espaços públicos, que faz com que as pessoas deixem de usá-los. Esses espaços tornam-se vazios, e, portanto, ideais para a ocorrência de violência urbana.

JS Como vislumbra o cenário da mobilidade urbana nas próximas décadas, se não houver mudanças?

Ana Paula – Caso as ações de incentivo à aquisição de veículos e a falta de políticas para a melhoria do transporte coletivo continuem, o cenário da mobilidade urbana no país só tende a piorar, ou seja, nossas cidades continuarão a ser tornar espaços para carros e não para pessoas.

Cabe ressaltar que o foco das políticas públicas de mobilidade urbana em muitas cidades europeias tem sido a redução de velocidades nas vias urbanas, de modo a tornar as cidades mais aprazíveis para o convívio entre as pessoas, inclusive, para as crianças (atores muito frágeis no contexto da mobilidade).

 

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