Em 2010, o governo federal instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), através da lei federal 12.305/2010.
Foto de: Tânia Rêgo / ABr
Levantamento da Abrelpe aponta existência de lixões em 1.569
municípios brasileiros; danos ambientais causados vão desde
degradação do solo a problemas de saúde nos catadores
A legislação prevê a destinação adequada do lixo produzido no país e, até então, estipulava prazo até o dia 2 de agosto deste ano para que as prefeituras se adequassem à nova política.
Pouco mais de um mês após a expiração desse, a realidade é que apenas 40% dos municípios brasileiros acabou com os chamados lixões, já que a lei estipula a criação de aterros sanitários para a destinação final do lixo.
O relatório anual da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), denominado Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2013, lançado no início de agosto, aponta que 60% dos municípios brasileiros ainda acondiciona o lixo de forma inadequada.
O documento também indica a existência de lixões em todos os Estados brasileiros e o aumento progressivo da quantidade de resíduos sólidos urbanos gerados no País.
O JS conversou com profissionais da área de gestão ambiental e responsabilidade social que elogiaram a iniciativa da lei, mas avaliam também que ainda há muito a se avançar quando o assunto é gerenciamento do lixo.
Aliás, esse avanço não depende apenas dos agentes públicos que gerenciam os municípios, mas principalmente da conscientização da própria população, segundo esses profissionais.
O professor do IBE-FGV e especialista em sustentabilidade e responsabilidade social, Luiz Fernando de Araújo Bueno, avalia a legislação com bons olhos. “Pela minha leitura, chegou para disciplinar nossas atitudes”, ressalta.
Bueno ressalta que, assim como na física quântica, não há parte sem o todo. “Essa política é o ‘todo’ e agora cabe a todos nós fazermos a nossa parte, sob pena de sermos enquadrados como criminosos ambientais”, acrescenta.
Foto de: Arquivo Pessoal
Luiz Bueno, do IBE-FGV: "Essa política é o
'todo' e agora cabe a todos nós fazermos a
nossa parte, sob pena de sermos
enquadrados como criminosos ambientais"
Na opinião de Álvaro Viana, diretor-executivo da ALTA Geotecnia, empresa especializada em engenharia ambiental, a lei dos resíduos sólidos é bastante abrangente e, sem dúvida, engloba os principais aspectos referentes à proteção do meio ambiente quanto aos resíduos sólidos.
Ele acredita que as principais dificuldades dos municípios em relação à adequação têm sido a limitação de equipe técnica, os recursos financeiros e a burocracia que existe no setor público.
“Definitivamente, não é fácil implantar sistemas de limpeza urbana, transporte, coleta, logística reversa, reciclagem, reutilização e destino final de resíduos”, opina.
Na visão dele, outro desafio é que a PNRS acabou criando uma demanda muito maior do que a oferta pelos serviços de gerenciamento de resíduos sólidos.
Viana aponta como consequência disso o número insuficiente de empresas privadas e cooperativas para atendimento às necessidades dos mais de 5.500 municípios brasileiros. “Isso dificulta ainda mais o atendimento à legislação”, aponta.
Mesmo diante de todas as dificuldades, o especialista acredita que se esperavam índices de adequação bem mais expressivos do que os resultados atuais.
Mais prazo?
O JS teve acesso ao relatório da Abrelpe e constatou que os 60% dos que não se adequaram à legislação significam 3.344 municípios. Desse total, 1.569 ainda utilizam os chamados “lixões”, considerados a pior forma de destinação final do lixo.
O representante da ALTA, Álvaro Viana, salienta que os lixões são áreas onde há o descarte dos resíduos sólidos sem qualquer critério técnico ou questões relacionadas à segurança ambiental. Já os aterros sanitários passam por importantes etapas de viabilidade e projeto.
Luiz Fernando Bueno adverte que os lixões e outras modalidades utilizadas pelos municípios que não cumprem a lei dos resíduos sólidos podem trazer sérios danos ambientais, como degradação do solo, comprometimento dos corpos d'água e mananciais, intensificação de enchentes, poluição do ar e proliferação de vetores de importância sanitária nos centros urbanos.
Outro risco é a criação de condições insalubres aos catadores que trabalham com a coleta de materiais recicláveis, tanto nas ruas como nas áreas de disposição final desses resíduos.
Foto de: Arquivo Pessoal
Álvaro Viana: "Definitivamente, não é fácil implantar
sistemas de limpeza urbana, transporte, coleta, logística
reversa, reciclagem, reutilização e destino final de resíduos"
O presidente da Conferência Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, está tentando viabilizar, junto à Procuradoria-Geral de Justiça dos Estados e União (CNPG) e a Câmara dos Deputados, a prorrogação do prazo concedido aos municípios para adequação para mais quatro anos.
De acordo com a Agência Brasil, o Ministério do Meio Ambiente não tem intenção de prorrogar esse prazo. Por isso, aqueles municípios que não se adequaram deverão sofrer sanções econômicas, com multas que variam de R$ 5 mil a R$ 50 milhões.
Para Viana, é preciso haver bom senso de todos nessa questão. “Se, por um lado, existem as dificuldades inerentes aos municípios, sobretudo de menor porte, o meio ambiente e a população não podem mais ficar expostos aos riscos associados ao péssimo gerenciamento dos resíduos sólidos que ainda se observa no Brasil”, diz.
O especialista defende que o governo federal só abra exceções às cidades que mostrarem que algo de significativo já foi feito. Caso contrário, ele acredita que os municípios que nada fizeram nos últimos quatro anos, muito provavelmente, vão continuar sem executar nenhuma ação.
Gerenciamento de resíduos por região
O relatório da Abrelpe mostra que a geração total de resíduos sólidos urbanos no país, no ano passado, atingiu 76.387.200 de toneladas, ou seja, 4,1% a mais do que o ano passado. Em contrapartida, o crescimento da população foi de 3,7%.
Já no comparativo por região, a coleta cresceu em todas regiões, mas o Sudeste continua respondendo por mais de 50% dos resíduos coletados, com maior percentual de cobertura desse tipo de serviço no país.
Em relação à PNRS, Álvaro Viana ressalta que a aderência está basicamente atrelada às regiões mais desenvolvidas. “Desse modo, os estados das regiões Sudeste e Sul possuem mais municípios em estágios avançados de adequação dos que aqueles das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”, conclui.
Por que aterro sanitário?
Foto de: Abrelpe
Enquanto os lixões não cumprem qualquer tipo de norma ambiental, os aterros sanitários estão submetidos a uma série de regras.
Segundo Viana, quando se fala em armazenamento de resíduos sólidos, o aterro sanitário é o recurso mais indicado para destino final do lixo. Isso acontece porque, “se operado em conformidade com as normas técnicas e boas práticas de engenharia, evitará os danos socioambientais que tanto afligem a população”, explica.
Mas, que tipos de materiais devem ser descartados em um aterro sanitário? Viana destaca que eles devem dispor resíduos sólidos urbanos inertes e não inertes, o que abrange lixo orgânico, plásticos, materiais de construção, resíduos de podas de vegetação, dentre outros. “É importante que ele não receba resíduos decorrentes de atividades industriais, sejam eles perigosos ou não”, adverte.
As etapas de viabilidade e projeto para a implantação de um aterro sanitário estão relacionadas ao local de operação, métodos de disposição, cobertura, técnicas de impermeabilização do terreno, drenagem de efluentes líquidos e gases, tratamento de efluentes, reaproveitamento do biogás, vida útil, equipamentos de controle e monitoramento, dentre outros aspectos.
Ainda de acordo com o especialista, o projeto de implantação de todo aterro sanitário deve atender aos critérios estabelecidos pela NBR 13.896, que estabelece também vida útil mínima de 10 anos.
Viana salienta que um ponto importante a ser acompanhado durante todo o tempo de operação dos aterros sanitários é a estabilidade dos taludes do seu maciço, também chamado de monitoramento geotécnico.
Foto de: Abrelpe
“Experiências pretéritas dão conta que escorregamentos de lixo podem atingir extensões de até sete vezes a sua altura, ou seja, caso haja uma ruptura em um aterro de 40 metros de altura, o alcance da massa de resíduos pode chegar a 280 metros”, explica.
No caso de um acidente dessa dimensão, dependendo do que existir no entorno, os danos podem ser bastante significativos. “Por isso, é importante que os municípios ou gestores de empreendimentos como esses estejam bem orientados em seus projetos quanto aos instrumentos de monitoramento e métodos de análises de estabilidade”, completa.
Investimentos
Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que, entre 2012 e 2014, o governo federal disponibilizou R$ 1,2 bilhão para a execução da PNRS, mas boa parte dos recursos disponibilizados não foi aplicada pelos estados e municípios.
Viana ressalta que os investimentos em um projeto para a criação de aterro sanitário passam, inicialmente, pela contratação dos estudos de viabilidade, projetos básico e executivo e licenças ambientais.
“Depois, existem os custos das obras de implantação do aterro e, por fim, os investimentos devem englobar a operação e a manutenção do empreendimento, perdurando por todo o seu tempo de vida útil”, justifica.
Ele relata ainda a opção de o município compartilhar os investimentos para o projeto com outros municípios consorciados ou gestoras privadas, ou até mesmo se beneficiar financeiramente da geração de energia oriunda do biogás.
Lixo poderia gerar mais riqueza
Foto de: www.lavras.mg.gov.br
Aterros sanitários evitam danos ambientais, desde que sejam
operados em conformidade com normas técnicas e boas práticas
de engenharia
O lixo pode ser uma grande fonte de renda sob vários aspectos. O Brasil é um dos principais recicladores de latas de alumínio do mundo. Os índices de reaproveitamento de garrafas pet no país também é considerável.
Mesmo assim, o documento da Abrelpe conclui que a coleta seletiva ainda não se tornou uma prática no país, apesar de ser um elemento indispensável para viabilizar a recuperação dos materiais descartados e posterior encaminhamento para processos de reciclagem e aproveitamento.
O organismo constata uma evolução nos percentuais de reciclagem a cada ano, com destaque para o alumínio, plástico, papel e vidro. Entretanto, os índices não se refletem em termos absolutos, já que as quantidades de resíduos sem coleta, sem destinação adequada e sem posterior aproveitamento são cada vez maiores.
O relatório também projeta que 3.459 municípios apresentam iniciativas de coleta seletiva. De acordo com Luiz Bueno, da FGV, a reciclagem movimenta um milhão de catadores e cada brasileiro produz cerca de um quilo e meio de lixo por dia. “Mas, apenas 3% do lixo produzido no país são reciclados e não cuidar do lixo significa também perder dinheiro”, lamenta.
Além da reciclagem é possível gerar riqueza através do lixo orgânico.
Segundo Viana, a matéria orgânica decomposta nos aterros sanitários gera chorume – aquele efluente líquido de cor escura e altamente tóxico – e uma mistura de gases, dentre eles o metano e o dióxido de carbono.
O especialista ressalta que esses materiais podem ser reaproveitados na forma de energia, também chamada de biogás. “A tecnologia de extração de energia a partir do biogás é bastante conhecida e difundida internacionalmente”, diz.
Viana ressalta, entretanto, que os custos de produção são elevados e o retorno financeiro acontece somente a longo prazo.
Por causa disso, a maior parte dos aterros acaba sendo aproveitada por toda sua vida útil.
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