Por Deniele Simões Em Notícias

Na Ásia, Francisco reforça luta por paz e diálogo inter-religioso

A sétima viagem apostólica internacional do Papa Francisco bateu recordes de público e, mais uma vez, foi marcada pelo estímulo ao diálogo inter-religioso e apelos pela paz e por mais justiça social.

Entre os dias 12 e 19 de janeiro, Francisco visitou dois importantes países do continente asiático: o Sri Lanka, que enfrenta graves problemas de intolerância religiosa e conflitos étnicos, e as Filipinas, maior nação católica da Ásia.

Rolando Mailo Malacanang / Photo Bureau

Papa Filipinas_1 - Rolando Mailo Malacanang Photo Bureau

Papa Francisco cumprimenta criança
nas Filipinas

A visita começou pelo Sri Lanka, onde o Papa cumpriu agenda de 13 a 14 de janeiro. Ele chegou às Filipinas no dia 15 e participou de atividades até o dia 18, retornando a Roma no dia 19 de janeiro.

Na avaliação da professora de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Lidice Meyer, a decisão de Francisco em visitar os dois países encaixa-se “lindamente” na semana logo após o atentado em Paris, motivado pela intolerância religiosa.

“Nas duas localidades, a intolerância é forte, com cristãos sofrendo perseguições, agressões e morte. A viagem de Francisco nesse período tão crítico para os direitos humanos é corajosa e tem o intuito de gerar possibilidades de acordos de paz”, pontua.

Para a docente, a iminência de acordos do tipo fica evidente nas declarações que Francisco fez durante a viagem. No Sri Lanka, Francisco expressou o desejo de que sua estada ajudasse a "impulsionar e aprofundar as diversas formas de cooperação inter-religiosa e ecumênica". Já nas Filipinas, o Pontífice deixou claro que não se pode ofender, fazer guerra ou assassinar em nome da própria religião ou de Deus.

Centro do catolicismo asiático

Lidice ressalta que as Filipinas foram evangelizadas na época da colonização espanhola, no século XVI, o que explica o fato de 90% da população serem de cristãos.

De acordo com ela, as Filipinas são vistas como o centro do catolicismo na Ásia, uma vez que a fé católica está fortemente ligada à cultura do país, assim como acontece no Brasil. A diferença é que o país foi colonizado pela Espanha.

A presença católica naquela nação também deu origem às missões evangelísticas para outras localidades da Ásia, como Japão e Mongólia. No Japão, os missionários atuaram no século XVI e, na Mongólia, a evangelização filipina se deu no século XX.

Mesmo tendo maioria católica, o país assiste a episódios isolados de intolerância contra cristãos, com atos de perseguição como agressões, despejos e até mortes.

Segundo a docente, as agressões partem de muçulmanos, que compõem 5% da população e dominam muitas cidades no Sul. Ela ressalta que esse grupo luta há cinco séculos para a implantação da nação muçulmana ou Bangsamoro, através de um movimento islâmico separatista. “Essa perseguição religiosa ocorre principalmente contra os muçulmanos que se convertem ao cristianismo nessas cidades islâmicas”, explica.

Diálogo inédito com líderes religiosos

Arquivo Pessoal

Lidice Ribeiro - Arquivo Pessoal

Lidice Meyer: "A viagem de Francisco nesse período
tão crítico para os direitos humanos é corajosa e tem
o intuito de gerar possibilidade de acordos de paz"

Ao contrário das Filipinas, o processo de colonização e cristianização feito por Portugal no Sri Lanka não obteve êxito. “As conversões foram poucas e muitas vezes motivadas por acordos como o de alforria aos escravos convertidos”, conta. 

O resultado foi o surgimento de uma atmosfera de rejeição ao cristianismo desde o início da colonização, gerando depois uma reação contra tudo o que representasse a repressão estrangeira e o passado colonial da nação, inclusive a fé católica.

Os cingaleses acreditam que o cristianismo ameaça a cultura do país e, por isso, o diálogo inter-religioso é difícil. “Os cristãos convertidos são considerados de classe inferior, tratados com desconfiança e agressão. Os atos cometidos contra igrejas cristãs e mesquitas muçulmanas são vistos no Siri Lanka como legítima defesa contra o terrorismo”, diz.

Por isso mesmo, o ponto mais significativo da visita de Francisco ao país foi o encontro com lideranças religiosas, considerado histórico. O Pontífice foi recepcionado rapidamente por líderes budistas, hinduístas e muçulmanos.

Em 1995, lideranças budistas boicotaram o encontro que teriam com o então Papa João Paulo II, durante viagem apostólica ao país.

Para a professora Lidice, o encontro inter-religioso demonstra que a aceitação de Francisco tem sido maior dentre as demais religiões mundiais, o que torna capaz a criação de possibilidade de diálogo tão almejado pelo líder católico.

Outro ato marcante foi a cerimônia de canonização de São José Vaz, primeiro santo do Sri Lanka. Na ocasião, 500 mil pessoas acompanharam a missa o que, na opinião da professora, reflete a popularidade alcançada por Francisco, além do grande alcance de sua mensagem.

Atualmente, 70% dos cingaleses são budistas. A segunda religião mais praticada no país é o hinduísmo. Há ainda 10% de muçulmanos e apenas 7% são cristãos.

Divulgação Arquidiocese de Colombo

Papa Sri Lanka - Divulgação Arquidiocese de Colombo

Francisco durante encontro histórico com lideranças
religiosas no Sri Lanka

Para a docente da Mackenzie, as chances de ecumenismo no Sri Lanka ainda são remotas, já que as doutrinas das quatro religiões mais presentes são muito díspares. “Existe, porém, a possibilidade de um início de diálogo entre as diversas religiões e a criação de respeito pela crença do outro”, conclui.

Canonização do beato José Vaz

Além do pedido pela união e reconciliação do país, uma das motivações da visita de Francisco ao Sri Lanka foi a canonização do padre José Vaz.

A missa de canonização, realizada no dia 14 de janeiro, reuniu cerca de 500 mil pessoas no Galles Face Green, um grande parque à beira-mar localizado na capital do país, Colombo.

A cerimônia marca a canonização do primeiro santo do Sri Lanka e, durante a homilia, Francisco lançou um novo apelo à liberdade religiosa, a qual classificou como “um direito humano fundamental”.

O Pontífice também ressaltou a dedicação de José Vaz ao anúncio do Evangelho, mostrando a importância de se transcender as divisões religiosas a serviço da paz.

“O seu amor indiviso a Deus abriu-o ao amor do próximo; gastou o seu ministério em favor dos necessitados, sem olhar quem fosse e onde estivesse. O seu exemplo continua a inspirar hoje a Igreja no Sri Lanka, a qual, de bom grado e generosamente, serve todos os membros da sociedade”, disse, a respeito de José Vaz.

Ao final da homilia, Francisco exortou os fiéis a seguirem o exemplo de São José Vaz, que tanto contribuiu para a paz, a justiça e a reconciliação na sociedade cingalesa.

Biografia

José Vaz havia sido beatificado em 1995, durante viagem apostólica do então Papa João Paulo II.

 

 

Reprodução

Beato José Vaz - Reprodução

Na ocasião, São João de Deus afirmou o seguinte: "Em consideração a tudo aquilo que o padre Vaz foi e fez, de como o fez e nas circunstâncias nas quais conseguiu desenvolver a grande obra de salvar uma Igreja em perigo, é justo saudá-lo como o maior missionário que a Ásia já teve". 

Nascido em Goa, na Índia, em 21 de abril de 1651, José Vaz tinha raízes portuguesas e foi um dos grandes nomes que trabalharam na difusão do catolicismo no Sri Lanka, no século XVI.

Quando chegou ao país, entrou disfarçado para auxiliar os católicos. Ficou conhecido por ajudar clandestinamente as comunidades cristãs, celebrando missas à noite e também por traduzir o Evangelho para o tâmil e o cingalês.

Deixou um grande legado ao falecer: 70 mil fiéis, 15 igrejas, 400 capelas, 10 sacerdotes e um grande número de catequistas leigos atuando no país.

Mais de 6 milhões de fiéis nas Filipinas

A visita de Francisco às Filipinas teve dois objetivos básicos. O primeiro teve cunho pastoral, já que a Igreja naquele país começa a preparar-se para celebrar 500 anos de evangelização.

O outro propósito foi manifestar a solidariedade às vítimas e familiares do tufão Hayan / Yolanda, que matou mais de 10 mil pessoas na cidade de Tacloban, no final de 2013.

Na chegada às Filipinas, no dia 15, o Pontífice foi acolhido por uma multidão e recepcionado por autoridades civis e religiosas.

No dia seguinte, durante encontro com autoridades políticas e o presidente Aquino, Francisco clamou pelo comprometimento das autoridades por mais justiça social

O Bispo de Roma também presidiu uma missa com religiosos na Catedral da Imaculada Conceição e um encontro com famílias católicas no Mall of Asia, ambos na capital Manila.

Reprodução

São José Vaz - Reprodução

Mesmo sendo perseguido, São José Vaz
trabalhou incansavelmente no Sri Lanka
para difunfir a Palavra de Deus 

O sábado, dia 17, foi dedicado ao conforto espiritual das vítimas do tufão. Após celebrar missa em Tacloban, ele almoçou com alguns sobreviventes da tragédia e abençoou o Centro para os Pobres Papa Francisco, que presta auxílio humanitário através do Pontifício Conselho Cor Unum.

Ele encerrou a estada em Tacloban com um encontro reservado com sacerdotes, religiosos, seminaristas e sobreviventes da catástrofe na Catedral de Palo.

No domingo, dia 18, Francisco retornou a Manila, onde se reuniu com líderes religiosos das Filipinas na Universidade de São Tomás. Logo após, teve um encontro com jovens no campo esportivo da Universidade.

O ponto alto da visita do Pontífice a Manila foi a missa de encerramento, também no domingo, realizada no Rizal Park. A celebração reuniu mais de 6 milhões de fiéis, número expressivo e que reflete a religiosidade do povo filipino.

Na homilia, Francisco pediu aos fiéis que sejam promotores do Evangelho nas Filipinas e no continente asiático, a fim de que a beleza do mundo criado por Deus não seja destruída por injustiça, corrupção e abusos.

O Papa despediu-se dos filipinos na manhã do dia 19, segunda-feira, quando chegou ao Pavilhão Presidencial da Base Aérea Villamor, em Manila, antes de decolar para Roma.

Especialistas analisam criação de novos cardeais

O anúncio da criação de 20 novos cardeais foi uma das primeiras ações de Francisco em 2015. O consistório para a formalização do ato acontecerá no próximo dia 14 de fevereiro e deve ser precedido de um encontro entre o Papa e o Colégio Cardinalício para debater a reforma da Cúria Romana, nos dias 12 e 13.

Do total de cardeais, 15 serão eleitores e os outros cinco, não-eleitores (com mais de 80 anos de idade). Os cardeais com direito a voto que serão criados provêm de 14 países – boa parte deles em países onde não há tanta tradição católica, como Vietnã, Nova Zelândia e Tailândia, por exemplo.

Já os não-eleitores receberão o título em reconhecimento ao testemunho de amor a Cristo e ao Povo de Deus, através do trabalho nas igrejas particulares, via Cúria Romana ou no Serviço Diplomático da Santa Sé.

Tsg Bruna & Ssg Muhammad / PAF

Papa Filipinas_3 - Tsg Bruna & Ssg Muhammad PAF

Multidão estimada em mais de 6 milhões de fiéis lota
Rizal Park para assistir à missa de encerramento nas
Filipinas

O professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, Flávio Senra, avalia que Francisco tem promovido uma alteração na geografia do colégio de cardeais com cuidado pastoral. 

Senra destaca três aspectos em relação às alterações no Colégio Cardinalício, iniciadas no primeiro consistório, em fevereiro do ano passado. “Sinaliza uma mudança na representação de países ainda não contemplados, embora ainda haja uma maioria europeia. Também sugere um movimento de maior atenção aos países em que hoje o catolicismo está mais vigoroso, além de uma Igreja atenta à representação ainda mais universal”, pontua.

Já a professora Lidice Meyer ressalta que a nomeação surpreende pela abrangência. Afinal, são cinco latino-americanos (México, Uruguai, Panamá, Colômbia e Argentina), um espanhol, um francês, três asiáticos, três africanos e um da Oceania.

“Além dessa particularidade, também chama a atenção o fato de que dos 20 nomeados, 15 estão abaixo dos 80 anos”, diz. A docente enxerga nesse detalhe a formação de um colégio cardinalício que poderá discutir com mais conhecimento de causa os problemas socioeconômicos, culturais e políticos de diversas partes do mundo. “Espera-se, portanto, que Francisco conte com um apoio mais estruturado para as modificações que deseja fazer na Igreja, visando a uma maior atuação da mesma frente as questões mundiais”, conclui.

 

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