Por Deniele Simões Em Notícias

Para ativista Priscila Siqueira, tráfico humano funciona como empresa multinacional

Após anos de militância na luta contra o tráfico de pessoas, a jornalista Priscila Siqueira resolveu levar a temática ao grande público.

Priscila é uma das organizadoras do livro Tráfico de Pessoas – Quanto vale o ser humano na balança comercial do lucro, lançado recentemente pela editora Ideias & Letras.

Ao JS, a jornalista repercute as estatísticas sobre esse crime hediondo, que já supera os números da escravidão nos últimos séculos, fala sobre prevenção, orientação e o papel da Igreja na luta contra o tráfico de pessoas.

Foto de: Deniele Simões / JS

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"É preciso tomar consciência de que temos de fazer
alguma coisa. Por exemplo, a denúncia pelo telefone
181. Se houver alguma suspeita que isso está
acontecendo, não se pode omitir, porque a denúncia
é anônima"

Jornal Santuário de Aparecida – A Campanha da Fraternidade deste ano volta-se ao problema do tráfico humano. A temática veio em hora certa ou já deveria ter sido abordada?

Priscila Siqueira – Desde 1996, começamos a reivindicar à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que uma das Campanhas da Fraternidade estivesse voltada em cima do tráfico humano.
Isso já faz um bom tempo, mas acredito que nada acontece por acaso. O fato de a Campanha abordar esse tema veio na hora certa, porque agora temos Francisco como Papa. Ele é uma pessoa extremamente envolvida com as questões sociais e tem a visão de que a religião deve ser o fermento na massa, a luz do mundo; de que é preciso entrar nas questões que exploram, marginalizam e excluem os irmãos, para que o Evangelho seja vivido com plenitude.

JS – As estatísticas do tráfico humano superam os números da escravidão no século passado. Como avalia esse paradoxo?

Priscila – Para se ter uma ideia, durante quatro séculos em que aconteceu a escravidão, não só no Brasil, mas na América Latina, América Central e América do Norte, 12 milhões de escravos foram exportados da África para cá.
Hoje, em 10 anos, de 1996 a 2006, só no sudoeste asiático 30 milhões de mulheres e crianças foram retiradas para o tráfico.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), dois milhões e 800 mil pessoas são traficadas anualmente em todo o mundo. E por que isso? Porque há uma diferenciação e, além de a população atual ser muito maior, o tráfico que acontecia antes não era globalizado.

JS – Como o fenômeno da globalização tem contribuído para aumentar o problema da exploração do ser humano?

Priscila – A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que não existe nação inocente: ou compram-se ou vendem-se pessoas. A globalização não está centrada na pessoa humana, mas no lucro. Então, vender pessoas – seja para o trabalho escravo, remoção de órgãos e tecidos, exploração sexual – se isso dá dinheiro, a venda acontece. Esse é o grande problema. Hoje o tráfico tem conotações de uma grande empresa multinacional poderosíssima.

JS – A Campanha da Fraternidade não deve parar após a Quaresma. Como cada cristão pode contribuir para denunciar e prevenir o tráfico humano?

Priscila – Cada um de nós deve assumir essa briga como nossa, dentro das escolas, os professores em sala de aula, os pais, os profissionais de saúde, aqueles que trabalham em comunidades de bairro. Não é preciso mudar a forma de trabalhar, mas inserir a questão do tráfico na sensibilização e conscientização de nossa sociedade.
É preciso tomar consciência de que temos de fazer alguma coisa. Por exemplo, a denúncia pelo telefone 181. Se houver alguma suspeita que isso está acontecendo, não se pode omitir, porque a denúncia é anônima.
Esse é o nosso papel: falar nas escolas, nos grupos, usar as nossas igrejas para mostrarmos o que está acontecendo. Temos obrigação em relação à geração que está vindo aí e que vai construir um país e um mundo que nós queremos que seja mais justo, mais equânime à mensagem evangélica.

JS – A Copa do Mundo também pode ser um chamariz para aumentar o problema? 

Priscila – Sem dúvida. Nós já temos notícia que em algumas cidades no Nordeste, onde vão acontecer jogos, os bordéis estão renovando o plantel. As meninas mais velhas, de 17, 18 anos, estão sendo substituídas por outras mais novas, com 12, 13, 14 anos. Preparam-se para receber em massa o torcedor de futebol, que é do gênero masculino.

JS – A senhora é uma das organizadoras de um livro sobre tráfico humano. Como surgiu a iniciativa?

Priscila – Na realidade, o livro surgiu da nossa militância. Coordeno a organização com a professora Maria Quintero, da Universidade de São Paulo, que trabalha com questões de gênero e de transitoriedade ligadas ao tráfico humano. Resolvemos criar uma publicação em que pudéssemos, com uma linguagem extremamente acessível, tratar o assunto com muita seriedade. São nove capítulos escritos por nove pessoas diferentes, abordando desde o tráfico de travestis ao trabalho de bolivianos, peruanos, paraguaios em confecções de roupas no Brasil. Cada expert no assunto escreveu um capítulo em linguagem simples, mas com dados muito concretos e aprofundados.

JS – Como tem sido o trabalho de divulgação do livro e que contribuição espera dar à sociedade?

Priscila – Creio que a aceitação tem sido muito boa. Durante a Quaresma, falei em muitas cidades não só do Vale do Paraíba, como no litoral, interior e capital paulista e continuo recebendo convites.
A literatura que tínhamos até hoje sobre o assunto era muito importante, mas também muito técnica e nem todos entendiam o que se estava discutindo.
Então, acho que a grande contribuição que esse livro deu foi transformar um problema extremamente complexo em uma linguagem simples, sem perder a profundidade do tema.
Acho muito importante divulgar a questão porque temos de defender nossas crianças e adolescentes. Não é possível que o Brasil continue sendo, junto com a Colômbia, o país das Américas que mais exporta garotas para a exploração. Isso é muito vergonhoso.

 

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