O dia 30 de setembro de 2014, certamente foi um dia especial na vida do agricultor Antônio Pereira, de 69 anos, e do mesmo modo para a equipe do Jornal Santuário de Aparecida. Eis que bate à porta da Redação, um senhor desconhecido, sotaque caipira, dentes quebrados, com manchas pelo rosto, boné na cabeça, roupa desgastada pelo tempo, aparentemente cansado e um pouco ansioso. A vontade dele era contar a sua própria história, da qual se orgulhava, e receber uma ajuda em dinheiro para almoçar. “Sou o homem que mais andou no mundo”, afirmou.
Foto de: Eduardo Gois / JS
Antônio Pereira cumpre promessa de vir
em peregrinação a pé, de Porto Velho a
Aparecida. Voltará de avião pela primeira
vez, com passagem doada por uma
emissora de televisão
Ofegante, antes mesmo que alguém perguntasse mais detalhes sobre quem era, automaticamente disparou: “Sou um romeiro e venho a pé de Porto Velho (RO) terminar uma promessa que fiz a Nossa Senhora Aparecida em 1991 e que cumpro anualmente há 22 anos”, contou ao tirar de uma sacola uma imagem pequenina da Santa, que carrega consigo desde o início.
A pequena Nossa Senhora era de plástico e pertencia à família de seu Antônio, segundo ele, há três gerações. Na base, quatro enfeites com flores de pano, que diz terem sido doados pelos cantores Daniel, o falecido cantor Tinoco e as duplas Gino e Geno e César e Paulinho.
Uma grande história e uma difícil jornada
Antes de ter caminhado o suficiente para dar a volta no globo terrestre por três vezes, cerca de 120.000 Km, Antônio Pereira tinha uma vida comum a de muitos brasileiros que escolheram o campo como lugar para viver. Da terra, ele, sua esposa, seus dois filhos e as famílias de seus 15 irmãos tiravam o sustento. Sua vida, suas raízes, o seu amor, a sua alegria, não era nada mais do que o plantio e a colheita em uma fazenda localizada em Porto Velho (RO).
No ano de 1991, Antônio teve uma triste notícia, estava com um câncer de garganta que rapidamente se espalhou e afetou a sua visão. Uma tragédia para toda a família, pois foi desenganado pelos médicos. Ele foi mandado de volta para morrer em casa, quando nenhum doutor tinha mais o que fazer com o caso.
Para a medicina não era preciso haver um desgaste do paciente com tratamentos, porque já não adiantaria mais, a doença já estava muito avançada. Contudo, para “Seu Antônio” e sua fé em Nossa Senhora Aparecida, nada ainda estava perdido, pois acreditava exatamente no contrário. Ele fez uma promessa à Padroeira do Brasil. Caso fosse curado, faria uma peregrinação a pé, de Porto Velho até Aparecida, por 22 anos.
Para a surpresa de todos, Antônio se curou, o milagre levou um mês para gradativamente acontecer e na sequência a grande jornada iniciou.
Sem um centavo no bolso, com muita coragem, determinação para vencer, com o coração cheio de alegria e vontade de viver e, principalmente, uma fé incondicional em Nossa Senhora Aparecida, Antônio partiu. Foram 22 anos, rotas alternativas em cinco países, cerca de 600 cidades e muitos outros números e histórias para contar.
O viajante passou algumas vezes por cidades da Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, numa saga que durava o ano inteiro. A média era de seis meses para chegar em Aparecida e mais seis meses para voltar. Ele descansava, em casa, por cerca de 20 dias e já iniciava sua próxima jornada. Aproveitava o momento para estar com a mulher e os filhos gêmeos que deixou quando tinham sete anos de idade. “Hoje estão com 29 anos. Meu menino se formou advogado e a menina professora, mas preferiram continuar na fazenda. Eles vão cuidar das nossas terras até que eu volte.” Questionado se pensou em desistir por todo o sacrifício de deixar a família, e pelos perigos do caminho, seu Antônio retruca: “Nunca!”. Ele conta que de início sua esposa era contra, mas a fé falou mais alto.
Caminhos incertos
Desde que fez a promessa a intenção sempre foi concluir sua caminhada até Aparecida com a ajuda do próximo. Nunca quis sair com dinheiro. Ele conta que foi ajudado por cerca de 10.000 pessoas e que sua bagagem sempre foi constituída apenas pela imagenzinha da Santa, por panos de prato e água, comida e uma ou outra roupa que recebia de doações. Mas para que panos de prato?
Sempre que recebia uma ajuda para comer, beber ou dormir, fazia questão de registrar, pedia sempre que as pessoas que o ajudavam, assinassem ou escrevessem uma mensagem num pano de prato que carregava consigo, depois, veio o segundo pano, o terceiro e atualmente anda com uma sacola repleta deles, alguns já sem espaço para escrever ou muito sujos e desgastados pelo tempo.
Memória aguçada
Uma das tantas qualidades de “Seu Antônio” é a precisão nos números. “Está tudo na cachola”, brincou. Ele participou de mais de 2.000 missas, foi ajudado por cerca de 600 padres, conheceu 10 bispos, presenciou mais de 800 acidentes de carro (em um deles ele foi o atropelado), aproximadamente 200 acidentes de moto, 50 acidentes aéreos. “Já segurei a mão de muita gente na hora da morte”, contou. Também já dormiu uma vez em um cemitério em São Paulo (SP).
Também concedeu 20 entrevistas para pessoas como Sônia Abraão, Ana Maria Braga, Luciano Huck, diversas rádios e emissoras de TV do interior do Brasil. “Eu dei entrevista para TV Aparecida antes mesmo de ser inaugurada, em um dia em que eu estava circulando por aqui. E hoje cedo falei mais uma vez com os repórteres.”
Seu Antônio também coleciona histórias como o dia em que, no Estado do Mato Grosso, encontrou cinco corpos em decomposição embaixo de uma árvore; o dia em que teve os dentes quebrados por um chute na boca, em um dos 23 assaltos de que foi vítima, as diversas vezes em que se deparou com a temida onça pintada, cobras das mais diversas espécies, e as vezes em que teve de dormir na mata, à beira da estrada ou quando foi acolhido por índios. Medo do incerto? Incrivelmente “Seu Antônio” não demonstrou em nenhum momento durante a entrevista. Mesmo passando por momentos muito difíceis, ele demonstra uma fé inabalável. Indagado sobre se voltaria a Aparecida novamente, a reposta é negativa. “Já estou velho e cumpri minha promessa.” E qual seria o sonho daqui para frente? Ele responde: “Duas coisas: primeiro lançar um livro sobre a minha história e doar todo o valor de vendas para casas de caridade e depois cuidar da minha terra até o dia em que Deus me levar”.
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