Por Carolina Alves Em Notícias Atualizada em 27 DEZ 2017 - 12H49

Professor aborda desdobramentos sociais da desigualdade econômica

“Temos uma produção importante de conhecimento no Brasil sobre a desigualdade. Mas talvez, em grande medida, seja uma produção contemplativa, ou seja, não é uma produção que leva ao enfrentamento da desigualdade de uma forma avançada.” Esta é a análise do professor titular no Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann.

 

O educador acaba de lançar, pela Editora Ideias & Letras, o livro Desigualdade Econômica no Brasil que esclarece, por meio de uma linguagem simples, as diferentes naturezas de produção e reprodução do assunto na sociedade brasileira.

Foto de: Arquivo Pessoal

Marcio Pochmann - Arquivo Pessoal

"O livro, de certa maneira, sintetiza as diversas possibilidades
de manifestação da desigualdade no âmbito econômico do
Brasil. Um resgate de informações de uma série de longo
prazo, oferecendo ao leitor um conhecimento amplo e atual
sobre a natureza e a manifestação de desigualdade brasileira"

Já na 49ª publicação da carreira, o professor aborda, durante conversa com o JS, fatos como a consciência popular acerca de questões sociais e os desdobramentos concretos dessa realidade no país. Confira:

JS – O brasileiro compreende a desigualdade econômica em que vive e em que está inserida a política do país?

Marcio Nós somos um país que tem como marca principal a desigualdade. Somos um país que nasceu a partir de uma desigualdade dramática que foi a escravidão. E a ultrapassamos sem ter superado a indústria que se assentava nela, como diziam os abolicionistas ao final do século XIX. Para superar a base da desigualdade gerada pela escravidão não bastava apenas a abolição do trabalho, mas a implementação de um conjunto de políticas. De certa maneira, nós saímos da abolição da escravatura, mas não fizemos uma série de reformas clássicas do capitalismo contemporâneo. Não fizemos a reforma agrária, não fizemos a reforma tributária, não fizemos uma reforma social. Nós saímos do atraso e avançamos para a modernidade trazendo a marca substancial dessa desigualdade. Acredito que os brasileiros conhecem perfeitamente a desigualdade pela realidade, mas às vezes não têm a clareza da dimensão do que ela representa no Brasil, quando se compara com outros países. Nós percebemos o quanto a desigualdade continua sendo uma marca inegável da sociedade brasileira.

JS – Quais são os sinais concretos de desigualdade econômica no Brasil?

Marcio – Em primeiro lugar está a desigualdade do nosso país em relação aos países chamados desenvolvidos, que conseguiram gerar uma qualidade de vida que se universalizou em todos os habitantes. Se pegarmos como referências os países escandinavos, a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia, são países que têm hoje um padrão de vida muito superior ao do Brasil, que não se localiza[CN1]  apenas em algumas famílias, mas é de forma generalizada. Temos também uma desigualdade econômica que se manifesta do ponto de vista das classes sociais. Nós temos uma classe social no Brasil, a classe que manda no Brasil, hoje assentada no poder dos bancos, no poder do rentismo, no poder financeiro. Isso gera uma desigualdade enorme entre os trabalhadores, população mais simples, e os muito ricos que, dessa maneira, constituem uma parcela da riqueza mundial. Vamos lembrar que o mundo em 2016 deverá ter apenas 1% da população tendo maior riqueza do que a somatória dos 99% de toda a população. No caso dos brasileiros, por exemplo, as 14 pessoas mais ricas do país detêm riqueza que equivale a somatória de 50% da população que está no Bolsa Família. Temos a desigualdade dos que têm propriedade e os que não têm propriedade. São proprietários de empresas, fábricas, fazendas. Os que não têm propriedades, têm talvez casa, automóvel, mas a renda é muito menor em relação aos que têm propriedade. Temos uma desigualdade de natureza individual. O 1% mais rico no Brasil recebe uma renda muito superior do que os 30% mais pobres. Temos também a desigualdade no território, as pessoas que moram em determinadas regiões muitas vezes possuem um padrão de vida muito inferior quando se relaciona com outras localidades mais ricas do país.

JS – O que temos a aprender com a desigualdade econômica de outros povos?

Marcio – Não se trata, em nenhum momento, de uma defesa de uma unidade, de uma homogeneidade, porque a riqueza da sociedade está, justamente, na diversidade. A sociedade é diferente e se expressa de várias formas. Há diferenças de gênero, há diferenças de raça, há diferença etária, mas essa é a riqueza de uma sociedade. O que nós estamos expressando, na verdade, é uma desigualdade gerada politicamente, uma riqueza gerada pelo próprio homem. Não é uma desigualdade natural, como é entre gêneros, por exemplo, é uma desigualdade gerada pelo poder que uns têm em relação a outros, gerada pela propriedade que uns têm em relação a outros. Então, essa desigualdade, que não é natural, mas é uma desigualdade política, precisa ser enfrentada por meio de políticas públicas que tributam, por exemplo, os que mais ganham e aliviam o peso da tributação entre os que menos ganham. Então, a política pública consegue fazer um gasto social mais progressivo, atender aqueles que têm menos renda. Ela pode reduzir drasticamente a desigualdade gerada pelo homem por meio dessa convivência, de políticas públicas adequadas.

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