O doutor em ciências da religião e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Luiz Alexandre Solano Rossi, conversa com o JS sobre perseguição aos cristãos e intolerância religiosa.
Foto de: Arquivo Pessoal
Luiz Alexandre Solano Rossi: "É muito comum
verificarmos abusos e violência contra a expressão
religiosa que é diferente da nossa. Na verdade,
penso que muitos somente sabem construir e manter
sua própria identidade religiosa ao mesmo tempo em
que negam e demonizam a religião dos outros"
De acordo com o acadêmico, ser perseguido em função do credo religioso não é comum apenas entre os cristãos, mas praticamente entre todas as comunidades religiosas minoritárias.
Solano Rossi explica como se forma o processo de intolerância religiosa e fala sobre a fundamental importância do diálogo inter-religioso para a convivência sadia entre povos e culturas diferentes.
Jornal Santuário de Aparecida – A perseguição aos cristãos foi e continua sendo comum em algumas regiões do planeta. Onde há maior predominância dessas manifestações?
Luiz Alexandre Solano Rossi – A perseguição de fundo religioso não acontece somente em relação aos cristãos. Pode-se dizer que existe uma crescente discriminação, intolerância e perseguição contra os cristãos e também contra outras comunidades religiosas minoritárias. A fim de não corrermos riscos de assumirmos posições radicais, provavelmente tenhamos de circunscrever a ação de intolerância religiosa a pequenos grupos radicais que vivenciam a própria religião de forma extremista. Pessoas assim se percebem como defensores da mais pura e vital realidade religiosa que possa existir e, consequentemente, todos os outros seriam impuros e indesejados.
Relativamente aos cristãos parece-me que Iraque, Coreia do Norte e Norte da África se apresentam como locais problemáticos. Segundo um relatório de uma organização denominada Portas Abertas em 2012, a Nigéria registrou o maior número de assassinato de cristãos.
JS – Assim como na Coreia, os cristãos da Índia também enfrentam dificuldades. Como é o quadro naquela região?
Rossi – Também na Índia encontramos situações de perseguição a cristãos e outras minorias religiosas. Dados do último censo oficial, realizado em 2001, revelam que os cristãos, concentrados principalmente no sul e no nordeste da Índia, representam 2,3% da população do país, de maioria indiana. Possivelmente as perseguições aconteçam sem a anuência do governo, haja vista que a Índia é um país laico, ou seja, sua legislação protege todas as religiões igualmente e não legitima qualquer crença ao nível de religião de Estado. Todavia, há mais de 60 anos, algumas comunidades minoritárias, como os cristãos, enfrentam crescente discriminação, agressão e forte intolerância.
JS – Quais são as perspectivas para que o diálogo inter-religioso predomine?
Rossi – Pensar a convivência entre povos e culturas religiosas diferentes será sempre um desafio a fim de superar o preconceito. A superação de preconceitos religiosos e o predomínio do diálogo acontecem quando nos tornamos plenamente humanos e respeitamos aqueles que são diferentes e, mesmo na diferença, nos assentamos para viver fraternal e solidariamente na construção de uma sociedade que nos abriga e que nos solicita que sejamos operários desse mundo ainda em construção.
A pluralidade dos discursos das mais diversas religiões nos leva a perceber a multiplicidade de riqueza simbólica a que muitas vezes não damos a devida importância. A abertura ao plural talvez seja um passo essencial para vencermos tantos séculos de dogmatismos e arrogâncias dos discursos pretensamente religiosos, mas que se apresentam como arautos de uma inquisição, ainda que sem fogueiras.
Sempre que negamos a pluralidade, corremos o sério risco de cair num processo de colonização daquele que é diferente. E, a partir do momento que absolutizamos nossos espaços de verdade, simultaneamente, transformamos as demais formas de se expressar e viver a fé em mentira.
JS – Por que a intolerância ainda é tão presente no mundo e de que modo poderia ser amenizada?
Rossi – Corremos o risco de pensar a intolerância religiosa sempre de forma belicosa e em países tão distantes de nós. E, com isso, lavamos as mãos e fechamos nossos olhos a respeito da maneira como vivenciamos nossa cultura e identidade religiosa em nossa própria terra.
É muito comum verificarmos abusos e violência contra a expressão religiosa que é diferente da nossa. Na verdade, penso que muitos somente sabem construir e manter sua própria identidade religiosa ao mesmo tempo em que negam e demonizam a religião dos outros.
O diálogo entre as religiões deve ser entendido como um imperativo e um desejo de se construir uma cultura de paz entre os homens e mulheres de boa vontade. A partir do diálogo abrimos nossos mundos para conhecer outros mundos – tão belos quanto os nossos.
Reconhecer o pluralismo religioso não constitui uma patologia ou decadência, mas um dado positivo da realidade. Pode-se dizer que cada expressão religiosa revela algo do mistério de Deus e nenhuma pode pretender possuir qualquer monopólio, nem da revelação nem dos meios de salvação.
A diversidade de religiões apresenta-se como fatos e valores a serem apreciados, pois são manifestações do humano e da experiência religiosa da humanidade. Mas para isso é preciso romper com algumas concepções.
É chegado o tempo do diálogo. No entanto, não se dialoga sem a clareza da própria identidade, sem discernimento. O verdadeiro diálogo é um diálogo entre pessoas quando estas começam a conviver, comparando suas religiões e influenciando-se mutuamente de forma inevitável. Todas as religiões são provocadas, no diálogo, a se transformar permanentemente a fim de prestar um melhor serviço à humanidade.
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