A família do casal Maria Soares e José Slowinski, de São Paulo (SP), frequenta a Basílica Velha há muitas décadas.
Foto de: Deniele Simões / JS
Após 11 anos de restauro, templo já pode ser desfrutado
pelos fiéis, restando alguns detalhes para conclusão da
obra em definitivo
O costume de ir a Aparecida pelo menos uma vez ao ano é antigo e remete aos tempos em que as famílias contratavam o fotógrafo que ficava na praça para registrar o momento para a posteridade.
“Essa igreja tem uma importância enorme para as pessoas do interior, principalmente aquelas mais simples, que vêm com o dinheirinho contado, mas fazem essa viagem para estar aqui”, conta Maria Soares.
A Matriz Basílica, aliás, funde-se à história de Aparecida e da edificação da fé católica no Brasil, conforme atesta o bispo auxiliar de Aparecida, dom Darci José Nicioli.
“Aparecida nasce quando a Basílica Velha é construída, em 1745, porque as casas começaram a ser construídas ao redor da Igreja”, conta. A grandeza de Aparecida se dá em função da imagem de Nossa Senhora Aparecida e dos romeiros que vão até a cidade para visitá-la.
Diante dessa realidade, a Matriz Basílica tem um significado especial para a Igreja do Brasil, por ser um templo importante de difusão da fé católica desde o período do Brasil-Colônia.
“A fé é um elemento de aglutinação, que nos dá identidade e Nossa Senhora Aparecida dá identidade ao povo brasileiro, no sentido de que aqui vêm pessoas de todas as etnias, de todas as raças, de todas as classes sociais. É o Brasil que aqui se encontra”, resume dom Darci.
Trabalho minucioso de restauro
Foto de: Deniele Simões / JS
Maria e José Slowinski destacam importância da
restauração da Basílica Velha como patrimônio
religioso e cultural
No dia 2 de fevereiro, um fato marcou a história da Matriz Basílica: a inauguração das obras de restauro do templo. O trabalho, que durou 11 anos e não interrompeu as atividades do local no período, recuperou a arquitetura barroca da Matriz.
A história de construção da primeira igreja que lá funcionava data do século XVIII, mas foi em 1888, após incansável trabalho do frei Joaquim de Monte Carmelo, que a igreja com as atuais características foi erguida.
O trabalho de restauro, iniciado em 2004, foi baseado na configuração dessa construção, que sofreu inúmeras intervenções ao longo dos últimos 100 anos. Por isso, um dos desafios de todo o trabalho, segundo dom Darci José, foi encontrar o que seria, de fato, restaurado.
“E, depois, tecnicamente, retirar as pinturas, as camadas de tinta que, em alguns casos, tivemos de usar maçarico para derreter a tinta e até bisturi. Portanto, foi um serviço cirúrgico mesmo”, explica.
O restauro começou em fevereiro daquele ano, a partir da Capela do Santíssimo, seguido da recuperação das janelas de madeira. Nos anos seguintes, um planejamento permitiu a restauração de cada parte da Matriz: de piso a telhado, paredes.
O trabalho minucioso recuperou muitos detalhes originais, até alguns que haviam sido apagados pelas várias camadas de tinta recebidas nas paredes nos últimos 100 anos.
Foto de: Deniele Simões / JS
Dom Darci José Nicioli, bispo auxiliar de Aparecida (SP),
enaltece significado da Matriz Basílica para a Igreja do
Brasil
Para a romeira Maria Slowinski, ver a igreja restaurada é muito gratificante, apesar do longo tempo de obra. “Achei que estava demorando bastante, pois essa igreja tinha de ser respeitada”, diz.
Ela acredita que, quem visita ou mora na cidade e tem acesso a uma obra como essa sente-se recompensado. “É poder ver que o que é arrecadado é devolvido para a população como beleza, ao contrário do nosso país que, hoje em dia, só arrecada, mas não devolve para o povo”, completa.
O bispo auxiliar de Aparecida ressalta que, além da complexidade dos trabalhos, um dos fatores que colaborou com a demora foi a alta burocracia imposta pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) para a autorização de uma série de procedimentos. Desde 1982, o templo é tombado pelo Condephaat como como monumento de interesse histórico, religioso e arquitetônico.
Local de conversão para Cristo
De acordo com o missionário redentorista e pesquisador padre Júlio João Brustoloni, a primeira igreja, construída pelo padre José Vilela, funcionou como Santuário de Nossa Senhora Aparecida por 100 anos, entre 1745 e 1845.
Mas foi justamente a partir da edificação de Monte Carmelo que se deu o período de fortalecimento de fiéis, por longos 95 anos – até 1983, quando foi inaugurado o Santuário Nacional.
“A atual Basílica Nova está ganhando foros de cidadania entre os romeiros e a imprensa, mas ainda não chegou ao ponto de ser o ‘cartão postal’ de Aparecida como a Basílica Velha ou Igreja de Monte Carmelo, e os romeiros ainda hoje têm sentimentos de saudade diante dela com seu carrilhão de sonoros sinos”, opina padre Júlio.
Foto de: Eduardo Gois / JS
Padre Júlio Brustoloni enaltece
trabalho do frei Joaquim de Monte
Carmelo para construção da Matriz
Basílica, em 1888
A restauração do templo vai ao encontro desse sentimento, já que a Basílica Velha é o segundo local mais visitado pelos romeiros em Aparecida. Para o romeiro José Slowinski, além do aspecto religioso, as obras de restauro têm alto valor cultural. “É um sinônimo muito grande do barroco paulista, um patrimônio cultural que a gente não pode deixar de relevar”, aponta.
Para Júlio Brustoloni, a Basílica Velha pode não ser o templo mais rico do país, sob o enfoque artístico, mas é, sobretudo, a igreja mais importante no tocante à religiosidade do povo. “Aquele lugar tornou-se sagrado, onde todos os brasileiros se sentem irmãos”, justifica.
Ele também reforça o papel da Matriz enquanto santuário, que funciona para promover a conversão para Cristo e a Igreja Católica. “A mãe de Deus, representada na pequena e enegrecida imagem de Aparecida, tornou-se em seu Santuário o sinal da Mãe de todos os brasileiros”, conclui.
Um pouco de história
Desde que a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi encontrada nas águas do rio Paraíba do Sul, em 1717, a fé na Mãe Aparecida como intercessora junto a seu filho, Jesus Cristo, só tem crescido.
A imagem foi encontrada no bairro Itaguaçu, onde foi construído um oratório pela família de um dos pescadores que encontraram a imagem.
“Depois, seus devotos lhe construíram, até o dia de hoje, três igrejas; a primeira, a igreja do padre José Vilela, inaugurada no alto da colina de Aparecida, no dia 26 de julho de 1745; a segunda, do frei Joaquim do Monte Carmelo, inaugurada no dia 24 de junho de 1888 e a última igreja, a de dom Antônio Ferreira de Macedo e do padre Noé Sotilo, sagrada com o título de Basílica Menor, no dia 4 de julho de 1980 pelo Papa São João Paulo II”, conta o pesquisador e missionário redentorista, padre Júlio Brustoloni.
Segundo Brustoloni, a edificação inaugurada em 1745 era feita de taipa de pilão e, em 1844, apresentou risco de desmoronamento. Na época, a mesa administrativa da capela resolveu pela construção de um novo templo, que viria a ser inaugurado em 1888.
Foto de: Reprodução
Matriz Basílica: patrimônio religioso, artístico e cultural
do povo brasileiro
“Fatos e datas revelam que essa igreja foi construída em três etapas: torres e fachada, naves central e laterais e presbitério”, explica Brustoloni. Entre a constatação dos riscos, a execução e conclusão das obras foram longos 44 anos.
O pesquisador conta que a construção da fachada prolongou-se até 1864, ficando paralisada por 13 anos. Ele atribui a demora aos constantes desvios do cofre da capela, já que, na época, todo os templos católicos eram administrados pelo governo.
“É inacreditável que o cofre da capela tenha passado por tão profunda crise de corrupção que poderíamos compará-la, atualmente, a uma ‘miniPetrobras’”, indigna-se.
As obras só começaram a fluir, de fato, após a nomeação do senhor Manoel Domiciano da Encarnação como administrador e tesoureiro, em 1885. “Com uma administração honesta e correta, pôde entregar em dia as parcelas estipuladas pelo contrato a frei Joaquim do Monte Carmelo e assim ele pôde concluir a construção, em janeiro de 1888”, acrescenta.
Padre Júlio lembra que a igreja construída por Monte Carmelo é, na verdade, uma “cópia” da igreja da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro (RJ), em estilo barroco.
Passado, presente e futuro
A Matriz Basílica foi também o ponto de partida do trabalho de evangelização dos missionários redentoristas, que chegaram a Aparecida em 1894.
Foto de: Deniele Simões / JS
Restauro reforça papel da Igreja Velha como centro
da fé católica
“A igreja estava recém-reformada e aqui eles tiveram o seu ponto de apoio para evangelizar, a partir de Aparecida, primeiro o Sudeste do Brasil e depois o Brasil inteiro”, explica dom Darci José Nicioli.
O religioso ressalta a importância do trabalho realizado ao longo dos anos a partir da cidade, lembrando que Aparecida sempre foi uma força evangelizadora no sentido de fazer catequese com o povo, manter as tradições religiosas e ser, para a Igreja do Brasil, um ponto de apoio para o trabalho evangelizador. “Para muitos, Aparecida é a sua paróquia pessoal. Podemos afirmar também que Aparecida é a paróquia do Brasil”, justifica.
Se, no presente, Aparecida é a capital católica do país, tendo como berço a Matriz Basílica, a intenção da Igreja é promover ainda mais a imagem da Basílica Velha e da região central, sob o aspecto histórico.
“Precisamos, além de promover a cidade como lugar turístico e religioso, fazer com que a Basílica Velha seja um ponto de encontro não só para as festas religiosas, mas também um espaço cultural-religioso, como nós fizemos com a assim dita reinauguração da Basílica, quando trouxemos o organista da capela Sistina, Sérgio Militello, para soar o órgão que também foi restaurado. Uma preciosidade que temos”, finaliza o bispo auxiliar de Aparecida.
Trabalho minucioso recupera detalhes da arquitetura barroca
Nossa reportagem visitou a Matriz Basílica durante a semana e registrou imagens de alguns itens que foram totalmente restaurados e já estão à disposição para uso dos fiéis. Confira.
Foto de: Deniele Simões / JS
Órgão de tubos passou por reconstituição e foi testado pelo organista da Capela Sistina, no Vaticano, Sérgio Militello, no dia da reinauguração
Fotos de: Deniele Simões / JS
Piso totalmente recuperado, seguindo padrão da versão em 1888; bancos novos foram instalados
Fotos de: Deniele Simões / JS
Trabalho contempla também restauro do teto, com formato de casco de navio invertido; paredes, púlpitos e imagens de santos
Foto de: Deniele Simões / JS
Gravuras descrevendo milagres de Nossa Senhora Aparecida, junto ao teto, foram recriadas
Foto de: Deniele Simões / JS
Nicho da Imagem de Nossa Senhora recebendo visitação de fiéis
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