Falar em suicídio é bastante delicado. Ao mesmo tempo em que é preciso ter cuidado ao julgar esta palavra, seu debate torna-se cada vez mais importante para a nossa sociedade. O Brasil tem registrado grande número de mortes por suicídio, principalmente entre os jovens. O último relatório da Organização Mundial da Saúde, lançado no começo de setembro, aponta que acontece, em média, 1 suicídio por hora.
O suicídio “é muitas vezes tratado como tabu ou como distante da realidade brasileira, quando o que acontece em nosso país é justamente o contrário”, ressalta a psicóloga Silvia Elena Vieira, especialista em Neuropsicologia.
“Somente entre os brasileiros, nos últimos vinte anos, a taxa de suicídio cresceu 30% na faixa etária entre os 15 e 29 anos, tornando-se a terceira principal causa de morte de pessoas em plena vida produtiva no País” explica.
Ela acredita que, quanto mais o tema for discutido, maiores a chances de diminuirmos o preconceito sobre ele e sobre a depressão – doença que geralmente se manifesta antes do comportamento suicida.
Em entrevista, a psicóloga explica como se desenvolve a depressão e como se apresentam possíveis quadros suicidas.
Jovens de Maria - Quais os motivos mais comuns que levam os jovens e adolescentes a entrarem em depressão?
Silvia Elena - Atualmente, os adolescentes são considerados pelos adultos e idosos como “mais espertos e inteligentes que os de antigamente”, principalmente devido a sua facilidade em lidar com as novas demandas tecnológicas. Ao mesmo tempo, esses adolescentes não são adultos -falta-lhes a liberdade e autonomia dos adultos e, ao mesmo tempo, eles também não podem desfrutar da irresponsabilidade da infância, dada a necessidade que têm de tomar certas decisões inerentes à sua faixa etária. Este exemplo de contradição ilustra bem o desconforto vivido por eles.
Além desta situação, devemos pensar nos fatores genéticos (se um dos familiares já teve um quadro depressivo, há uma maior chance de incidência em seus filhos) e nos traços afetivos da própria personalidade do adolescente, já que alguns podem ser considerados mais sensíveis e sentimentais que outros. Também são fatores que podem influenciar o aparecimento da depressão, uma vez que o adolescente muitas vezes enfrenta uma distonia entre o corpo real e sua aspiração: um nível de exigência e o estabelecimento de padrões muito elevados no que tange à magreza, no caso das meninas, ou virilidade, no caso dos meninos, pode ser fonte de ansiedade, angústia e depressão.
Quanto às questões sociais, há ainda a necessidade de aceitação e de identificação com certos grupos de interesse, somada às exigências da vida cotidiana moderna, num mundo cada vez mais complexo e competitivo.
Ainda em relação à família, observa-se que os conflitos comuns à adolescência tendem a agravar-se muito mais se este jovem estiver inserido numa família que também está em crise, seja por conflitos familiares, separação dos pais, por violência doméstica, alcoolismo de um dos pais, sérias dificuldades econômicas, pela presença de doença física ou por morte.
JM - Quais os sintomas da depressão?
Silvia Elena - Normalmente os sintomas mais comuns são a diminuição de apetite ou distúrbios da alimentação (anorexia e bulimia), alterações no sono (dormir mais tarde ou acordar muito mais cedo do que costumava) ou cansaço excessivo, sonolência e exaustão, mesmo após ter dormido várias horas. São comuns os prejuízos no desempenho acadêmico (escolar), uma lentidão do pensamento, descaso com higiene ou cuidados pessoais. Observa-se também uma diminuição da socialização, uma maior tendência ao isolamento em relação aos amigos e familiares. Não menos comum é o aparecimento de comportamentos hostis e agressivos, como uma exacerbação da tendência natural dos adolescentes de agir ao invés de falar.
Em termos de sentimentos e sensações, pode ocorrer um aumento de irritabilidade, do sentir-se inquieto, ter dificuldades de concentração ou perder o interesse ou o prazer em atividades que antes gostava de realizar, bem como sentir-se desesperançado e ter sentimentos de culpa e perda do prazer de viver.
JM - E quando a depressão evolui para um “quadro suicida”? Existem “comportamentos suicidas”?
Silvia Elena - Sim, a depressão pode evoluir para um “quadro suicida” e também existem os chamados “comportamentos suicidas”. Porém não somente existem os comportamentos - antes deles vem a própria ideação suicida, a qual, de acordo com a Psicologia, é caracterizada por vários comportamentos que indicam a possibilidade de que uma ideação suicida possa estar em andamento. Os relatos mais comuns sobre ideação suicida referem-se a falas sobre “querer desaparecer”, “dormir para sempre”, “ ir embora e nunca mais voltar”, ou mesmo objetivamente o relato efetivo do desejo de morrer, mesmo quando falado num tom de brincadeira. Obviamente, estes relatos devem ser considerados indícios significativos de ideação suicida e, portanto, serem levados a sério, ainda mais quando alterações no comportamento ou humor do jovem já vêm sendo observados em seus meios de convivência.
Quanto aos comportamentos suicidas temos, por exemplo, o interesse em ver filmes, ouvir músicas ou ler livros sobre morte regularmente, desconfiança excessiva, envolver-se em condutas de risco, dirigir perigosamente, envolver-se em atitudes completamente imprudentes ou fazer uso progressivo de drogas e álcool, ingerir comprimidos perigosos e portar armas de fogo. Ter um método planejado de morrer, deixar comunicados aos amigos em redes sociais ou cartas onde distribui seus pertences, também pode ser caracterizado como comportamentos suicidas.
Muitas vezes, os jovens tomam a decisão pelo suicídio após uma situação de grande tensão como, por exemplo, o rompimento de um relacionamento, um fracasso escolar ou profissional ou uma briga importante com os pais. Por isso é muito importante o papel da família e dos amigos mais próximos na observação deste adolescente após a ocorrência destes tipos de situações.
JM - Como se pode evitar um suicídio?
Silvia Elena - A prevenção a um comportamento suicida não é uma tarefa fácil. Como um problema de saúde pública, a intervenção interdisciplinar (com médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros) é de suma importância, a fim de que se crie uma rede de escuta e proteção à esse jovem. Porém no que tange aos familiares e pessoas próximas, entende-se que evitar-se comentários como “quem quer se matar, se mata mesmo”, ou “suicídio é um ato de covardia (ou de coragem)”, “quem quer se matar não avisa” ou ainda “no lugar dele eu também me mataria”, é de grande ajuda.
Mostrar sua preocupação, cuidado e afeição, assim como focalizar nos sentimentos do jovem (e não nos seus, por estar “chocado” com a hipótese de suicídio do mesmo) também é fundamental. É muito importante oferecer uma escuta cordial, numa tentativa sincera de entender os motivos da ideação suicida, bem como acolher o jovem neste momento em que o mesmo está em risco, por estar claramente confuso e fragilizado.
Outras tentativas de evitar-se o suicídio referem-se a atitudes comportamentais preventivas, como enfrentar as crises, sabendo que todos passamos por elas em algum momento da vida. Comunicar imediatamente a alguém próximo que se está tendo ideações suicidas, falar sobre os problemas contatando amigos, familiares e outras referências de apoio, como um líder religioso, caso tenha um, por exemplo, estabelecer um “plano B”, juntar-se à um grupo de apoio e “dar tempo ao tempo”, dentre outras alternativas, podem ser de grande ajuda na conduta de evitar-se a tentativa de suicídio.
JM - É importante travar debates sobre o assunto?
Silvia Elena - É de suma importância que haja debates sobre este assunto, uma vez que o mesmo é muitas vezes tratado como tabu ou como distante da realidade brasileira, quando o que acontece em nosso país é justamente o contrário, pois se estima que 25 pessoas cometam suicídio por dia no Brasil.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a tendência é de crescimento das mortes por suicídio entre jovens, especialmente nos países em desenvolvimento. Somente entre os brasileiros, nos últimos vinte anos, a taxa de suicídio cresceu 30% na faixa etária entre os 15 e 29 anos, tornando-se a terceira principal causa de morte de pessoas em plena vida produtiva no País. No mundo, cerca de um milhão de pessoas morrem anualmente por essa causa. A OMS estima que haverá 1,5 milhão de vidas perdidas por suicídio em 2020, representando 2,4% de todas as mortes. Assim sendo, quanto mais discutirmos sobre o tema, maiores chances teremos de desmistificarmos e diminuirmos o preconceito sobre ele, e assim ampliarmos a atenção dos familiares, o estabelecimento de políticas públicas de prevenção ao suicídio e as redes de proteção ao jovem em situação de risco de suicídio.
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